- 28.04
- 2011
- 12:23
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Eliane Brum revela como prende a atenção do leitor com textos longos até na internet
“Se você conseguir agarrar seu leitor pelo pescoço no primeiro parágrafo, há grandes chances de você mantê-lo cativo até o final. Desde que você mantenha o ritmo do texto. Acho que não é o tamanho que afasta ou atrai o leitor, mas a seriedade e a verdade com que você escreve. O respeito que tem por ele.” A dica acima é dada por Eliane Brum, que irá ao 6º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo para compartilhar sua experiência acumulada em mais de 20 anos de redação.
Ela relata que depois de assistir ao filme "A Rede Social" ficou horas sentada em casa "cabisbaixa" por perceber que não faz parte do universo digital (ou virtual). "Circulo por este mundo, escrevo na internet, uso as redes sociais, mas não pertenço a este mundo”. Embora se sinta assim, faz muito sucesso na internet que reverbera pelas mídias sociais seu trabalho. Provando que textos longos (sua última coluna no site da Revista Época contava com mais de 60 mil caracteres) também têm seu espaço no mundo digital.
Apesar de todas as mudanças que a internet trouxe para o jornalismo, a repórter acredita que a reportagem ainda deva ser feita da mesma maneira de antes. “Você continua indo ao mundo real para contar uma história. Ou melhor, acho que o mais correto seria dizer que a gente continua tendo que ir ao `mundo encarnado´, porque o virtual também é real”, diz.
Diante de todas essas reflexões, Eliane vê no Congresso da Abraji uma oportunidade única para os jornalistas trocarem experiências. "É talvez o único congresso brasileiro que traz pessoas de todas as partes do país – e de fora dele – para contar suas experiências e para ouvir experiências. É um grande encontro, de várias gerações de jornalistas, inclusive. E, portanto, uma grande troca. Acho importantíssimo, um espaço muito privilegiado. E me sinto muito honrada por ter sido convidada como palestrante nos últimos três anos".
Leia abaixo a segunda parte da entrevista com Eliane Brum:
(para ler a primeira parte, clique aqui)
Abraji: Quais as principais dicas para quem quer fazer um jornalismo diferente, reportagens mais profundas e com diferentes abordagens?
Eliane Brum: O jornalismo não mudou. Não no sentido do jeito de fazer reportagem, que me parece ser o mesmo de sempre. Repórter continua indo ao mundo, às ruas, com a responsabilidade de contar a história cotidiana do seu país, de uma rua, de uma pessoa. Documentar o contemporâneo. E isso se faz ao vivo, apurando com muita precisão e nenhuma licença poética não apenas o que é dito, mas o não dito (às vezes mais importante) e o silêncio. Os gestos, os sons, os cheiros, as manias, a sonoridade da palavra exata, as contradições, enfim, a enorme complexidade do real.
Fazer reportagem é permanecer na zona cinzenta, consciente de que não existe uma verdade única, mas várias. E, se trabalharmos muito e com muita seriedade, seremos capazes de chegar perto de algumas delas. Para isso, o principal instrumento é se tornar capaz de escutar sem julgar ou interferir. E olhar para aquela realidade disposto a enxergar além do óbvio.
Abraji: Muito se diz sobre a diminuição do tamanho do texto jornalístico em função da relutância dos leitores em se prender a longas reportagens. Como você vê esse fenômeno?
Eliane Brum: Ninguém nunca me provou isso. E eu não acredito. Sempre escrevi matérias longas. E não me consta que seja menos lida por isso. Hoje escrevo na internet e minhas colunas são enormes. E sou lida. Minhas entrevistas na coluna chegam a passar dos 40 mil caracteres. E são lidas. Acho que as pessoas lêem o que interessa a elas, independentemente do tamanho. Se você conseguir agarrar seu leitor pelo pescoço no primeiro parágrafo, há grandes chances de você mantê-lo cativo até o final. Desde que você mantenha o ritmo do texto. Desde que você não o enrole. Acho que não é o tamanho que afasta ou atrai o leitor, mas a seriedade e a verdade com que você escreve. O respeito que tem por ele.
Abraji: Você acredita que deve haver uma mudança dos meios jornalísticos em função da Era Digital?
Eliane Brum: A internet ampliou o número de narradores, diversificou as vozes. Hoje cada um pode contar a sua história. O que não é contado pelos jornais e revistas, por exemplo, vai ser contado de outro modo, em blogs e redes sociais. É diferente do passado recente, quando o que não era contado era como se não existisse, o que deixava grande parte da população e as regiões mais distantes do país de fora da história cotidiana registrada do país.
Mas, com ou sem internet, a reportagem continua sendo feita do mesmo jeito. A internet é apenas um instrumento a mais, no que diz respeito à reportagem. No sentido da veiculação e no sentido de instrumento mesmo: e-mails, fonte de pesquisa etc. Mas você continua indo ao mundo real para contar uma história. Ou melhor, acho que o mais correto seria dizer que a gente continua tendo que ir ao “mundo encarnado”, porque o virtual também é real. Enfim, vivemos uma época fascinante e não tenho a menor ideia do que vai acontecer, mas estou muito feliz de estar viva para testemunhar pelo menos o começo dela.
O que não sei como será resolvido, por exemplo, é o financiamento das reportagens. Sim, todo mundo pode escrever. Mas reportagem é algo caro e que exige tempo. Há muitos pontos de interrogação. E eu tenho muitas perguntas, mas poucas ou nenhuma resposta.
Fui assistir ao filme “Rede Social”, que conta a história do Facebook e gostei muito. Mas entrei com 44 anos, minha idade atual, e saí do cinema com 70 e poucos. Fiquei horas sentada em casa, bastante cabisbaixa, por perceber que eu circulo por este mundo, escrevo na internet, uso as redes sociais, mas não pertenço a este mundo. Isso minha geração perdeu. E até a geração da minha filha, que está com 29 anos, perdeu. Pertencer é de outra ordem.
Abraji: Como é trabalhar como freelancer?
Eliane Brum: Acho que sou uma freelancer muito atípica. Fiquei anos construindo esta alternativa de vida para ser totalmente dona do meu tempo e só fazer o que quero. Para isso, fiz uma grande mudança na minha vida e aprendi a viver com pouco dinheiro – hoje ganho mais ou menos um quinto do que ganhava. Foi uma escolha. E estou muito satisfeita com ela. Tenho convicção de que a liberdade exige uma vida simples, do ponto de vista financeiro. Quando saí da [revista] Época, tinha apartamento quitado, filha criada e nenhuma dívida. E me mantenho assim.
Só faço o que quero, o que me impõe algum desafio novo. Detesto me repetir e morro de medo de virar personagem de mim mesma. Tenho uma coluna fixa no site da Época, às segundas-feiras. E faço uma crônica semanal, às terças, no site vidabreve.com. Estes são meus compromissos fixos.
No ano passado lancei um documentário, em co-direção com Paschoal Samora, - “Gretchen Filme Estrada – a última turnê e a primeira campanha política da rainha do rebolado”. Em março deste ano iniciei um novo documentário. Tenho feito muitas palestras e oficinas de reportagem pelo Brasil afora, especialmente no projeto Rumos, do Itaú Cultural. E lanço meu primeiro romance em junho, pela editora Leya. E este foi um grande, um enorme desafio.
Estou sempre testando novos jeitos de contar histórias, que é o que dá sentido à minha vida. Sou inquieta, para mim é difícil repetir as mesmas fórmulas. Então acabo trabalhando mais do que devia, porque é sempre algo novo, que preciso encontrar um jeito de fazer, que me obriga a me perder antes de me achar. Minha vida é meio vertiginosa e às vezes eu fico bastante cansada. Mas acho que ainda estou aprendendo. Estou me lambuzando com a propriedade do meu tempo – e abusando dele e de mim. Se pudesse, eu nem dormia. Acho que ainda preciso encontrar um equilíbrio. Mas mudar é a tarefa mais difícil de qualquer vida e eu estou tropeçando ainda, mas uma hora encontro um ponto menos caótico.
Abraji: Ao seu ver, qual a importância do congresso da Abraji?
Eliane Brum: É talvez o único congresso brasileiro que traz pessoas de todas as partes do país – e de fora dele – para contar suas experiências e para ouvir experiências. É um grande encontro, de várias gerações de jornalistas, inclusive. E, portanto, uma grande troca. Acho importantíssimo, um espaço muito privilegiado. E me sinto muito honrada por ter sido convidada como palestrante nos últimos três anos.
Abraji: O que os participantes podem esperar de sua participação?
Eliane Brum: Uma história contada do meu jeito. Eu vou contar a história de uma reportagem. E vou tentar, desta vez, deixar mais espaço para perguntas. No ano passado, falei tanto que quase não sobrou tempo. Percebo que as pessoas querem saber não de uma, mas de muitas reportagens. E é importante manter um espaço aberto para todas as dúvidas, para o debate. Eu gosto muito desta parte, porque às vezes surgem perguntas que ninguém nunca me fez – e muito menos eu a mim mesma – e aprendo algo novo e muito importante.
Tenho feito muitas palestras e percebido que são encontros. Depende tanto de mim como de quem foi lá me escutar. Posso contar as mesmas histórias, mas o resultado é sempre muito diferente. Já falei para centenas de pessoas e me senti totalmente escutada e acolhida e saímos todos de lá com uma nova experiência. E já falei para bem menos pessoas sem que realmente acontecesse algo. Depende muito da verdade da busca de quem vai ouvir/participar. Eu posso garantir que sempre vou contar minhas histórias com muita verdade e vontade de alcançar quem está lá. Mas é um encontro definido pela reciprocidade.
No Congresso da Abraji, o público costuma ser muito bacana, realmente interessado. Espero que seja um bom encontro, um em que todos nós possamos sair um pouquinho transformados (e transtornados) pela experiência.
6º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo
Quando: 30 de junho a 2 de julho de 2011
Onde: São Paulo - Universidade Anhembi Morumbi - campus Vila Olímpia - unidade 7 (Rua Casa do Ator, 275)
Inscrições: http://bit.ly/6congresso