- 14.06
- 2017
- 10:41
- Folha de S.Paulo
Liberdade de expressão
Em debate no STF, especialistas divergem sobre direito a esquecimento
Publicado em 12.jun.2017, na Folha de S.Paulo.
Especialistas expuseram nesta segunda (12), em audiência pública no STF (Supremo Tribunal Federal), os riscos à liberdade de informação se o Judiciário reconhecer o chamado direito ao esquecimento. Por outro lado, advogados defenderam que os ministros devem prever a aplicação desse direito na esfera civil.
O debate teve como ponto de partida um caso específico, de Aída Curi, que foi assassinada em 1958. A família recorreu ao STF e pede uma indenização pela exploração da imagem dela no programa "Linha Direta", da TV Globo.
A audiência abordou o direito de uma pessoa de não permitir que um fato ocorrido em determinado momento de sua vida seja exposto ao público indefinidamente.
O ministro relator do caso, Dias Toffoli, explicou que a família da vítima argumenta que sofreu "massacre" de órgãos de imprensa na época e diz que os familiares ficaram estigmatizados. Eles reclamam que, depois de mais de 50 anos, foi veiculado um programa que explorou a imagem real de Aída Curi, com cenas impactantes de violência.
No processo, segundo Toffoli, a Globo esclareceu que o conteúdo abordado no programa se limita a fatos públicos e históricos e que grande parte do programa foi composta por arquivos da época, além de material de livros sobre o caso. A empresa entende que é direito de todos o acesso à história e sustenta que os direitos de imagem não se sobrepõem ao direito coletivo da sociedade de ter acesso a fatos históricos, segundo o relato do ministro.
Em nome da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), a advogada Taís Gasparian, que também atua para a Folha, expôs que o sistema jurídico atual "não prevê um direito genérico de ser esquecido". Ela explicou que nem sequer há um "contorno" do que é o direito ao esquecimento, que envolve três tipos de entendimento: da remoção de conteúdo, da proibição de veiculação futura e da desindexação.
O temor da associação, segundo ela, é que o Supremo acabe restringindo o direito à liberdade de informação se atender o pedido do recurso que chegou à Corte. Ela mencionou a ideia de que a remoção de arquivos, que seria um dos tipos de direito ao esquecimento, seria equivalente à queima de livros.
"Apenas à história caberia a distinção do que deve ou não deve ser lembrado. Não somos nós que vamos decidir", afirmou.
Taís Gasparian também apresentou ao Supremo resultado do projeto "Crtl X", da Abraji, que faz um mapeamento das ações judiciais que visam restringir informações. Foi verificado um crescimento do número de processos judiciais com pedido de remoção de conteúdo, que se dá sobretudo por políticos e partidos políticos.
Ao comparar o período das eleições municipais de 2016 (618 processos) com 2012 (457 processos), a Abraji verificou um aumento de 35% nos processos movidos por políticos ou partidos políticos com pedido de remoção de conteúdo, retirada de site do ar, suspensão da programação de rádio ou suspensão de circulação de jornais. O aumento ocorreu a despeito do período reduzido de 90 dias para 45 dias de campanha eleitoral no ano passado.
"Isso tudo é para chamar atenção do oportunismo e da instrumentalização do Judiciário que se pode ter nessas situações", alertou Gasparian.
Daniel Sarmento, advogado da ANJ (Associação Nacional de Jornais) e da Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas), defendeu que, no Brasil, o problema nunca foi de "excesso de memória", mas de "amnésia coletiva". "É mais frequente empurrar problemas do passado para debaixo do tapete para que não sejam enfrentados do que a inundação com informações", disse.
Advogado dos familiares, Roberto Algranti Filho defendeu que o direito ao esquecimento "é inevitável". "Não acredito que [o direito ao esquecimento] vai cercear a liberdade de expressão. [...] Vai servir como uma referência. Não é um obstáculo", afirmou.
Ele afirmou ainda que esse direito não abarca fatos históricos. Ao argumentar que fatos históricos são aqueles relevantes à história nacional, ele disse: "Aída Curi não é Getúlio Vargas".
O advogado Gustavo Mascarenhas Lacerda Pedrina, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, afirmou que não é possível "admitir que alguém carregue para sempre um senão acompanhado ao seu nome".
"A trajetória da humanidade, sabemos disso, é envolta em atos criminosos que jamais podem deixar de ser recordados, mas os envolvidos em qualquer crime precisam ver preservada a chance de superar os malfeitos", defendeu.
Após a audiência pública, Dias Toffoli afirmou que ainda não é possível prever a data em que o caso será julgado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. "Depois que o processo estiver finalmente instruído com essas manifestações, eu vou preparar o voto e, assim que ele estiver pronto, levar ao plenário", disse.