• 24.08
  • 2012
  • 16:16
  • Karin Salomao

Correspondente fala sobre vida na China

Fabiano Maisonnave é correspondente da Folha de S.Paulo na China e escreve no blog Vista Chinesa. O país, que ainda censura a internet e a imprensa, mantinha 27 jornalistas presos em 2011, alguns desde 2003. Em entrevista à Abraji, Maissonnave fala sobre como dribla a censura à internet e as restrições impostas a jornalistas e sobre a cobertura brasileira da China – que,segundo ele, é falha e não tem estratégia comunicativa para o país asiático.

 

Quando se mudou para a China? Em que cidades já morou?

Estou em Pequim desde abril de 2010. Antes, pela Folha, fui correspondente em Campo Grande (MS), Caracas e Washington. Sou de Foz do Iguaçu (PR), me formei em história pela USP e tenho um mestrado na mesma área da Universidade de Connecticut (nordeste dos EUA).

 

Antes disso, o que fazia? Já era correspondente internacional? Onde?

Antes de Pequim, fui correspondente em Caracas por três anos. Também fui correspondente-bolsista em Washington, por seis meses (2004-5).

 

Qual foi o maior choque ao chegar à China?

O ar de Pequim é extremamente poluído, muito pior do que o de São Paulo. É deprimente morar numa cidade em que o céu está cinza na maior parte do ano. E isso dificilmente melhorará no médio prazo, ao contrário.

 

Como avalia a cobertura brasileira da China e da Ásia? Onde os jornalistas brasileiros pecam na cobertura?

Vários setores do Brasil ainda não despertaram para a China, apesar de ser o seu maior parceiro comercial há três anos. Na área específica da imprensa, somos apenas três correspondentes (Folha, Estado e Sportv).

O pecado não é dos jornalistas. Os meios de comunicação, e qualquer grande empresa brasileira de qualquer setor, precisam ter uma estratégia para a China. Mesmo que seja para justificar por que não tem uma presença aqui. Isso de falar que é um país distante não é mais desculpa.

Ter uma estratégia implica investir na formação do profissional, principalmente no aprendizado do mandarim. O Brasil não tem uma mão de obra qualificada para lidar com a China, o que é um enorme erro estratégico.

 

Quais as maiores dificuldades em cobrir a China? Como você cobre um país tão imenso e diversificado?

A língua é a maior dificuldade. Estou há dois anos, tempo insuficiente para aprender mandarim. Outro problema é a diferença de 11 horas em relação à Redação, é muito difícil coordenar o trabalho. E, claro, o fato de a China ser um regime autoritário dificulta muito na hora de conseguir entrevistas, visitar algumas áreas proibidas para estrangeiros e obter dados oficiais.

 

Como você, como jornalista, dribla ou convive com a censura à imprensa no país? Como navega pela internet, redes sociais etc?

Para driblar a censura na internet, os estrangeiros usamum programinha que faz o computador "fingir" que está em outro país. Agora, há uma imprensa crítica na China, principalmente publicações impressas. Recomendo muito a leitura da revista "Caixin" http://english.caixin.com/, de economia e com uma grande vocação para reportagens investigativas - há uma versão em inglês.

Uma jornalista dessa revista me disse no ano passado que há uma complementaridade entre o trabalho deles e de outros meios chineses e a imprensa internacional: os estrangeiros cobrimos melhor temas vetados a eles, como Taiwan, Tibete e dissidentes políticos, e eles têm maior acesso a fontes econômicas e membros do governo do médio escalão pra baixo. Acho que é por aí.

 

Já sofreu alguma ameaça pelo que escreveu?

Não na China. Mas em Mato Grosso do Sul foram duas ameaças, uma delas me obrigou a deixar Campo Grande.

 

Já enfrentou alguma dificuldade para obter informações ou escrever uma matéria?

Isso é constante, com a exceção da cobertura econômica, em que praticamente não há censura. Coincidência ou não, é na economia que o regime chinês vai melhor.

 

No blog “Vista Chinesa” você publica algumas reportagens sobre as Olimpíadas. Como você encara o nacionalismo chinês nas Olimpíadas? E entre as Olimpíadas, os chineses são ufanistas? Têm orgulho do país?

O nacionalismo substituiu o comunismo no discurso oficial. Com as reformas econômicas, não dá mais para falar em modelo capitalista vs. socialista, então a nova dicotomia é contra o estrangeiro, principalmente EUA e Japão.

Como em todo país, o ufanismo ganha força nas Olimpíadas, mas aqui tem um enorme incentivo do governo, por meio da TV estatal. Há uma clara noção de que eles estão disputando o primeiro lugar com os americanos. Como não conseguiram em Londres, parte da opinião pública, incentivada pela mídia oficial, culpa um suposto complô contra a China, que teria sido prejudicada pela arbitragem em vários momentos.

Ao mesmo tempo, há uma crítica crescente contra a enorme quantidade de dinheiro gasta com a equipe olímpica, contra a massacrante rotina de treino de algumas modalidades e até contra essa tendência à vitimização. Mesmo controlada, a internet chinesa vem se mostrando o espaço mais importante de crítica ao discurso oficial.

 

Em outra reportagem, você comenta a ligação entre a tradição e a modernidade, citando restaurantes centenários recém-abertos. Como o povo chinês faz essa ligação com o passado?

A China vive o paradoxo de ser, ao mesmo tempo, uma civilização de cerca de 5 mil anos e um país novo, impulsionado pelas altas taxas de crescimento, em que tudo muda rápido demais, principalmente as cidades. No caso de lugares históricos, que foi o assunto desse artigo que você menciona, há uma lógica diferente à do Ocidente, onde a preocupação do restauro é preservar os traços originais da melhor forma possível.

Aqui, não há muito pudor em praticamente reinventar alguns marcos históricos. O trecho da Grande Muralha perto de Pequim é o melhor exemplo: basta comparar a área turística com a não restaurada. Outro caso é a cidade de Datong, cujo centro foi totalmente destruído para a construção de uma cidade histórica com uma arquitetura supostamente de mais de meio século atrás, mas que nunca existiu na forma em que está sendo erguida.

Assinatura Abraji