
- 30.06
- 2025
- 15:21
- Samara Meneses
Acesso à Informação
Com participação da Abraji, STF debate constitucionalidade das “emendas Pix”
A Abraji participou, na última sexta-feira (27), de uma audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade das chamadas “emendas Pix”. O evento foi convocado pelo ministro relator Flávio Dino e debateu as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7688, 7695 e 7697, ajuizadas, respectivamente, pela Abraji, pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pelo PSOL.
O ministro iniciou a sessão reconhecendo a importância da presença dos profissionais de imprensa para a contribuição na discussão. “Agradeço também a imprensa porque cumpre um papel fundamental de, em um processo de controle concentrado de constitucionalidade, garantir o acesso de toda a sociedade ao que aqui será debatido”, afirmou.
Foto: Fellipe Sampaio/STF
A presidente da Abraji, Katia Brembatti, iniciou sua fala destacando o papel fundamental da imprensa: “Se estamos todos aqui hoje é por causa do jornalismo. É importante que fique claro para a sociedade a importância do jornalismo. Jornalistas é que expuseram o tamanho e a capilaridade da situação que aqui debatemos. Foram diversas reportagens, produzidas por vários profissionais e veículos de comunicação, que trouxeram à tona as dimensões do problema”.
Fala de Katia Brembatti. Foto: Rosinei Coutinho/STF
Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Hugo Motta, chegaram a confirmar presença, mas não compareceram. Participaram da audiência representantes dos autores das ações e especialistas em direito, economia, finanças públicas e orçamento. Entre os expositores estiveram os advogados Walfrido Warde e Rafael Valim, representando o PSOL; o jurista Ingo Sarlet (PUC-RS); os economistas Felipe Salto (Warren Investimentos) e Élida Graziane (FGV); os professores Heleno Torres e Fernando Scaff (USP); e o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, representando o Fórum Nacional de Governadores.
Também participaram representantes do Congresso Nacional, do Tribunal de Contas da União, da Advocacia-Geral da União, de ministérios, da Transparência Internacional, da Transparência Brasil, do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac) e de entidades da sociedade civil como a APD, ANAPE, Confoco, LEGISLab e LAPPCOM. As contribuições abordaram a constitucionalidade, os impactos fiscais, os riscos de corrupção e o papel das emendas no equilíbrio entre os Poderes e na transparência do orçamento público.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, indicou que as emendas Pix, embora ainda em processo inicial de adaptação, vêm sendo incorporadas a um novo modelo com maior controle e participação do Executivo. Ele ressaltou que a Lei Complementar nº 210/2024 trouxe avanços importantes, como a exigência de indicar objeto e valor das transferências e a atribuição de fiscalização ao TCU.
Segundo Messias, essas mudanças representam “uma maior abertura ao envolvimento do Poder Executivo no processo de indicação”, especialmente por meio da definição prévia de projetos estruturantes e da exigência de planos de trabalho antes da liberação dos recursos.
Representando a Transparência Internacional, Guilherme France afirmou que “não são inéditas ou tampouco surpreendentes as consequências nefastas da tomada de controle do orçamento público por parlamentares, sem adequada transparência e respeito a critérios técnicos”. Segundo ele, o Brasil está seguindo “um caminho marcado por escândalos, corrupção e desperdício que outros tantos países já trilharam”.
Ao abordar os impactos nos níveis estadual e municipal, France defendeu que as determinações do STF sobre transparência e rastreabilidade das emendas Pix também sejam aplicadas a estados e municípios: “Entenderíamos que seria salutar que fosse explicitada a aplicação das determinações desta Corte, pelo menos no que se refere às emendas Pix, para estados e municípios”.
Já o advogado da Câmara dos Deputados, Jules Michelet Pereira, defendeu as emendas parlamentares como instrumento legítimo de participação no orçamento público, especialmente as de caráter impositivo. Ele também rebateu a ideia de que as emendas substituem o financiamento eleitoral. “Me chama muita atenção o argumento de que as emendas substituem alguma espécie de financiamento eleitoral. Esse problema, na verdade, é muito mais grave no Poder Executivo”, afirmou. Para ele, a questão deve ser enfrentada por meio de mudanças na legislação eleitoral, e não na orçamentária.
Posteriormente, o procurador do MP de São Paulo Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC), criticou o enfraquecimento das funções institucionais provocado pelo uso excessivo e descontrolado das emendas parlamentares. “Rasga-se a Constituição com a prevalência de interesses paroquiais pela política do compadrio em detrimento do interesse público”, afirmou.
Para Livianu, ao assumir o papel de definir diretamente os gastos da União, o Congresso compromete sua função fiscalizadora e rompe com o equilíbrio entre os Poderes. “Se o Congresso passa a exercer a função do Executivo, determinando gastos, perde a legitimidade para fiscalizar. Isto tumultuou todo o processo, daí a inconstitucionalidade desta hipertrofia das emendas parlamentares e secretas”, argumentou. Ele ainda citou o exemplo do Chile, onde o Parlamento não pode aumentar despesas no orçamento, apenas reduzi-las ou rejeitá-las.
Um caminho sem volta
Na audiência, a Abraji reforçou que a transparência orçamentária é condição indispensável para o exercício do jornalismo e para o pleno acesso da sociedade à informação. “É preciso que fique claro que a transparência é um caminho sem volta. O Brasil ainda está construindo essa cultura, mas em algum momento ela vai precisar se instalar no país”, afirmou a presidente.
Foto: Rosinei Coutinho/STF
A associação alertou ainda para a dimensão do problema, destacando que mesmo jornalistas especializados têm enfrentado dificuldades para acompanhar o uso dos recursos públicos. “Se os jornalistas que estão muito atentos ao orçamento federal não estão conseguindo rastrear esse dinheiro, imaginamos que os profissionais que atuam em estados e municípios terão ainda mais dificuldade para conseguir acompanhar esse dinheiro”, reiterou Katia.
