• 30.01
  • 2006
  • 10:09
  • MarceloSoares

Conheça reportagens investigativas de 2005 premiadas nos EUA

Acabam de ser anunciados os vencedores da primeira edição do prêmio Philip Meyer de jornalismo, concedido pela organização Investigative Reporters and Editors (IRE) a projetos de jornalismo investigativo publicados até outubro do ano passado nos Estados Unidos.

“O prêmio reconhece os melhores usos de métodos da ciência social no jornalismo”, diz a descrição oficial. Ao contrário da maioria dos patronos de prêmios, Meyer ainda está vivo. Tem 77 anos e é professor de jornalismo na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill. Ele foi o autor, em 1973, do livro “Precision Journalism” (“Jornalismo de Precisão”), que propôs pela primeira vez o uso sistemático no jornalismo de técnicas de pesquisa e análise importadas da ciência social. Isso envolve a obtenção e análise de registros públicos, muitas vezes com o uso do computador e de técnicas estatísticas.

A IRE, entidade criada em 1975 e que inspirou a organização da Abraji, concede anualmente o IRE Awards (que deve ser anunciado em abril). Este prêmio destina-se a reportagens investigativas em geral, independentemente dos métodos usados na apuração. O prêmio Philip Meyer, por sua vez, é voltado apenas a reportagens cuja pauta parte da análise de dados. Não são necessariamente reportagens de denúncia, mas suas revelações acabam expondo os efeitos de longo prazo de políticas públicas, como mostram os três trabalhos premiados neste ano.

As reportagens escolhidas foram “Unnecessary Epidemic” (“Epidemia Desnecessária”), do The Oregonian; “Discharged and Dishonored” (“Dispensados e Desonrados”), produzida pela sucursal de Washington da rede Knight-Ridder; e “Vanishing Wetlands” (“O Sumiço dos Pântanos”).

O prêmio em dinheiro, que será entregue dia 10 de março, é pequeno comparado até aos prêmios brasileiros: US$ 500, US$ 300 e US$ 200, respectivamente. O significado do prêmio para o desenvolvimento do jornalismo, porém, é importante. Na inscrição dos trabalhos, é preciso descrever todo o processo de apuração. É a complexidade da apuração, e não o produto final ou seu impacto, que pesa mais na avaliação. As descrições dos trabalhos ficam, depois, disponíveis para os sócios da IRE, para que possam aprender com a experiência dos colegas.

Além de entrevistas e busca de documentação, os repórteres premiados usam de bancos de dados a imagens de satélite para obter informações mais exatas para suas reportagens. A íntegra dos trabalhos, com textos, fotos e infográficos, está disponível nos sites dos jornais. Os links seguem abaixo.



Epidemia desnecessária

Em “Unnecessary Epidemic”, vencedora do primeiro prêmio, o repórter Steve Suo demonstrou como o Legislativo americano e a DEA (departamento governamental responsável pelo combate às drogas) poderiam ter impedido uma epidemia de uso de metanfetaminas – presentes em drogas como o Ecstasy e em medicamentos controlados, como a Efedrina – se tivessem regulamentado melhor a importação dos produtos químicos necessários para sua produção. Em 1997, cerca de 5 milhões de americanos haviam provado metanfetaminas. Hoje, estima-se que cerca de 13 milhões usem de alguma forma – fumando, inalando, injetando ou ingerido.

Apenas nove laboratórios no mundo inteiro produzem esses 12 elementos, e desde os anos 80 os laboratórios que os usam para fabricar medicamentos precisam manter registros de importação atualizados. Brechas legais, estimuladas pela ação de lobbies que usam como argumento a dependência de pacientes desses medicamentos, permitem que fabricantes de tóxicos tenham acesso aos produtos.

Suo fez análises de dados sobre internações médicas, prisões, preço e pureza de metanfetaminas e importação de produtos químicos. A reportagem demonstra que, em dois períodos em que as autoridades federais impediram o acesso de cartéis aos produtos químicos, os crimes e internações pelo uso de metanfetaminas caiu na mesma proporção em que o preço da droga no mercado negro aumentou.




Dispensados e desonrados

Chris Adams e Alison Young, da sucursal de Washington da rede de jornais Knight-Ridder, são os autores de ”Discharged and Dishonored”, segundo lugar no prêmio Philip Meyer. Em uma série de reportagens, eles mostram como a burocracia emperra as solicitações de veteranos que voltaram de guerras com deficiências físicas. Mais de 13.700 deles morreram antes de serem atendidos, e até 572 mil ex-combatentes podem não estar até hoje recebendo pensão por invalidez causada por guerras. Hoje, cerca de um terço do orçamento do VA (órgão do governo dos EUA que atende os ex-combatentes) é destinado a pagar pensões por invalidez a ex-combatentes.

Os registros analisados pelos repórteres mostram as diferenças regionais no atendimento às demandas dos veteranos. Também revelam os tipos de doenças mais comuns enfrentadas pelos ex-combatentes: esquizofrenia e demência associada a trauma cerebral. A lentidão da burocracia não discrimina idade. Os repórteres encontraram um veterano da 2ª Guerra Mundial que teve o estômago rasgado por uma bala aos 19 anos, em 1945, e apenas em 1981 descobriu que sua pensão não cobria todos os danos que sofreu. A partir daí, passou 21 anos em uma batalha legal por seus direitos.




O sumiço dos pântanos

Em ”Vanishing Wetlands”, os repórteres Matthew Waite e Craig Pittmann, do St.Petersburg Times, demonstraram como 84 mil acres (quase 340 km²) de área pantanosa foram devastados por construções na Flórida após o governo George Bush (pai) anunciar uma política nacional para evitar perdas de áreas pantanosas, em 1990.

Os repórteres usaram imagens de satélite de vários anos e sistemas de informações geográficas para calcular o tamanho exato da perda de área. Também analisaram os registros de permissão para exploração imobiliária de áreas pantanosas. Segundo a investigação, entre 1999 e 2003, foram aprovadas mais de 12 mil permissões de exploração – e apenas uma foi negada.

A série de reportagens também contabilizou alguns prejuízos sofridos pelos governos com as construções nessas áreas. O condado de Collier, por exemplo, gastou US$ 30 milhões para indenizar moradores de bairros inundados que um dia foram áreas pantanosas.
Assinatura Abraji