• 03.03
  • 2004
  • 14:54
  • Thiago

Formação

Diretor da Época revela os bastidores do caso Waldomiro Diniz

A pedido do site da Abraji, Gustavo Krieger, diretor da sucursal de Brasília da Revista Época, descreve todo o processo de elaboração da reportagem que fez explodir no país o caso Waldomiro Diniz. A narrativa de Gustavo vai desde o momento em que Andrei Meireles, seu parceiro na matéria, chegou à redação com as fitas de vídeo comprometedoras até a entrevista realizada com o próprio acusado. Além disso, deixa em aberto os possíveis desdobramentos do escândalo. Leia abaixo o texto na íntegra.



"A primeira decisão tomada na investigação do caso Waldomiro Diniz foi também a mais difícil: segurar por uma semana a publicação da reportagem. Andrei Meireles chegou à redação com as fitas de vídeo entregues pelo senador Antero Paes de Barros na manhã de uma quarta-feira, 4 de fevereiro. Assistimos juntos. A imagem da câmera de segurança montada pelo bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, não deixava dúvidas. Quem estava ali, discutindo com ele negócios, contratos, propinas e contribuição de campanha era Waldomiro. Era impossível não reconhecer a figura que nós dois conhecemos há mais de dez anos, quando ainda era um assessor da bancada do PT na CPI que investigou corrupção no governo Collor. Entretanto, isso não bastava para publicar. Nos pontos mais comprometedores da conversa, o tom dos interlocutores beirava o sussurro. Para não pronunciar nomes ou algumas cifras, os dois escreviam em uma folha de papel as referências mais comprometedoras. Além disso, a conversa incluía vários contratos e negócios da Loterj, a estatal que administra as loterias no Estado do Rio. Eram negócios de 2002, quando Waldomiro dirigia a estatal. Era preciso apurar se as combinações feitas naquela conversa tinham se transformado em negócios de fato. Pesamos tudo e concluímos que não haveria prazo para fechar a apuração com responsabilidade nas 48 horas que nos separavam do fechamento daquela semana.

O primeiro passo era recuperar todos os diálogos da fita. Andrei embarcou para Campinas com a fita original. Foi consultar o perito Ricardo Molina, um dos mais respeitados foneticistas do país. Em Brasília, eu escutava vezes e vezes uma cópia, para decifrar as frases sussurradas. Somente na segunda-feira pudemos comparar os dois trabalhos. Eles mostravam com absoluta clareza o pedido de propina e a de contribuição de campanha. A equipe de Molina, mesmo premida pelo prazo, conseguira legendar alguns dos trechos mais delicados. Mais importante, os peritos atestavam que não havia montagem na fita, feita por uma câmera fixa de vídeo. Tínhamos a matéria.

O tempo, que fora curto na semana anterior, agora parecia interminável. Como apurar um assunto tão explosivo e ao mesmo tempo impedir o vazamento desta informação antes da sexta-feira? Neste momento, a revista tomou duas decisões. A primeira foi a de antecipar a edição. A segunda, de formar uma força tarefa para apurar o caso. Além de Andrei e eu, participaram deste esforço os repórteres Diego Escosteguy, em Brasília, e Nelito Fernandes, no Rio. Juntos, esquadrinhamos todas as transações da Loterj e de Carlos Cachoeira no período em que foi gravada a reunião. Traçamos os perfis de Waldomiro e do bicheiro, ou “empresário de loterias instantâneas”, como Cachoeira prefere ser chamado.

Andrei ficou praticamente sem dormir nesta semana. Revezava-se em conversas com o Ministério Público, bicheiros, policiais, lobistas e outros integrantes do governo. Nelito mergulhou nos contratos da Loterj. Diego nas relações entre Waldomiro Diniz e a Caixa. Eu, nos bastidores da atuação de Waldomiro na campanha e no governo Lula.

Aos poucos, foi ganhando corpo em Brasília o boato de que Época sairia com uma bomba e chegaria antecipadamente às bancas. Na medida em que seguíamos com as conversas indispensáveis à apuração, o boato ganhava detalhes e refinamento. Na quinta-feira, 12 de fevereiro, o nome de Waldomiro Diniz já era o centro das especulações.

Conversei com Waldomiro. Confirmei que havia uma investigação em curso e marcamos uma conversa entre ele e Andrei. Inicialmente, ele queria que o encontro acontecesse em sua sala, no quarto andar do Palácio do Planalto. Depois, aconselhado por amigos, escolheu o território “neutro” de um grande escritório de advocacia.

A conversa com Waldomiro seria fundamental. Não apenas para dar o direito à palavra ao personagem principal de uma reportagem de denúncia, mas para esclarecer pontos que ainda permaneciam nebulosos. Andrei levou o gravador e deixou claro que aquela seria uma conversa oficial, em “on”. Uma advogada acompanhava Waldomiro.

Ele começou a entrevista na defensiva, com a versão que preparara para explicar suas relações com Cachoeira. À medida em que Andrei detalhava o conteúdo da fita de vídeo, as defesas desmoronaram. As contradições se acumularam e ao final ele reconheceu a negociação para obter de Cachoeira doações para a campanha eleitoral. Admitiu ter levado R$ 100 mil em mãos para alguém na campanha de Geraldo Magela, o candidato derrotado do PT ao governo do Distrito Federal. Quanto à cobrança de uma comissão de 1% sobre os negócios acertados, Waldomiro ficou enredado nas contradições. Reconheceu ter feito o pedido, mas jurou que não ficaria com o dinheiro. A propina seria para um ex-assessor dele, Armando Dili. Uma versão que Dili não poderia contestar. Está morto. O que Waldomiro não conseguiu explicar foi porque estaria pedindo propina para um terceiro.

Ao final da entrevista, Waldomiro estava com os olhos cheios d’água. Arrasado, ficou em um canto da mesa. A confissão foi tão devastadora quanto a fita de vídeo que gerara a apuração. “Vou pedir demissão”, disse Waldomiro depois que o gravador foi desligado.

Tivemos pouco tempo para escrever a matéria depois desta entrevista. Por isso, nos ativemos às respostas que se referiam aos assuntos registrados na fita de vídeo. Na semana seguinte, voltamos à entrevista, desta vez com o segmento no qual Waldomiro confessava ter se encontrado em 2003 com Cachoeira e diretores da Gtech, a empresa responsável pelo processamento das loterias da Caixa Econômica Federal. Fizemos isso porque a investigação conduzida por Diego Escosteguy somou informações novas e importantes à negociação do contrato entre a Gtech e a Caixa. E também porque a discussão política da semana se concentrara em saber se Waldomiro agira de maneira irregular apenas quando presidia a Loterj ou também depois de chegar ao governo Lula. A entrevista dele respondia a questão.

O caso ainda está aberto. Novas revelações surgiram a cada dia, nos mais diferentes veículos. Novas ainda devem surgir. O material da investigação obtido por Época foi entregue ao Ministério Público, à Polícia Federal e à Comissão de Sindicância do Palácio do Planalto. "



(Gustavo Krieger, diretor da sucursal de Brasília da Revista Época)

Assinatura Abraji