Elvira Lobato e Angelina Nunes compartilham experiências e desafios do jornalismo investigativo
  • 19.11
  • 2024
  • 15:09
  • Isadora Ferreira

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Elvira Lobato e Angelina Nunes compartilham experiências e desafios do jornalismo investigativo

Na noite de 13 de novembro, a ESPM-Rio recebeu duas referências do jornalismo investigativo brasileiro: Elvira Lobato, diretora da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), e Angelina Nunes, coordenadora do Programa Tim Lopes.

A palestra, aberta ao público, foi especialmente voltada para estudantes do curso de jornalismo e profissionais da área, contando também com a participação de jornalistas de outros veículos e universidades. No encontro, Elvira e Angelina compartilharam histórias de redação, desafios da apuração e as mudanças que o jornalismo sofreu ao longo dos anos, desde o uso de máquinas de escrever até o impacto das ferramentas digitais nas investigações. O evento, realizado na Villa Aymoré, no Rio de Janeiro, foi uma oportunidade única de ouvir relatos sobre as dificuldades enfrentadas e as lições aprendidas em reportagens premiadas. A reportagem da Abraji estava lá para conferir.

Transformações na redação: o fim da era analógica e o começo da era digital

Durante a palestra, as repórteres destacaram as transformações nas redações, descrevendo o período em que o jornalismo ainda era fortemente marcado pelo analógico, com horário fixo para o fechamento do jornal impresso e com instrumentos como orelhão, fichas, laudas e máquinas de escrever. Elas mencionaram que o processo de apuração era intensivo e exigia um domínio profundo do tema investigado, pois não havia fácil acesso a bancos de dados ou informações online. Angelina Nunes acrescentou que, naquela época, anos 80 e 90, era preciso consultar documentos físicos e realizar levantamentos complexos, como ler o Diário Oficial diariamente para acompanhar regulamentações e dados importantes, o que fazia parte do rigor exigido em suas investigações. A transição para o digital trouxe novas possibilidades de apuração e acesso a informações, mas também demandou rápida adaptação às ferramentas e metodologias digitais.

A apuração em “Os homens de bens da Alerj” e o reconhecimento internacional

Angelina também compartilhou os bastidores da premiada reportagem "Os Homens de Bens da Alerj", uma investigação que exigiu planejamento e dedicação intensa. “Essa matéria começou em 2003 e só foi concluída em junho de 2004. Foi uma matéria que ganhou vários prêmios, inclusive o Prêmio Rei de Espanha,” explicou. Com uma equipe de sete pessoas, a investigação detalhada analisou o patrimônio de setenta deputados estaduais do Rio de Janeiro, revelando um crescimento financeiro muitas vezes incompatível com seus salários. Angelina descreveu o rigoroso processo de apuração, que envolveu a divisão de tarefas entre a equipe, investigações locais e visitas às cidades de origem dos políticos, até que, em um domingo, o jornal publicou uma matéria de quatro páginas com os resultados da investigação: “O que a gente queria mostrar é que havia uma evolução patrimonial incompatível com o que eles recebiam todo mês.” A reportagem recebeu quatro prêmios e foi um marco no jornalismo investigativo.

Com uma linha fina impactante, a matéria de O Globo, publicada em junho de 2004, destacou: “Apesar da crise, 27 deputados tiveram aumento de mais de 100% no patrimônio em 6 anos.” A reportagem trouxe trechos em destaque que chamavam a atenção dos leitores, como "Da venda de imóveis a sêmen de boi", "Lei garante acesso a declarações de renda" e "Um tempo em que político andava de bonde". A série expôs a discrepância entre o discurso político e a realidade patrimonial, consolidando-se como um exemplo de jornalismo investigativo rigoroso e de importante papel social.

Reportagens premiadas e o valor de uma boa apuração

Ao compartilhar histórias de grandes reportagens, Elvira Lobato enfatizou a importância de uma boa e detalhada apuração. Ao abordar sua apuração ao construir uma reportagem que tratava sobre trabalho análogo à escravidão, ela lembrou do tempo dedicado ao levantamento de dados: “Eu fiz um mapeamento porque não tinha isso antes [recursos tecnológicos que permitem acesso a documentos e dados públicos]; só tinham pilhas de processo em papel.”

A jornalista também recordou o processo investigativo que levou à denúncia da concessão de uma TV para Gugu Liberato durante o primeiro turno de uma eleição, um feito que exigiu entender e confrontar as nuances legais da comunicação no Brasil. “O apresentador do SBT Antônio Augusto Moraes Liberato, o Gugu Liberato, obteve uma concessão de TV — sonho que alimentava havia pelo menos cinco anos — durante a campanha para o primeiro turno da eleição presidencial. Segundo advogados, a concessão é irregular. Gugu é um dos apresentadores no horário gratuito da campanha do candidato do PSDB, José Serra.” foi como a repórter abriu a matéria publicada em outubro de 2002, para o jornal Folha de S. Paulo, na sucursal do Rio de Janeiro.

O jornalismo em territórios desafiadores: experiências na Amazônia

Ao falar sobre seu trabalho na Amazônia, Elvira compartilhou o impacto de conhecer comunicadores que, sem formação formal, exercem o jornalismo em áreas sensíveis, como o Pará e o Maranhão. “Eu chegava em cidades micro, com pessoas fazendo jornalismo que eram ex-garimpeiros, motoristas... pessoas com pouquíssima formação,” relembrou. O desafio, segundo Elvira, era entender as realidades locais e superar preconceitos. Ela destacou o valor de uma apuração presencial, afirmando que “o trabalho de campo é essencial para construir um retrato fiel das comunidades.”

Elvira Lobato faz parte da diretoria da Abraji, Angelina Nunes coordena o Programa Tim Lopes e integra o Núcleo de Segurança da associação. Para mais conteúdos sobre jornalismo investigativo e segurança dos profissionais da imprensa, acompanhe as redes sociais da Abraji e fique atento aos próximos eventos e iniciativas da Abraji e organizações parceiras.

Assinatura Abraji