- 07.10
- 2020
- 15:50
- Pedro Teixeira
Liberdade de expressão
Deputada Bia Kicis move ao menos 11 ações judiciais contra jornalistas e comunicadores
A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) pediu retirada de conteúdo em tutela provisória ao menos seis vezes, além de mover outros cinco processos na esfera criminal contra profissionais, veículos de imprensa ou usuários de redes sociais. As ações têm como objeto reportagens, matérias e posts sobre a conduta da parlamentar compartilhados em redes sociais de jornalistas.
Em levantamento exclusivo, Karen Yui Sagawa, da equipe Abraji, encontrou 46 processos envolvendo retirada de conteúdo, alegações de injúria e difamação e pedidos de retratação, movidos por sete políticos da base governista. Dentre eles, se destacam o ex-ministro Abraham Weintraub, com 11, e o deputado estadual Gil Diniz (sem partido), com oito. Outros nove nomes foram pesquisados.
Kicis processou as revistas Veja, Época e Crusoé, além do UOL e da agência de checagem Aos Fatos. O jornalista Gustavo Noblat, da Jovem Pan, o comunicador Fernando Souza, dono da página brasiliense Realidade do Povo, e o deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP) foram intimados a prestar esclarecimentos na esfera criminal por postar matérias jornalísticas e opiniões em suas redes sociais.
Em seis das 11 ações, Kicis é representada por Bernardo Pereira Perdigão, seu secretário parlamentar, que também é advogado. Ele recebe R$ 5,2 mil por mês no cargo comissionado. O Estadão havia identificado, em 2019, pagamentos da Câmara dos Deputados para 11 escritórios de advocacia ligados ao PSL.
Na ação que ajuizou contra a Época, representando a parlamentar, Perdigão pede “a imediata exclusão da reportagem das redes sociais dos réus, retratação sob pena de multa e indenização por danos morais de R$ 38 mil”.
A defesa de Kicis alega que “a revista maculou a imagem da deputada ao veicular matéria denunciando-a como disseminadora de fake news”. A ação faz referência à notícia “Deputada bolsonarista inflou fakes sobre fraudes na contagem de mortos por coronavírus”, publicada, em 03.abr.2020 por Naomi Matsui no blog de Guilherme Amado.
A matéria afirma, com base em uma análise da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que a parlamentar “provocou um movimento de postagens que suspeitaram de fraudes na contabilização de mortes por coronavírus”, após publicar, em mar.2020, que a morte de um homem por um estouro de pneu em Recife havia sido contabilizada pela Secretaria de Saúde como tendo sido provocada por covid-19.
Após publicar um tweet sobre uma atitude da deputada durante uma sessão da Câmara dos Deputados, o jornalista Guga Noblat foi intimado na esfera criminal a prestar esclarecimentos. Na ação penal enviada como procedimento “sumaríssimo”, Kicis alega que Noblat a difamou.
A difamação é definida no artigo 139 da Constituição Federal como “imputar fato ofensivo a alguém”. O crime prevê pena de três meses a um ano de prisão.
O jornalista apontou que “a parlamentar defendeu intervenção militar constitucional com base no art. 142 da Constituição Federal”, durante a sessão virtual do Congresso que discutia o projeto que disponibilizou créditos suplementares para União, Estados e municípios, em mai.2020.
Ele comentou em seguida: “Nem disfarçam mais o golpe. Notinhas de repúdio?? Obrigado, meu amigo @gentedemal [uma conta no Twitter que diz enfrentar a desinformação, às vezes, com humor], por editar o vídeo”.
Antes de acionar o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DFT), Kicis respondeu ao jornalista também no Twitter: “Mas que lixo de jornalismo! Vc não merece, mas vai que algum seguidor honesto tem a curiosidade de assistir ao vídeo inteiro”.
“Quem tem motivo para processar sou eu que fui ofendido. Mas eu não fiz isso, porque não estou tentando intimidar deputado”, disse Guga Noblat. Ele conta que ainda não foi intimado e ressalta o valor do vídeo que divulgou. “Foi um comentário crítico, e eu tenho o direito de criticar também”.
Procurada pela Abraji, a deputada Bia Kicis diz ter acionado os tribunais pela indenização por dano moral, ou por “crimes de injúria, calúnia e difamação”. E alega: “Essas ações não são de retirada de conteúdo”.
O secretário parlamentar Bernardo Pereira Perdigão também representa Kicis na ação contra Guga Noblat.
A parlamentar esclarece que Perdigão foi contratado de forma particular nos processos em que a defende. “Nas últimas vezes que recorri à Justiça, passei a usar o serviço da procuradoria legislativa que está a nossa disposição. Assim, não preciso gastar com honorários”.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub nomeou dois de seus advogados como assessores especiais no MEC (Ministério da Educação), conforme revelou O Globo.
Um dos advogados que recebeu o cargo em comissão com salário de R$ 13,6 mil, Auro Hadano Tanaka, representa Weintraub em um processo criminal contra a jornalista Luísa Martins, do Valor Econômico, por injúria e difamação. O ex-ministro pede uma indenização de R$ 5 mil.
Weintraub move outra ação penal - além de nove processos na esfera cível - contra jornalistas.
Conhecido como “Carteiro Reaça”, o deputado estadual Gil Diniz, eleito pelo PSL de São Paulo e hoje sem partido, acionou a Justiça contra jornalistas da Istoé, do Estadão e dos sites Diário do Centro do Mundo (DCM) e Brasil 247.
Diniz usou a reportagem do DCM como exemplo para dizer à Abraji que um direito de resposta não basta. O portal confundiu o parlamentar paulista com o fazendeiro mineiro Gil Diniz Neto e publicou a matéria “Com patrimônio maior que R$ 7 milhões, deputado Gil Diniz, do PSL, recebe auxílio emergencial”, ilustrada por uma foto do político sem partido com o presidente.
Ao ser notificado sobre a confusão entre os homônimos, o site corrigiu o texto, a imagem e adicionou uma errata.
O deputado argumenta que uma notícia como essa coloca sua família em risco: “E se alguém sequestra os meus pais e quer fazer alguma maldade comigo, como faço? Só um pedido de resposta é remédio para isso? Acredito que não”.
Em outra das ações, Diniz foi derrotado na primeira instância. Ele teve seu pedido de indenização por dano moral contra o Estadão recusado em 14.set.2020 pela magistrada Violeta Miera Arriba, do Juizado Especial Cível.
A ação requisitava antecipação de tutela para seu pedido de resposta à matéria “PSL expulsa deputados bolsonaristas por ataques ao STF”. O deputado reclama que o subtítulo da reportagem daria a entender que sua expulsão teria sido motivada pelas investigações da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito).
A juíza responsável pelo processo não concordou: negou a tutela antecipada, o direito de resposta e julgou o pedido de recurso do deputado improcedente.
O Ctrl-X
A Abraji mapeia desde 2011 ações na Justiça contra a divulgação de informações e publica os processos no site do projeto Ctrl-X. Desde que passou a funcionar, em 2014, a plataforma registrou 3.001 ações judiciais movidas por políticos. Eles são os autores mais reincidentes de pedidos de remoção de conteúdo. Os alvos dos processos são, com frequência, veículos jornalísticos.
Em anos eleitorais, a quantidade de ações tende a crescer.
Assédio judicial
Para a assessora jurídica da Abraji, Letícia Kleim, o contexto brasileiro reflete de modo claro o crescimento do assédio judicial, que é “utilizar o poder judiciário para perseguir e intimar, especialmente defensores de direitos humanos”.
“Na jurisprudência, o assédio processual é definido como um abuso no uso do acesso à Justiça, pelo ajuizamento de diversas ações sobre um mesmo fato ou contra uma mesma pessoa, com o intuito de prejudicá-la. Nesse caso caberia condenação por litigância de má-fé”, complementa Kleim.
Leia o artigo completo sobre assédio judicial aqui.
Procurado pela Abraji, o ex-ministro Abraham Weintraub não se pronunciou até a publicação desta reportagem.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil