- 22.11
- 2024
- 07:00
- Laysa Vitória
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Documentário em homenagem a Fabiana Moraes já está disponível no Youtube da Abraji
Narrando uma trajetória de brilho e combate, o documentário lançado no 19º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji fala sobre a história e o trabalho da jornalista, pesquisadora, professora e escritora Fabiana Moraes, a homenageada do evento na edição deste ano. Agora, o filme chega ao canal da Abraji no YouTube e pode ser visto neste link.
Além de depoimentos de familiares, o documentário traz entrevistas com amigos e colegas de profissão da autora. Entre eles, Cecília Olliveira, diretora da Abraji, cofundadora do The Intercept Brasil e Instituto Fogo Cruzado; Paula Miraglia, cofundadora da Gama Revista, e Neon Cunha, publicitária e diretora de arte.
Filha de dona Neusa Moraes e seu José Manoel, Fabiana Moraes nasceu no Alto José Bonifácio, um dos morros do Recife. Ainda menina, escrevia com algumas letras faltando e outra errada que ia ser jornalista: “el vo jornalista”. “Já tinha esse entendimento do que ela queria ser profissionalmente, mas aquilo ali para mim era coisa de criança", relembra Neusa, em entrevista ao documentário “Fabiana Moraes - Brilho e Combate”.
Mas o sonho do jornalismo não era fantasia de criança. A menina Fabi cresceu, tornou-se jornalista, escritora, doutora em sociologia, pesquisadora e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Realiza um trabalho comprometido em denunciar violações e contar histórias que importam.
Bicha quer, bicha faz
A chegada à universidade não foi fácil, assim como é a realidade de milhares de jovens pobres brasileiros que sonham em cursar o ensino superior. O pai, seu José, dizia para a filha fazer um curso técnico, mas Fabiana o convenceu de que ela queria entrar na universidade. Fabiana precisava acordar muito cedo e fazer um longo trajeto até chegar à aula do cursinho preparatório. “Foi um período em que me dediquei muito. O bicha quer, bicha faz. Dei todo o gás possível. Aconteceu que fiquei um pouco doente nesse período. Pouco doente é eufemismo”, relembra.
“Quando penso nisso, eu vejo, por exemplo, como o sistema de cotas é importante. As pessoas não precisam ficar doentes para tentar conseguir entrar em um lugar que é extremamente difícil, e que vai, ao mesmo tempo, mudar sua trajetória de vida”, afirma.
O jornal chegou com o resultado do vestibular, mas lhe faltou coragem para conferir. A confirmação da entrada na UFPE veio com um abraço emocionado da mãe. “Esse dia, para mim, foi especial. Eu sabia que ela ia mudar a história dela”, lembra Neusa Moraes.
A pauta é uma arma de combate
No jornalismo, além de produzir, Fabiana também reflete sobre a profissão. Em seu livro “A pauta é uma arma de combate”, ela defende a ideia da subjetividade jornalística, que rompe com o mito da imparcialidade, sem abrir mão dos métodos jornalísticos de apuração e técnicas de reportagem. “Eu ficava incomodada com a forma com que o jornal retratava os morros e periferias. Essa galera não conhece nada do lugar”, afirma a escritora no documentário.
“Uma vez tocaram fogo no carro de uma jornalista. E lembro que a polícia falou que estava investigando na região quem teria cometido esse crime e que provavelmente foi alguém do alto José Bonifácio. E isso saiu no Jornal do Commercio, onde eu trabalhava. Então, fui na editoria de cidades e disse: a polícia falou que o suspeito é do Alto José Bonifácio, sendo que o crime aconteceu em Apipucos. Qual foi a relação? E responderam que era nas proximidades. Então, afirmei: não é, nem um pouco. A polícia fala uma besteira e a gente repercute [...] A importância do jornalismo é para filtrar as coisas, não para repetir e sublinhar ainda mais os preconceitos”, conta.
“Eu penso que a pauta às vezes é uma espécie de pá para ir quebrando a crosta, quebrando a terra, para você desnaturalizar aquilo que está muito assentado e visto como normal”, diz Fabiana.
No documentário, as colegas de profissão falam sobre a importância do trabalho da escritora. “Eu acho que a Fabiana tem um papel que é fundamental em muitas camadas. Ela é uma jornalista que tem uma leitura muito sofisticada das relações de poder no Brasil - e traz isso nos textos dela de maneira muito sensível”, afirma Paula Miraglia.
Cecília Olliveira reflete: “Ver esse jornalismo usado como arma de transformação, de questionamento e para fazer as pessoas se mexerem é algo que me toca. Eu acho que, realmente, o jornalismo precisa ser uma arma, e muita das vezes ele não é. Muitas vezes ele é usado como endosso, como assessoria de imprensa, como amplificador de vozes que já estão aí. Reproduz preconceitos e um monte de coisas que ele deveria estar questionando”. E sobre o trabalho da homenageada, a jornalista do The Intercept Brasil declara: “não é superestimado ou errado a gente dizer que Fabiana é arte. É um jornalismo artístico. E, quando falo isso, não é do ponto de vista da utopia, mas, sim, porque ela eleva o jornalismo a outro patamar.”
“Eu quero que essa geração reconheça o trabalho de uma mulher negra. Acima de tudo, é a obra de uma mulher negra. Desde Lélia González, Sueli Carneiro, Beatriz Nascimento. Eu acho que é esse lugar em que Fabiana está, na calçada da fama das bixas que escrevem”, disse Neon Cunha.
Brilho e combate
O filme também explora o lado pessoal e a personalidade da jornalista pernambucana. “Eu acho que Fabi é uma inimiga do fim. Ela sempre quer mais uma dança, mais uma taça de vinho, mais um mergulho no mar, mais um abraço. Ela é uma pessoa que tem fome de vida”, afirma Moacir dos Anjos, curador, pesquisador e companheiro.
“Por sobrevivência, para ativar o criativo, para estar acesa no mundo, eu danço, escuto música, coloco som em festa, às vezes pago de DJ, faço exercício. E acho que isso também tem a ver com trabalho”, disse Fabiana Moraes.
Com 25 minutos de duração, o documentário “Fabiana Moraes - Brilho e Combate” foi produzido pelo Caldo de Cana Filmes e a direção executiva é de Gabi Coelho, jornalista independente e diretora da Abraji. "Um dos maiores desafios foi encontrar o equilíbrio entre a emoção e a informação. Queríamos que o documentário fosse tocante, mas também que retratasse com fidelidade a trajetória da Fabiana, seus desafios, suas conquistas e sua importância para o jornalismo brasileiro", disse Gabi à Abraji sobre o filme. "Foi incrível ver a equipe se dedicar de corpo e alma a esse projeto. A paixão pela história da Fabiana era contagiante! Acredito que o resultado final reflete esse empenho e que o documentário faz jus à brilhante carreira da homenageada."