• 16.04
  • 2015
  • 08:19
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Criminosos e policiais calam imprensa da América Latina com base na violência

Quem cobre polícia (e, muitas vezes, política) no Brasil e em outros países da América Latina está sob forte risco de ameaças e pressões por parte de seus personagens. Por isso mesmo, é comum que repórteres, especialmente em pequenas localidades, se submetam à auto-censura para seguir trabalhando - ou mesmo vivendo.

Enrique Juarez Torres, diretor editorial do El Mañana de Matamoros, um jornal de Matamoros, cidade fronteiriça com os Estados Unidos controlada pelo Cartel do Golfo , sabe muito bem o que “zona do silêncio” significa. Um grupo de traficantes de drogas raptou-o no dia 4 de fevereiro de 2015.

“Nós vamos te matar”, os sequestradores disseram a Juarez, marcado por fazer coberturas da onda de violência que toma conta da cidade.

Juarez foi solto no mesmo dia, mas encontrou a redação do jornal vazia. A maioria dos repórteres, editores e pessoal administrativo se demitiu e deixou o local. Agora Juarez e sua família vivem nos Estados Unidos. Ele mal está trabalhando.

A auto-censura normalmente é vista como uma maneira de os jornalistas renunciarem à liberdade de expressão, mas esse assunto pode ser visto de uma outra ótica em zonas de perigo da América Latina. Com assassinatos, ameaças de morte e desaparecimentos, organizações criminosas e oficiais corruptos estão criando uma zona de silêncio onde jornalistas se deparam com um grande dilema: arriscar suas vidas e produzir reportagens  crime e corrupção, ou se auto-censurar para permanecer vivos?

Além de impôr o silêncio, criminosos as vezes tomam o passo extra de forçar repórteres a escreverem histórias conforme seus interesses. Cartéis de drogas começaram a forçar repórteres  a publicar certas fotografias e reportagens em 2004, quando Nuevo Laredo, outra cidade localizada na fronteira entre Estados Unidos e México, se tornou o campo de batalha da briga entre os criminosos do Cartel de Sinaloa e os Zetas. O editor do El Mañana de Nuevo Laredo, o maior jornal regional, descobriu que um de seus repórteres estava sendo pressionado a postar fotos de membros do grupo rival sendo executados por uma organização criminosa. A partir daí, a onda de traficantes forçando repórteres a publicar notícias começou a se tornar uma prática comum no México.

Mas o silêncio nessas zonas não é absoluto. Existe uma tensão permanente entre forças que suprimem a liberdade de expressão, e editores e repórteres corajosos que aceitam o risco e continuam fazendo seus trabalhos de forma independente.

Jornalistas têm se adaptado de forma constante para lidar com essas condições desafiadoras. Em alguns casos, as organizações midiáticas pararam de colocar a assinatura em reportagens  envolvendo relatos de violência relacionados a drogas. O anonimato do repórter pode prover o mínimo de segurança, porém isso pode ser uma medida insuficiente em pequenas cidades, onde todos conhecem quem cobre notícias policiais.

Em outros casos, jornais escolhem cobrir historias do tráfico que acontecem em uma cidade, e publicá-las em outra, longe do controle dos criminosos e policiais corruptos que os protegem.

Algumas empresas jornalísticas já presenciaram até mesmo casos em que repórteres e editores entraram em conflito. O pior deles aconteceu quando uma organização pressionava o repórter a escrever uma matéria enquanto o grupo rival força o editor a descartar essa mesma notícia.

Já no caso brasileiro, não é necessário nem mesmo envolvimento com grupos criminosos para que a polícia ameace profissionais da imprensa. Mauri König, por exemplo, que é diretor da Abraji e repórter do jornal Gazeta do Povo, foi vítima de ameaças policiais em dezembro de 2012. 

Em maio do mesmo ano, o jornalista havia coordenado uma série de reportagens publicada no jornal, intitulada “Policiais Fora da Lei”, sobre irregularidades cometidas por policiais. Os textos revelaram, por exemplo, que agentes usavam viaturas da corporação para compromissos pessoais – inclusive visita a casas de prostituição em horário de expediente.

Depois da repercussão das notícias, diferentes pessoas telefonaram à Gazeta e disseram que repórteres e diretores corriam risco de vida. Um jornalista da RPC TV, emissora do mesmo grupo do periódico, atendeu a um dos telefonemas. De acordo com ele, o interlocutor se identificou como policial e disse ter ouvido de colegas que cinco policiais civis e militares do Rio de Janeiro estavam em Curitiba para metralhar a casa de Mauri.

König primeiro deixou a cidade de Curitiba. Depois, deixou o Estado do Paraná. Por fim, o auxílio de associações de jornalistas de diferentes países, passou uma temporada fora do país. Hoje de volta à redação, o repórter ainda se vê às voltas com a reação da corporação ao caso: de tempos em tempos, é chamado a prestar depoimento como testemunha em diferentes procedimentos abertos após a publicação das reportagens. Mas, na maioria das vezes, o que os agentes procuram saber é a identidade de suas fontes. 

Assinatura Abraji