• 11.05
  • 2009
  • 16:43
  • Juliana Mendes/Fórum de Direito de Acesso

Depois de mais de meia década de pressão, governo brasileiro envia projeto de lei de acesso ao Congresso


A Presidência da República enviará projeto de lei de acesso a informações públicas para o Congresso Nacional nesta quarta-feira (13 de maio de 2009). Após um longo processo de pressão da sociedade civil, a regulamentação deverá abranger toda a administração pública: esferas federal, estadual e municipal.

Continuam em aberto, entretanto, alguns aspectos relevantes no projeto de lei. Por exemplo, o formato ideal para garantir que a regra entre em vigor de maneira plena e os cidadãos tenham a quem apelar de maneira rápida e eficaz –no caso de o direito de acesso ser negado.

Alguns países decidiram criar estruturas com alguma independência dentro do Estado. São os casos do México e dos Estados Unidos. No Brasil, a instância recursal prevista no projeto de lei será a Controladoria Geral da União (CGU) –um organismo sem independência e poder político para obrigar todos os outros órgãos públicos a cumprirem a lei.

O caso brasileiro é peculiar porque optou-se por um tipo de lei abrangente, para todas as esferas de governo, em todos os níveis. Em países como México e EUA, a lei se aplica apenas ao poder federal executivo. Ou seja, no Brasil se houver a opção por alguma instância recursal e fiscalizadora expressa na lei, será também necessário respeitar a independência de municípios, Estados e Distrito Federal –todos teriam de criar os seus próprios organismos.

O relevante no momento é o fato de o Poder Executivo estar dando um passo na direção de algum tipo de regulamentação ampla. Essa lei de acesso só poderia, do ponto de vista constitucional, ser iniciativa do governo –pois é o tipo de legislação que vai produzir gastos e uma dotação orçamentária específica para a sua aplicação. Só o Executivo pode propor tal tipo de norma. Caberá ao Congresso fazer as correções eventuais no texto durante o processo de tramitação.


Histórico
O texto do projeto de lei é resultado de quase sete anos de mobilização de entidades em favor da liberdade de expressão e livre acesso a informações públicas no Brasil.

 O assunto começou a ser tratado durante a criação da Abraji, no final de 2002. Entre as missões da Abraji foi incluída a defesa de acesso livre e facilitado a todos os documentos públicos.

 Em setembro de 2003, a Abraji promoveu o Primeiro Seminário Internacional sobre Direito de Acesso a Informações Públicas. Participaram daquela iniciativa pioneira o Centro Knight para Jornalismo nas Américas, a Transparência Brasil, a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas). Durante o evento, as organizações da sociedade civil decidiram se juntar em uma coalizão de estímulo à liberdade de informação. Nascia o Fórum de Direito de Acesso a informações Públicas.
 
 Em 2004, o fórum foi formalmente constituído –então por 18 entidades– numa reunião na sede do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Brasília. Atualmente, 23 organizações integram a coalizão. A coordenação do fórum, desde o seu início, esteve a cargo dos jornalistas Fernando Rodrigues e Fernando O. Paulino.

 Em 2005, uma das entidades do Fórum, a Transparência Brasil, propôs ao Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção– órgão consultivo vinculado à CGU– o estudo de medidas legais e administrativas para assegurar o acesso a informações. O Conselho, de formação mista com representantes do governo e movimentos sociais, decidiu que a CGU deveria apresentar minuta do anteprojeto de lei de acesso. Optou-se, então, pela construção de um Grupo de Trabalho para desenvolver o tema.

Participavam do GT: o departamento jurídico da CGU, o Ministério Público Federal, o Itamaraty, a ABONG (Associação Brasileira de Organizações não Governamentais), a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e a Transparência Brasil. Nos debates, as organizações pontuaram a importância de incluir, na proposta, a criação de um organismo centralizado que recebesse reclamações quanto ao não-cumprimento das disposições da lei.

 O texto do anteprojeto de lei resultou dos trabalhos e, após circular entre os membros do Conselho (em 2006), o documento foi submetido ao então ministro-chefe da CGU, Waldir Pires.

 De acordo com o texto, órgãos públicos deveriam colocar à disposição dos cidadãos, em suas páginas eletrônicas, banco de dados para acesso a documentos e informações em seu poder. O anteprojeto define também o prazo de 30 dias para a resposta da solicitação de informação. O interessado deveria receber, neste período, a indicação de data, local e procedimento para realizar a consulta. As razões para os casos de recusa total ou parcial do acesso deveriam ser informadas ao solicitante. O documento também garantiria o direito de recurso no caso de indeferimento.

 Em face ao silêncio que se seguiu do governo, o diretor-executivo da Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, trabalhou de maneira constante cobrando da Casa Civil uma posição sobre anteprojeto de lei. O trabalho da Transparência Brasil foi vital para manter o assunto em pauta dentro das esferas governamentais que tratavam do assunto.

 Em 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu uma correspondência do Fórum de Direito de Acesso a informações Públicas solicitando que se manifestasse a respeito do tema. Durante sua campanha por mais um mandato presidencial, Lula afirmou que, se reeleito, colocaria o anteprojeto da lei de acesso a informações para consulta pública. O presidente disse pretender enviar o documento para o Congresso Nacional no ano seguinte, 2007 (o que não ocorreu). “Veja que, com isso, estamos regulamentando um inciso do artigo 5º da Constituição de 1988, para preencher mais uma lacuna deixada pelos que me antecederam”, explicou Lula na manifestação pública inédita sobre o tema.

 A mensagem do Fórum a Lula (e também aos outros candidatos a presidente em 2006) pedia o envio para o Congresso, em 2007, de um anteprojeto de lei para regulamentar o direito de acesso. A coalizão de entidades também solicitava a publicação, em tempo real na internet, de informações sobre a execução orçamentária e financeira dos órgãos da administração pública direta e indireta. Havia, ainda, a demanda pela adoção de procedimentos para a correta gestão e armazenamento dos arquivos.
 
 No final de 2007, a OAB entrou com uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra dispositivos da Lei 8.159/91 (que trata da política nacional de arquivos) e a Lei 11.111/05 (que regula os critérios para a classificação de documentos como confidenciais). O presidente da OAB, Cezar Britto, justificou o processo explicando que “inestimável número de documentos públicos de interesse público encontra-se arbitrariamente, com apoio nas normas constitucionais atacadas, ocultado dos titulares do poder (do povo)”.

 No início de 2008, foi a vez da Procuradoria-Geral da República entrar com uma Adin contra as referidas normas, também conhecidas como “leis do sigilo eterno”, pois permitem a prorrogação indefinida da reserva de arquivos. O Fórum, então, publicou uma nota oficial de apoio à Adin. “Essas leis têm servido na prática para restringir o conhecimento de informações relacionadas à atuação do Estado em temas de interesse público, além de evitar o conhecimento de fatos significativos da história do país”, defendeu a coalizão.

 Em dezembro de 2008, a imprensa começou a noticiar o possível envio de um projeto de lei de acesso ao Congresso Nacional. O texto da nova norma obrigaria os ministérios a divulgar informações sobre arquivos mantidos em segredo. As instituições também deveriam explicar quais os motivos das classificações e indicar os papéis que se tornariam públicos. Segundo o projeto divulgado, haveria a redução dos prazos de reserva dos arquivos, porém permitindo a prorrogação indefinida do sigilo.

 Durante os dias 1° e 2 de abril, o Fórum organizou o Segundo Seminário Internacional sobre o Direito de Acesso a Informações Públicas, que contou com a participação de especialistas do Brasil, Canadá, Estados Unidos e México, além de representantes do poder público. Na cerimônia de abertura do evento, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, se comprometeu com o envio do projeto de lei de acesso ao Congresso Nacional até o final do mês de abril. A ministra também declarou que a regulamentação proibiria o sigilo nos casos de violação de direitos humanos.

 Após o seminário, o Fórum enviou ofício à ministra com contribuições para o projeto de lei, a partir dos consensos produzidos no evento. O documento aconselhava que a regulamentação tivesse a abrangência para os Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e para todos os níveis (Federal, Estadual e Municipal) de governo; que houvesse a criação de um órgão de supervisão na esfera do Executivo federal –e a  determinação para que os outros Poderes, em todos os níveis, também criassem seus órgãos de supervisão; que fosse criada uma lista anual dos documentos divulgados e também, sobretudo, dos arquivos classificados.

 Agora, dia 13 de maio, após mais de meia década de debate e pressão em favor de uma legislação para a liberdade de acesso a informações públicas no Brasil, a Presidência da República envia o projeto de lei de acesso ao Congresso Nacional.

 No entender do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, o projeto de lei é um passo importante, mas não encerra o processo. É necessário que todos os poderes públicos e a população se engajem para alterar a cultura de opacidade que prevalece no país há décadas. Os governos oferecem poucos dados. Os cidadãos muitas vezes se acostumaram a não requerer informações. Esse hábito secular precisa, junto com a edição da lei, ser alterado.

 As entidades que fazem parte do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas pretendem participar ativamente do processo de discussão do projeto de lei no Congresso. Esperam poder contribuir para aperfeiçoar o texto produzido pelo Executivo e para preparar o momento seguinte, ainda mais desafiador, de ajudar a sociedade a usar de maneira plena esse direito constitucional de conhecer tudo o que se passa dentro dos poderes públicos.

A seguir, a lista de todas as entidades que hoje fazem parte do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas:

Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais)
Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo)
Abrat (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas)
Ajufe (Associação dos Juízes Federais)
Alal (Associação Latino-Americana de Advogados Trabalhistas)
Amarribo (Amigos Associados de Ribeirão Bonito)
Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho)
Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância)
ANJ (Associação Nacional de Jornais)
ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República)
APJ (Associação Paulista de Jornais)
Artigo 19
Contas Abertas
Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas)
Fórum Nacional de Dirigentes de Arquivos Municipais
GTNM-RJ (Grupo Tortura Nunca Mais – RJ)
Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas)
Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos)
MPD (Movimento do Ministério Público Democrático)
OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)
RENOI (Rede Nacional de Observatório de Imprensa)
Projeto SOS Imprensa - Faculdade de Comunicação da UnB
Transparência Brasil

Assinatura Abraji