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Editorial: Alerta contra a censura
Publicado em 20 de outubro de 2011 em O Estado de S.Paulo
Os relatórios apresentados e os debates a respeito da liberdade de imprensa no continente americano realizados durante a 67.ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), encerrada terça-feira em Lima, Peru, colocaram em evidência que as ameaças ao direito da livre informação ainda existem no Brasil, mas a situação é muito mais grave, pela existência de uma censura praticamente sistêmica, em outros países como Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina. Nesses países, os veículos de informação que não apoiam os respectivos governos são vítimas permanentes das mais variadas formas de perseguição política: censura judicial, pressão econômica, cassação de concessões, leis casuísticas que estabelecem restrições à livre divulgação de notícias e informações, etc. Esse quadro sombrio, se por um lado revela que o Brasil vive, comparativamente, um período de relativa tranquilidade em relação à liberdade de imprensa, por outro lado é um sinal de alerta sobre a necessidade de se preservar esse status diante da permanente ameaça representada por medidas de "democratização dos meios de comunicação", ou do "controle social da mídia", que os dirigentes do PT insistem em preconizar.
O relatório sobre o Brasil foi apresentado por Paulo de Tarso Nogueira, vice-presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da entidade e consultor do Estado, que deu ênfase ao fato de mais quatro jornalistas brasileiros terem sido assassinados nos últimos seis meses, todos eles envolvidos na investigação de denúncias de corrupção contra autoridades locais. Além disso, Nogueira relatou outros 21 episódios: 2 prisões, 8 agressões físicas, 2 atentados, 3 casos de abuso de poder e 6 outros de censura judicial. Dentre os últimos, destacou a censura judicial que durante meses impediu que o Estado divulgasse informações sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que envolveu a família e os interesses do senador José Sarney. De acordo com o relatório do representante brasileiro, "é crescente a ampliação do poder discricionário de magistrados, especialmente os de 1.º grau, no julgamento de ações de antecipação de tutela e direito de resposta", o que acaba resultando em flagrante violação da liberdade da imprensa.
Os casos mais graves de censura à imprensa relatados à SIP ocorreram em países dominados por regimes populistas, todos eles praticantes sistemáticos de violações aos direitos humanos levadas a cabo em nome de ideias "libertárias". Sem mencionar Cuba, onde nem sequer existem veículos de comunicação independentes do partido único e do governo, os exemplos mais flagrante de violação do direito à informação - um dos direitos humanos fundamentais - vêm de países dominados por caudilhos adeptos do "socialismo bolivariano" - Venezuela, Bolívia, Equador - ou de populistas, como é o caso da presidente argentina, Cristina Kirchner, cuja ação política é movida por um remoto ideal peronista recondicionado por seu finado antecessor e marido, Néstor Kirchner.
O novo presidente da SIP, o norte-americano Milton Coleman, cidadão de um país onde a liberdade de imprensa é amplamente praticada e respeitada, sob a garantia da Primeira Emenda constitucional, tem muito claras as dificuldades que enfrentará com o tema, por conta da fragilidade das instituições democráticas em muitos países latino-americanos: "Em muitos lugares da América Latina estamos sendo desafiados por governos que querem reduzir os direitos da sociedade de se informar". Para enfrentar esse desafio, aponta alguns caminhos: "Temos de operar mais com as mídias sociais. Achar meios para enfrentar os governos autoritários, que tentam esconder do povo o fato de que, sem imprensa livre, a democracia não pode existir". E concluiu, em entrevista ao repórter Gabriel Manzano, do Estado: "Temos de estabelecer os direitos humanos como parte dos direitos civis. Depois de estabelecê-los, defendê-los. Lembro uma frase de Thomas Jefferson. Ele disse que, se tivesse de escolher entre um governo sem jornais ou jornais sem governo, ficava com a segunda opção".