• 08.01
  • 2010
  • 17:00
  • Nós da Comunicação

“De cada dez assassinos de jornalistas, apenas dois são presos”, diz vice-presidente da Abraji

Em entrevista ao site “Nós da comunicação”, Marcelo Moreira apontou a  impunidade como uma das razões para o aumento da violência contra jornalistas.  No ano passado, 132 jornalistas foram assassinados em 35 países, um dos números mais altos já registrados pelo International News Safety Institute (Insi).


O total foi alavancado pelo assassinato com motivações políticas de 31 profissionais nas Filipinas. Considerada pela instituição como o pior ataque à mídia já registrado, a chacina colocou o país no topo do ranking.

Conselheiro do Insi desde 2006, Moreira era chefe de reportagem da TV Globo quando o jornalista Tim Lopes foi seqüestrado, torturado e executado em uma favela carioca em 2002.

 
Ele destaca que determinadas investigações exigem planejamento e treinamento. “É preciso espalhar uma cultura de segurança”.


Leia abaixo a entrevista ao site Nós da Comunicação, em que o editor-chefe do jornal RJTV comenta a violência de 2009:
Nós da Comunicação – Apesar de as estatísticas de 2009 terem sido excepcionalmente aumentadas pelo caso de Maguindanao, nas Filipinas, onde 31 jornalistas foram assassinados em um evento político, está cada vez mais perigoso o exercício do jornalismo pelo mundo?
Marcelo Moreira – Esse ano teve o caso das Filipinas que foi, disparado, o mais sangrento de ataque contra jornalistas registrado. Tirando os 31 mortos na ocasião, 2009 não teria sido o pior ano. Esse episódio fez o país ficar em primeiro lugar no ranking, mas consideramos o México – e há alguns anos já – o pior país para o exercício da profissão de jornalista com relação à segurança.


Nós da Comunicação – Como é o caso do Brasil nesse cenário?
M. M. – O cenário na América Latina entre os países de língua espanhola é muito semelhante: o jornalista é atacado por conta da profissão, ou seja, o trabalho sofre retaliação das pessoas investigadas.
No Brasil, é um pouco diferente. Aqui, na Região Sudeste, por exemplo, é menor a probabilidade de um jornalista morrer por causa de sua atuação, embora haja casos graves como o do assassinato do Tim Lopes, o sequestro do jornalista da Rede Globo Guilherme Portanova em São Paulo e o do repórter do Correio Braziliense Amaury Ribeiro Júnior, que foi baleado enquanto fazia uma reportagem. Mas a maioria dos casos acontece no Nordeste, em regiões mais pobres, onde a atuação do jornalista é mais insegura e, quando se investiga políticos e grupos econômicos, há mais impunidade gerando maior volume de registros em comparação com grandes centros.
No México, mesmo na capital e em outras grandes cidades, onde os cartéis de drogas têm muito poder, o ataque aos jornalistas é muito intenso. Quando não matam, sequestram ou ameaçam as famílias. Não considero, portanto, que o Brasil, diante desse quadro, esteja em uma situação tão ruim. Nos últimos dez anos, tivemos poucos casos na Região Sudeste, o que não quer dizer que não seja preocupante.


Nós da Comunicação – Ao pensarmos em morte de jornalistas em serviço, tendemos a imaginar casos de guerra, ataques a bomba. Mas a realidade não é bem essa...
M. M. – Não. Há dois aspectos nessa questão. Os números de morte por acidente são realmente menores do que a intencional, quando o jornalista é mesmo o alvo. Nesses casos, quem matou tinha mesmo a intenção de assassinar o jornalista, o que é muito diferente de ser atingido por uma bala perdida durante um tiroteio, por exemplo. Outra curiosidade, porque há uma tendência de imaginar o contrário, é que os jornalistas não morrem tanto em regiões em guerra, e sim cobrindo locais de risco em lugares que não estão em guerra. Rio de Janeiro, São Paulo e Cidade do México são exemplos. Temos de destacar que isso só acontece porque os repórteres têm ideologia, se arriscam para mostrar à sociedade o que está acontecendo de errado, sofrem, mas nem por isso deixam de fazer o trabalho.


Nós da Comunicação – Joel Simon, diretor-executivo do Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ), declarou que 2009 foi um ano de devastação sem precedentes para a mídia mundial, e que essa violência confirma tendências de longo prazo. Você concorda com ele?
M. M. – Infelizmente sim. Apesar dos esforços, há muita impunidade ainda em vários países. De cada dez assassinos, apenas dois são presos. Esse fato reforça a liberdade que o assassino tem para ameaçar o jornalista. A comunidade internacional trabalha em duas frentes para tentar reduzir esses números: fazer as pessoas que cometem crimes contra jornalistas serem julgadas e condenadas, o que acontece muito pouco; e apelar para órgãos internacionais que tenham poder de pressão.
Em 2006, o Insi participou de uma sessão na Organização das Nações Unidas em que foi aprovada a Resolução 1.738, que pede aos países que garantam mais segurança a seus jornalistas e que acabem com a impunidade. Mas, apesar do empenho, isso fica muito no discurso. Os governos têm responsabilidades, assim como os próprios jornalistas, que não devem nunca deixar de fazer seu papel de denunciar e sempre, na medida do possível, buscar mais segurança no trabalho.


Nós da Comunicação – Como jornalistas e organizações devem enfrentar o problema?
M. M. – O jornalista não deve deixar de fazer a matéria, nosso objetivo é esse. Mas o profissional deve se preparar bem para determinados tipos de reportagem. Quando for investigar grupos poderosos, por exemplo, tem de haver um planejamento e investir em treinamentos. O trabalho é, por um lado, pressionar os governos e, por outro, garantir treinamento e fazer uma conscientização dos profissionais no Brasil inteiro para mostrar que uma reportagem não vale uma vida. O trabalho tem de ser feito sim, mas com o maior planejamento possível, seja nos grandes centros, seja no Nordeste, em que há mais carência de recursos para os profissionais, mas temos de trabalhar nessa direção. Já que o ambiente é hostil e, pelas estatísticas, os jornalistas morrem mais nas coberturas locais, é preciso espalhar uma cultura de segurança.

Assinatura Abraji