• 31.08
  • 2011
  • 10:59
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Editorial: Diplomacia às claras

Editorial publicado em 31.ago.2011 na Folha de S. Paulo

Não seria razoável esperar que, ao longo dos anos, as relações entre países do porte de Brasil e Estados Unidos transcorressem em clima de inalterada placidez.

Episódios maiores ou menores de mal-estar e desentendimento, ocorridos entre os anos de 1990 e 2001, vêm sendo revelados pela Folha desde domingo. A pedido do jornal, o Itamaraty liberou mais de 10 mil documentos confidenciais desse período, agora disponíveis no site www.transparencia.folha.com.br.

O Ministério das Relações Exteriores cumpre, assim, o que foi estabelecido em decreto de 2004. Está assegurado oficialmente, com efeito, o acesso público a todos os papéis classificados como "confidenciais" pelo governo, após prazo de dez anos (prorrogável por mais uma década).

Apenas o Itamaraty, entretanto, atendeu à iniciativa. O direito dos cidadãos à informação -assegurado pela Constituição e regulado pela legislação no caso dos assuntos sigilosos do Estado- parece ser menos importante, em outros órgãos, do que o jogo das conveniências políticas e dos melindres corporativos.

Passados 20 anos, papéis do Exército, da Marinha e do Gabinete de Segurança Institucional continuam protegidos por uma confidencialidade sem abrigo legal.

Em artigo para a Folha, o ex-presidente Fernando Collor -um adversário da transparência irrestrita nos assuntos de Estado, mesmo os já recobertos pela pátina do tempo- havia afirmado que "todas as informações" relativas a seu governo (1990-92) estavam disponíveis aos pesquisadores.

Na prática, o segredo prevalece em algumas áreas. O efeito da situação, que não se restringe ao caso brasileiro, é o de que aumenta a probabilidade de perpetuarem-se decisões equivocadas, vícios administrativos e erros cumulativos. Furta-se dos cidadãos o conhecimento fidedigno da história de seu país. Na medida em que escapam ao julgamento do público, determinadas opções de Estado não se corrigem e, nas áreas de sombra, tendem a multiplicar-se.

Diga-se, a respeito dos documentos confidenciais do Itamaraty, que a atuação das autoridades brasileiras contabiliza um saldo positivo. É sobre as atitudes de Washington que pesam suspeitas -entre as quais a de grampear escritórios da embaixada brasileira e de violar malas diplomáticas.

Compreende-se o mal-estar que episódios desse tipo poderiam causar, se revelados em tempo real. A confidencialidade pertence, naturalmente, ao acervo de recursos de todo diplomata. Mas a publicidade a posteriori das informações, agora assegurada, é mais do que um elemento a ser empregado conforme a ocasião. É condição básica do Estado democrático.

 

Assinatura Abraji