• 28.11
  • 2012
  • 15:26
  • Karin Salomao

Daniela Arbex revela bastidores de série vencedora do Esso

Mais 60 mil pacientes do Hospital Colônia morreram de fome, frio, pneumonia, abandono, maus tratos e tortura. Voltado para pacientes psiquiátricos, mais de 70% dos internados não sofriam de nenhum distúrbio mental. Muitas das doenças presentes ali tinham cura. A série “Holocausto Brasileiro”, escrita pela jornalista Daniela Arbex e publicada no jornal Tribuna de Minas, retratou a rotina da Colônia a partir de relatos de sobreviventes e antigos funcionários. As reportagens foram das mais comentadas do periódico e a série recebeu o prêmio Esso regional (Centro-Oeste) e menção honrosa no Prêmio do Instituto Imprensa e Sociedade (IPYS).

Em 2009, o psiquiatra e então vereador José Laerte mostrou um livro que iria impactar o trabalho da jornalista Daniela Arbex. “Colônia” era uma coletânea de fotografias de Luiz Alfredo, publicadas na revista O Cruzeiro em 1961. As fotografias mostravam o horror desumano ao qual os pacientes internados no Hospital Colônia de Barbacena estavam submetidos. Daniela repetia “não acredito”. Para ela, o hospital concentrava um “requinte de barbárie”. Desde então, decidiu que iria recontar aquela história.

Passaram-se dois anos até que essa pauta pudesse ser escrita. A jornalista “sabia da urgência de escrever essa história”, porque os antigos pacientes e testemunhas já estavam idosos e muitos já haviam falecido. Nesse período, a ideia a perseguiu e a cada mês juntava novas informações. Até que, em outubro de 2011, ano em que as imagens de Luiz Alfredo completaram 50 anos, ela pôde passar um mês se dedicando integralmente a esse trabalho.

Essas fotografias não são o único registro das condições precárias do hospital. Em 1979, o cineasta Helvécio Ratton documentou a rotina do hospital no longa “Em nome da razão”. No mesmo ano, a série “Porões da Loucura” foi escrita pelo jornalista Hiram Firmino para o jornal Estado de Minas. Os registros anteriores nãos apenas serviram como base para o trabalho de Daniela. A repórter também entrevistou aqueles que documentaram o holocausto em Barbacena.

Com as fotografias do livro “Colônia” na mão, Daniela foi até o local. Antigos funcionários e psiquiatras reconheciam os internos e uma testemunha indicava outra. Aos poucos, a jornalista conseguiu localizar diversos sobreviventes. “A história foi sendo construída”, diz.

Os casos que mais a emocionaram foram os de filhos de pacientes, nascidos no hospital e doados com poucos dias de vida. A mais marcante é a história do amor materno de Sueli Rezende por Débora Aparecida. Quando Débora nasceu, Sueli nem sequer pôde amamentar a filha, que foi doada com dez dias de vida. Sueli nunca mais se recuperou. Com a separação, “Sueli realmente enlouqueceu”, segundo a repórter. 

O histórico de Sueli confirma que ela continuou a buscar e a amar a filha nos anos seguintes. Quando, aos 23 anos, Débora descobriu que era adotada, partiu em busca da mãe biológica. Mãe e filha nunca se encontraram, porém: Sueli falecera alguns meses antes. Daniela Arbex revela que estava amamentando ao escrever essa história. “Escrevi chorando”, diz ela.

Por causa do passado traumático, a jornalista tomou muito cuidado com todos os entrevistados, fossem antigos internos ou enfermeiros, psiquiatras e médicos. No começo, ela diz que todos resistiram à entrevista. Porém, vencida essa barreira, as respostas eram surpreendentes. Alguns relataram histórias à repórter que não haviam contado sequer para familiares. Para ela, é necessário “respeito pelo outro”.

A reação à série “Holocausto Brasileiro” foi surpreendente. Leitores reservavam jornais nas bancas para não perder a reportagem seguinte da série. Foi uma das matérias mais acessadas no site do jornal nos últimos tempos. Leitores que tiveram parentes internados em Colônia escreveram para a jornalista dizendo que nunca souberam o que seus familiares passaram. Por causa das reportagens, diversas famílias estão em contato e buscam reparação na Justiça. Histórias que não couberam no jornal serão publicadas no livro “Holocausto Brasileiro”, que deverá ser lançado no ano que vem.

A jornalista afirma que “as reportagens trouxeram a força do que aconteceu. E 60 mil mortos têm força em qualquer tempo”. O objetivo era que o país conhecesse esse período que ela considera como o mais horrível da história nacional. Ela queria tocar as pessoas. “Consegui”, diz.

 

Leia aqui a série de reportagens: 

Holocausto brasileiro: 50 anos sem punição

Comércio da morte só parou na década de 80

33 crianças viveram horrores da Colônia 

Denúncias dão início a reforma psiquiátrica

Entrevista/Helvécio Ratton, cineasta: "Ali tinha crime de lesa humanidade"

Lei sobre saúde mental ainda divide opiniões

A história por trás da história

Assinatura Abraji