Dia da Imprensa: há o que comemorar?
  • 01.06
  • 2020
  • 05:00
  • Cristina Zahar

Liberdade de expressão

Dia da Imprensa: há o que comemorar?

Foto: cemitério em Manaus, imagem do fotógrafo Sandro Pereira cedida à Abraji.

Pandemia, crise política e econômica, desrespeito às instituições, ameaças à democracia. Hoje (1º de junho), Dia da Imprensa, há mesmo o que comemorar no Brasil? Pergunta difícil, com múltiplas respostas. No que toca à imprensa é possível responder sim e não. Primeiro, o sim. A mais importante lição da pandemia para o jornalismo brasileiro é o resgate de sua credibilidade pelo público. Em meio a tanta desinformação - as famigeradas "fake news" - onde buscar informação de qualidade, apurada com método e rigor? Nos veículos profissionais de mídia, como jornais, TVs, rádios e sites de notícias. Foi o que confirmaram duas pesquisas feitas em março de 2020.

Realizado com 10 mil pessoas em 10 países, incluindo o Brasil, o levantamento da Edelman mostrou que 59% dos brasileiros (64% no mundo) buscam informações confiáveis sobre a pandemia nos meios de comunicação tradicionais. Confirmando a informação de que os brasileiros são megaconectados nas redes sociais, a pesquisa aponta que 64% (38% no mundo) também se informam sobre a crise mundial de saúde nesses canais. Importante lembrar que os veículos de imprensa estão presentes nessas redes.

Já a pesquisa do DataFolha, que ouviu 1.558 pessoas no país, chegou a conclusão semelhante quando se trata de buscar informações confiáveis sobre o novo coronavírus: 61% dos entrevistados confiam nos programas jornalísticos de TV; 56%, em jornais; 50%, em rádio; e 38%, em sites de notícias. Já conteúdos que circulam por Whatsapp e Facebook só foram apontadas como confiáveis por 12% dos entrevistados. 

Esse é o lado positivo da pandemia para a imprensa. E o negativo? É o agravamento da crise sofrida pelos veículos de mídia, cujo modelo de negócios tradicional vem fazendo água desde o surgimento da internet, na segunda metade dos anos 1990. Com a queda na receita de publicidade, os meios têm tentado diversificar as fontes de renda, como cobrar por assinaturas digitais e fazer conteúdo customizado para anunciantes. Mas não tem sido suficiente para segurar os empregos nas redações, que têm encolhido ano a ano.

Com a pandemia, o que se viu no mundo e no Brasil foram propostas de redução de jornada e salários e demissões. Apoiados na MP 936, que criou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, com medidas trabalhistas alternativas durante a crise da covid-19, veículos têm feito acordo ou demitido funcionários. Sobrecarregados pela cobertura intensa e pelos riscos à saúde, nem todos os jornalistas têm colhido os louros do reconhecimento público de seu trabalho. 

Há ainda um segundo aspecto negativo, que se contrapõe ao reconhecimento conquistado desde o início da crise sanitária mundial. É o processo de deslegitimar a imprensa, o jornalismo e os jornalistas. Quando autoridades públicas, como o presidente Jair Bolsonaro, e militantes políticos radicais investem contra a mídia, desqualificando o seu trabalho de informar a sociedade, não fazem mais do que atacar o mensageiro. Mas toda ação gera uma reação - ou pelo menos deveria. Cansados de ver seus profissionais agredidos verbalmente no cercadinho diante do Palácio do Alvorada por Bolsonaro e apoiadores, veículos tradicionais, como Folha, Grupo Globo e Correio Braziliense, tomaram uma decisão importante, no último dia 25 de maio: retiraram os profissionais do local até que seja garantida a sua segurança.  

Pior quando os ataques descem ao nível pessoal, como mostram dados coletados pela Abraji. Em 2019, houve no Brasil 59 registros de discurso estigmatizante feitos por agentes políticos e públicos contra jornalistas; em 2020, foram 39 até agora. Os casos de assédio virtual foram 30 em 2019 e chegam a 20 este ano. Desde a chegada da pandemia ao Brasil, a Abraji registrou 24 violações à liberdade de imprensa entre 1º de março e 21 de abril, sendo 13 agressões e ataques a repórteres, nove episódios de discurso estigmatizante e dois assédios virtuais. 

No caso das jornalistas mulheres, a situação é ainda mais grave, pois o assédio assume  contornos machistas e misóginos, como mostram os casos recentes de Patricia Campos Mello e Vera Magalhães, entre tantas outras.

Apesar do cenário desalentador, o jornalismo vive e sobreviverá à pandemia. Seu papel de fiscalizar o Estado e os poderes seguirá, pois é vital a toda democracia. Ideal seria que a imprensa e seus profissionais fossem respeitados e tivessem um ambiente seguro para trabalhar, garantido pelo Estado. Aí, sim, se poderia comemorar o Dia da Imprensa em sua plenitude.

Assinatura Abraji