• 28.07
  • 2016
  • 13:03
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Dicas para transformar sua investigação em uma narrativa multiplataforma

Publicado em 1.jul.2016 no site do Investigative Reporters and Editors. Escrito por Kasia Kovacs.

Um serial-killer. Um adolescente afegão em Londres. Uma estrela de filmes pornô com grande conhecimento em empresas de fachada.

“Nossa”, você diria. “Esse é o elenco do novo filme do Wes Anderson?”

Na verdade, esses personagens são todos pessoas reais apresentadas em histórias produzidas pelos palestrantes do painel “Jornalismo Investigativo Longform: Narrativas em Diferentes Plataformas”, ocorrido durante a Conferência do Investigative Reporters and Editores (IRE) no começo do mês em Nova Orleans.

Outra coisa que todos eles têm em comum: são personagens com a capacidade de manter as audiências lendo, escutando ou assistindo uma história.

Quando falamos sobre produzir histórias longas ou reportagens através de uma narrativa, os elementos clássicos da narração ainda são a chave: um começo, um meio e um fim; personagens cativantes; acesso a cenas e diálogos; um conflito central que conduz a história.

Mas a reportagem de hoje não é exatamente a mesma que era há 50 anos. Hoje em dia, os jornalistas não só escrevem. Eles filmam. Eles produzem. Eles animam. Eles criam o design, o código e os arquivos.

Greg Borowski, editor da unidade investigativa do Milwaukee Journal Sentinel, Alice Brennan, produtora investigativa da Fusion, e Susanne Reber, editora executiva do Reveal, discutiram como trabalham com diferentes plataformas para produzir narrativas.

Os jornais se rendem ao multimídia

Agora que os consumidores de notícia acompanham histórias em uma grande variedade de dispositivos, é importante que os jornais reavaliem seu jeito de pensar puramente textual, disse Borowski. Essa é a razão pela qual seu time elabora pacotes multimídia para suas histórias investigativas, como “Unsolved”, uma reportagem sobre um adolescente encontrado morto nos anos 70 -  um caso que permanece em aberto ainda hoje.

A narrativa combina texto, podcast, documentos, vídeos, gráficos interativos e mapas, entre outros elementos. Para criar peças multimídia como essa, o time do Journal Sentinel precisou repensar por completo sua abordagem para a história.

Os jornalistas se perguntaram: “qual a melhor forma de contar essa história para nossa audiência?”, disse Borowski.

Não é simplesmente o caso de repetir a mesma história em cada narrativa, ele disse. Um vídeo em uma página não deve repetir exatamente aquilo que já foi escrito no texto; ele pode acrescentar algo a esse texto. Na verdade, cada elemento deve ser complementar, trazendo novas partes ou ângulos da história para que os espectadores possam explorá-los.

Mas com essa nova maneira de pensar surge um outro desafio: como montar uma estratégia e planejar a história.

Todos devem ir à reunião de pauta antes de cada história, segundo Borowski. Isso inclui o artista gráfico, produtores, designers, fotógrafos e outros membros do time. A peça jornalística não é trabalho só do repórter: é um trabalho de time.

A intimidade do áudio

Repórteres normalmente imploram por mais espaço, mais palavras, mais tempo. Mas quando se tem uma hora inteira de áudio para trabalhar, “bem, isso pode se tornar um desafio ainda maior”, disse Reber da Reveal, um programa de rádio de jornalismo investigativo que inclui podcasts.

A Reveal enfrenta o desafio buscando personagens cativantes com potencial para prender os ouvintes por toda uma história. Em um dos episódios, um jovem afegão que viveu em Londres por oito anos pode ser enviado de volta ao Afeganistão pelo governo britânico.

Mas não só os personagens são importantes. Os repórteres devem conseguir encontrar as cenas e guiar os leitores através do conflito. Por essa razão, boa parte do tempo é dedicado à pré-produção, examinando os personagens e também o potencial acústico das cenas.

Por que os personagens são tão importantes para a Reveal?

Tudo está relacionado com a plataforma, segundo Reber. O rádio é uma forma particularmente intima de contar histórias. O repórter fala com os ouvintes - literalmente - ao pé do ouvido, as audiências escutam através de fones de ouvido nas manhãs, a caminho do trabalho. Por essa razão, os personagens devem ter dimensão e suas histórias devem jogar luz em problemas maiores.

Talvez o mais importante seja que os personagens extraiam um senso de empatia - a melhor forma de fazer com que os ouvintes sigam ouvindo.

“Plataforma Agnóstica”

Brennan chama sua unidade investigativa na Fusion de “plataforma agnóstica”. A Fusion publica tudo, de escrita longa a documentários e gráficos interativos, mas com foco em sua audiência principal, que muitas vezes é ignorada por jornalistas investigativos: os jovens.

A Fusion faz uma série de perguntas durante o planejamento de uma história, como: “Como nos comunicamos com os jovens?”, “Qual a melhor plataforma para utilizarmos?” e “ Como a linguagem muda para ser apropriada para cada plataforma?”.

Todas essas considerações tiveram um papel importante quando o International Consortium for Investigative Journalists (ICIJ) convidou a Fusion a produzir reportagens sobre os Panama Papers. O desafio final: “Como transformar impostos em um assunto interessante para pessoas de 14 a 35 anos”, disse Brennan.

Essa investigação foi particularmente difícil para plataformas que dependiam muito de imagens ou áudio. Desnecessário dizer que 11,5 milhões de páginas de documentos não são o material mais visualmente estimulante.

Então, a Fusion fez um brainstorming para descobrir maneiras de transformar impostos em um assunto interessante para a geração milênio. No fim, eles produziram uma peça de texto longo, um documentário de uma hora, vários gráficos, vídeos sociais e tweets - todos com conteúdo diferente, nada de copiar e colar do texto em um tweet.

Eles também foram criativos, enviando a jornalista para criar a empresa “She Sells Seashells, LLC”, para seu gato e ao convidar a estrela de filmes pornográficos Lisa Ann para explicar como empresas de fachada anônimas funcionam.

“Esses advogados e contadores ajudam esses babacas a burlar a lei”, disse Lisa Ann, no vídeo. “E vocês acham que a indústria pornográfica é que é suja”.

Assinatura Abraji