- 19.04
- 2023
- 16:20
- Abraji
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De inteligência artificial a meio ambiente: ISOJ discute desafios do jornalismo on-line
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) desembarcou em Austin, no Texas, para participar do 24th International Symposium on Online Journalism (ISOJ). O evento, que aconteceu em 14 e 15.abr.2023, é realizado anualmente pelo Knight Center for Journalism in the Americas, da Universidade do Texas. Os dois dias de debates e oficinas foram focados no presente e no futuro do jornalismo on-line, reunindo repórteres, editores, produtores e acadêmicos da comunicação de diferentes partes do mundo. Uma das pautas de maior destaque foi o impacto da inteligência artificial na imprensa.
Durante a abertura, Rosental Calmon Alves, diretor e fundador do Knight Center, comentou o slogan do simpósio, “The future of journalism starts here” (“O futuro do jornalismo começa aqui”, em português), explicando seu ponto de vista sobre a frase que, à primeira vista, pode parecer hiperbólica: “Por 24 anos, o futuro do jornalismo começou aqui para muitas pessoas que, como eu, aprendem muito no ISOJ ano após ano”. O mote é ambicioso, mas é sustentado pelo tamanho do evento: foram mais de mil inscritos em 2023, somando participações virtuais e presenciais – mais de 89 países estiveram representados entre ouvintes e palestrantes.
Entre os painéis do primeiro dia de simpósio, destacou-se a discussão sobre inteligência artificial no jornalismo. Moderada por Marc Lavallee, diretor de Tecnologia, Produto e Estratégias da Knight Foundation, a conversa contou com a participação de Aimee Rinehart, gerente do programa Local News AI da The Associated Press; Sisi Wei, editora-chefe do veículo investigativo sem fins lucrativos The Markup; Jeremy Gilbert, professor de Estratégias de Mídia Digital na Northwestern University, nos Estados Unidos; e Sam Han, diretor de inteligência artificial e tecnologia do The Washington Post.
Discutir o avanço tecnológico em qualquer área toca, inevitavelmente, na questão da força de trabalho: os modelos de linguagem Generative Pre-trained Transformer (GPT) vão mesmo substituir jornalistas dentro das redações? Para Sisi Wei, esse risco não é real e a tecnologia deve ser uma aliada do trabalho jornalístico, não uma inimiga. “Temos de pensar em como essas ferramentas podem melhorar nossas investigações. O que posso fazer com isso que antes não era possível devido a recursos, tempo ou capacidades?”, questiona.
O debate também suscitou comentários sobre os perigos e possibilidades oferecidos por tecnologias como o ChatGPT. A produção de desinformação, por exemplo, foi mencionada como uma desvantagem que acompanha esses recursos. “Temos que combater fogo com fogo. Precisamos de mais ferramentas que identifiquem [materiais feitos com] inteligência artificial. Elas precisam ser melhores e acompanhar a tecnologia que estão tentando rastrear”, afirmou Aimee Rinehart.
A preocupação com a produção e disseminação de informações falsas surgiu em outros momentos do evento, sendo a base do painel guiado por Anya Schiffrin, diretora de Tecnologia, Mídia e Comunicações da School of International and Public Affairs da Universidade de Columbia, em Nova York. Os convidados falaram sobre as dificuldades de fazer jornalismo e de checar fatos em contextos de polarização política e domínio das redes sociais.
O Brasil foi incluído na discussão, representado por Sérgio Dávila, editor-chefe da Folha de S.Paulo. Dávila falou sobre os constantes ataques do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de seus apoiadores à imprensa e a jornalistas, principalmente mulheres, mencionando os casos de Vera Magalhães e de Patricia Campos Mello, alvos frequentes de violência de gênero. A mesa também foi composta por Bill Adair, fundador do PolitiFact e professor da Duke University; Khaya Himmelman, repórter do The Messenger, e Glenn Kessler, editor da agência de checagens do The Washington Post.
Como um evento global, o ISOJ deu espaço a jornalistas de diferentes partes do mundo, que subiram ao palco do simpósio para expor a situação da liberdade de imprensa em seus países. Entre eles, estavam Fahim Abed, jornalista independente no Afeganistão; Adefemi Akinsanya, âncora e correspondente internacional da Arise News, na Nigéria; Sheikh Sabiha Alam, repórter do jornal Prothom Alo, de Bangladesh; Pinar Ersoy, editora do BBC Monitoring em Istambul, Turquia; Bopha Phorn, jornalista independente vivendo em Phnom Penh, no Camboja; Taras Prokopyshyn, CEO do veículo The Ukrainians Media; José Zamora, chefe de comunicação do Exile Content, da Guatemala; e Ann Marie Lipinski, curadora da Nieman Foundation, da Universidade de Harvard.
A principal sessão do segundo dia de evento debateu o futuro do The New York Times com seu diretor executivo, Joe Kahn. Segundo ele, os planos do jornal envolvem ampliar a diversidade entre colaboradores, focar na transição para o espaço digital e estabelecer seu lugar como um meio de comunicação de alcance global. Ao ser questionado sobre o posicionamento do veículo diante do cenário político polarizado que tomou os Estados Unidos, o painelista afirmou: “The New York Times não pode existir fora da democracia. Estamos do lado da democracia. Não há imprensa livre em um sistema não democrático”.
Na sequência, convidados e participantes do ISOJ discutiram sobre cobertura climática com John Schwartz, mediador do painel e professor do curso de Jornalismo da Universidade do Texas-Austin; Darryl Fears, repórter de justiça ambiental do The Washington Post; Vernon Loeb, diretor-executivo da organização Inside Climate News; Michael Webber, professor de Recursos Energéticos na UT Austin; e Manuela Andreoni, repórter brasileira de clima no The New York Times.
Ao dividir suas experiências profissionais com o público, Andreoni pediu atenção de jornalistas na hora de cobrir temas ambientais, criticou a “ciência ruim”, defendendo que “muita desinformação começa com um artigo [científico] ruim” e aconselhou: “É preciso tomar cuidado ao falar sobre soluções [para os problemas ambientais], mas é possível falar sobre como pessoas podem se engajar com a questão. Não fazemos isso o bastante”.
O evento foi encerrado no fim de sexta-feira com o debate sobre jornalismo no exílio, dando destaque para a situação crítica dos jornalistas na Rússia e na América Latina. No painel, Kathleen McElroy, professora de Jornalismo da UT Austin; Olga Churakova, jornalista independente russa e host do podcast “Hi, You’re a Foreign Agent”; Carlos Fernando Chamorro, fundador e editor do jornal nicaraguense Confidencial; Danny Fenster, editor do Frontier Myanmar; e Juan Luis Font, jornalista e radialista na revista ConCriterio, da Guatemala, expuseram os percalços encarados por profissionais de imprensa forçados a deixar seus países por fazer seu trabalho.
A discussão envolveu tópicos como liberdade de imprensa, a opressão de governos autoritários e a resiliência de continuar a reportar as realidades de suas regiões mesmo fora de suas fronteiras.
A programação completa do 24º ISOJ e as informações sobre os demais painéis do simpósio podem ser encontradas aqui.