- 13.05
- 2024
- 14:09
- Abraji
Liberdade de expressão
Eleita presidente do TSE, Cármen Lúcia fala sobre combate à mentira
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente eleita do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, defende o uso do termo "mentira" para dar mais relevância à gravidade das campanhas de desinformação e fake news. A ministra participou na terça-feira passada (7.mai.2024), em São Paulo, do evento de celebração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, realizado pela Abraji em parceria com a ESPM-SP e a Embaixada e Consulados dos Estados Unidos. No mesmo dia, foi eleita presidente do TSE.
Cármen Lúcia defendeu a liberdade de imprensa como um direito individual e coletivo para a existência de um estado democrático. Lembrou que hoje, sob o pretexto de liberdade de expressão, muitos deturpam esse direito para promover a desinformação e campanhas de ódio.
Aqui, os principais trechos do discurso da ministra, que pode ser conferido também on-line, em vídeo, no canal de Youtube da Abraji.
Linchamento on-line
"Também o mal se faz pela palavra. Cecília Meireles dizia 'ai, palavras, ai, palavras. Que estranha potência a vossa.' Esta potência da palavra pode mudar a vida de uma pessoa para o bem ou para o mal. Falar que alguém é alguma coisa e rotulá-lo com algo, hoje, pode levar a novas formas de linchamento, que é o cancelamento que se tem hoje nessas plataformas contemporâneas. Isto é uma forma de linchamento e que destrói pessoas. Destrói não apenas reputação, mas fisicamente. Há aqueles que sucumbem diante de uma agressão que se faz social gravíssima. Portanto, o direito à informação se agrega, se congrega com o direito à liberdade de expressão, que vem sendo capturada nos últimos tempos por aqueles que a usam para fazer mal."
Democracia é liberdade
"Quando se fala em liberdade, a gente sempre está falando de democracia. Quando a gente fala em liberdade de imprensa, igualmente está se dando realce a algo que é essencial para que a gente tenha uma democracia fortalecida e cidadãos devidamente informados para que, então, a gente possa fazer escolhas na vida de toda ordem: pessoal, profissional, política, econômica."
"É preciso, realmente, que a gente cada vez mais enfatize o direito constitucional à liberdade de informação e à liberdade de imprensa."
"A democracia é um direito fundamental de todo mundo. Quando se fala em direitos, normalmente você pensa em direito à vida, direito à igualdade. Democracia é o primeiro dos direitos fundamentais. Razão simples: é no espaço democrático que todas as liberdades podem ser expressas, exercidas. Portanto, onde não tiver democracia, nós não estamos falando de direitos."
"Ditador não gosta de nenhum tipo de liberdade. Menos ainda de imprensa. Sempre se diz que, na guerra, a primeira vítima é a verdade."
"O que é a verdade de interpretar de acolher esta ou aquela interpretação é de cada um, mas, sobre fatos, é preciso que a gente tenha a noção exata para tomar decisões na vida. Então, quando a gente fala de liberdade, estamos falando de democracia e democracia não é uma questão de governo. É uma questão relativa à vida de todos nós é de cada um de nós o tempo todo. E digo isso porque democracia é um modo de viver."
Direito ao contraditório
"O direito ao contraditório não é nada demais para nós do direito. Portanto, parte contrária não é parte inimiga. E nós aprendemos isso desde sempre; convivemos com o diferente. Parece que resolveram que o mundo tem que ser de novo unânime e essa unanimidade tem de ser ditada por alguém que diz para nós o que é a realidade. E não existe isso."
"É preciso, portanto, dentro uma democracia, termos um conjunto de informações livremente expostas para todas as pessoas fazerem suas escolhas de vida."
Direito coletivo
"O direito a informar e ser informado é individual e também coletivo."
"Esse direito de informar e ser informado é o que está na base da liberdade de expressão. Este não é um direito apenas individual. E não é mesmo. Hoje o Direito Constitucional assim não o considera."
"A liberdade de informar e de ser informado que é um direito fundamental posto expressamente no artigo quinto da Constituição brasileira para todos nós, é o direito de ser informado corretamente. Porque o mais é fraude. O mais é estelionato informativo. É deformação, não é informação."
Mentira como arma
"Isso que se chama de desinformação _e eu nos meus votos tanto no Supremo Tribunal quanto no Tribunal Superior Eleitoral uso menos do que a média a expressão que os senhores todos usam e eu vou colocar aqui entre aspas, a tal da fake news. Eu falo assim: é mentira. Isto aqui, quando você deforma, quando você tira do contexto, você comete uma infração grave sobre a liberdade de a outra pessoa ser informada. Isto é mentira."
"Uma boa parte dos cidadãos brasileiros que têm acesso a este celular, para eles fake news não é grave. Fake news, pode ser uma uma funcionalidade a mais. Se você disser: Fulano é um mentiroso, ele planta coisas o tempo todo e te manda e é mentira para deformar o seu pensamento e, portanto, calar a sua liberdade de se informar e de tomar decisões de acordo com o que você pensa que seja correto, isto é uma mentira."
"Uma coisa é chamar alguém de mentiroso. Outra é dizer que ele faz fake news. Parece leve e eu noto isso o tempo inteiro quando eu falo sobre esse assunto com pessoas que não têm uma formação jurídica ou uma formação intelectual para fazer essa distinção."
"A mentira leva o outro a não poder se informar e tomar decisões a partir do que foi informado."
Espressão sequestrada
"A liberdade que se expressa pela palavra, pela arte, por qualquer tipo de manifestação, esta está garantida. A expressão que destrói o outro como se fosse eu apenas a detentora deste direito não está resguardado e nunca esteve."
"A censura é proibida. Simples assim. A Constituição brasileira diz que é vedada qualquer tipo de censura: prévia, posterior, judicial, administrativa. É vedada. Censura significa a impossibilidade de você livremente expressar aquilo que é a sua certeza sobre um fato, uma pessoa ou uma coisa, sem que isso signifique a destruição da liberdade do outro."
"O ecossistema das liberdades também pode ser alterado pela sua atuação e por isso não é só seu. Você o exerce individualmente numa sociedade."
"Agora a imprensa é rotulada de tradicional. Já não basta falar que é a imprensa. É que são tantos os que se arvoram e serem da imprensa e acham que podem fazer o que querem sem os compromissos do jornalista, sem a ética do jornalista, sem a responsabilidade do jornalista, e que acham que nós podemos, então, ter um regime jurídico para o jornalista que estudou, trabalhou, se vincula, e a absoluta irresponsabilidade de outros que ostentam um carimbo, uma plaquinha como jornalistas e que podem ficar isentos de qualquer responsabilização pelo direito."
"É preciso, portanto, que a gente tenha o dever de cuidado consigo e com outro, que tenha a responsabilidade com você mesmo e com o outro, porque senão nós não construímos uma sociedade democrática efetivamente. Neste sentido, a liberdade de imprensa precisa de ser assegurada porque, senão, nós não temos as luzes que fazem com que todos os espaços que sejam dados a público em público e para o público sejam levadas ao conhecimento para as escolhas a serem feitas."
"Nessa sociedade brasileira que a gente quer democrática, que realmente a gente tenha essa responsabilidade garantindo a imprensa livre, a expressão como manifestação da liberdade, e não se deixar escravizar por novas formas tão sutis, mas tão poderosas de nos agrilhoar. E principalmente prestem atenção porque essas manipulações são feitas incitando os ódios, incitando a malquerença, incitando o mal de uns contra os outros."
Foto: Debora Matos/ESPM