- 02.12
- 2019
- 08:19
- Marina Atoji
Liberdade de expressão
Censura prévia aparece em pelo menos três decisões judiciais só em novembro
Texto atualizado em 4.dez.2019 para incluir entrevistas com Camila Marques, coordenadora do Centro de Referência Legal em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da ARTIGO 19 e Pierpaolo Bottini, coordenador do Observatório da Liberdade de Expressão da OAB
Mesmo proibida pela Constituição Federal, a censura prévia aparece em decisões judiciais recentes. Em novembro de 2019, três casos foram registrados pelo projeto Ctrl+X, que monitora tentativas judiciais de remoção de conteúdos na web.
No início do mês o juiz José Paulino de Freitas Neto, da 2ª Vara Criminal de Varginha (MG), ordenou que o comunicador Juliano Rodrigues excluísse de suas redes sociais vídeos em que mencionava a juíza Tereza Cristina Cotta, também de Varginha. Na decisão liminar (temporária) de 5.nov.2019, Freitas Neto proibiu Rodrigues de “proferir novas ofensas veladas (...) em face de autoridades públicas e de particulares, por qualquer meio, de forma escrita ou por vídeo”.
O juiz foi além: determinou busca e apreensão de equipamentos do comunicador por injúria e o proibiu de se aproximar do Fórum de Varginha e de sair da cidade - medidas que considerou “razoáveis e proporcionais”.
Para o magistrado, “eventuais críticas, ainda que ácidas, são de suma importância para a democracia, todavia, qualquer homem médio sabe claramente distinguir o que é crítica e o que é ofensa”.
Juliano Rodrigues argumenta que a apreensão de seu celular e computador coloca em risco seu sigilo da fonte e a integridade de seus informantes em supostos casos de corrupção no Judiciário mineiro. De acordo com Rodrigues, os equipamentos guardam ainda provas de denúncias que ele apresentou anonimamente ao Ministério Público.
Para Camila Marques, coordenadora do Centro de Referência Legal em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da ONG ARTIGO 19, a decisão do juiz inviabiliza a atividade de Juliano Rodrigues enquanto comunicador. "A proibição de 'proferir novas ofensas veladas (...) em face de autoridades públicas e de particulares' é genérica e o deixa de mãos atadas, pois o fará pensar duas, três vezes antes de publicar uma matéria que envolva uma autoridade pública, com medo de que possa ser interpretada como uma ofensa e ele acabe descumprindo a decisão judicial", explica a advogada.
Em 13.nov, outro caso de censura prévia foi registrado no Amazonas: o juiz da 14ª Vara Cível de Manaus Francisco Carlos G. de Queiroz determinou que o grupo A Crítica retirasse de seus sites e redes sociais vídeos do programa “Alerta Amazonas”. A liminar atendeu a pedido da primeira-dama de Manaus, Elizabeth Valeiko. Os conteúdos, exibidos na TV A Crítica de 1 a 10.out.2019, incluem reportagens sobre as investigações do assassinato de Flávio Rodrigues, ocorrido após uma festa na casa do filho da primeira-dama, Alejandro Valeiko, e opiniões de Sikera Júnior a respeito do caso.
A exemplo do colega mineiro, Queiroz também estabeleceu censura prévia: em sua decisão, determinou que o apresentador Sikera Júnior deve “se abster” de fazer novas postagens, reportagens ou áudios “de cunho injurioso” à honra da primeira-dama. O juiz considerou que os comentários do apresentador “ultrapassaram os limites do direito à informação, de maneira que adentraram à esfera dos direitos de personalidade”.
Ao mesmo tempo, Francisco Carlos G. de Queiroz negou o pedido de Elizabeth Valeiko para que a empresa e o apresentador veiculassem uma retratação no site e na TV.
Também neste caso, Camila Marques aponta que o caráter genérico da decisão impõe uma insegurança jurídica ao jornalista, que fica sem saber o que pode ser considerado "de cunho injurioso" e, portanto, inibe sua atuação.
Segundo a advogada, tanto esta quanto a liminar mineira vão na contramão de recomendações e padrões internacionais para garantia da liberdade de expressão: "todos dizem categoricamente que não deve haver qualquer tipo de abstração em decisões judiciais que regulem a liberdade de expressão em relação a outros direitos fundamentais", aponta Marques. "E é isso o que se vê nos casos do Amazonas e de Minas, marcados por um grau de generalidade e abstração muito grande".
No final do mês, a censura prévia chegou a uma produção física: a pedido da Defensoria Pública de São Paulo, a juíza da comarca de São José dos Campos (SP) Sueli Zeraik de Oliveira Armani determinou a “suspensão da publicação, divulgação e comercialização” do livro-reportagem “Suzane, assassina e manipuladora”, de Ulisses Campbell. A obra aborda a vida de Suzane Von Richthofen, condenada em 2006 por participação no assassinato de seus pais.
Armani considera que o livro contém informações sigilosas do processo em que Richthofen foi condenada. O autor, no entanto, assegura que usou conteúdo das apelações apresentadas pela defesa da ré - nenhuma delas em sigilo.
Para o advogado Pierpaolo Bottini, coordenador do Observatório da Liberdade de Expressão da OAB, proibir a veiculação de conteúdos é "atitude contrária ao direito e merece ser rechaçada". "A censura, a vedação à publicação são distintas da responsabilização pelas consequências da publicação. Esta última é possível e legítima", afirma.
Bottini considera que as decisões registradas em Minas, Amazonas e São Paulo representam risco à liberdade de expressão. "O controle prévio de publicações antes mesmo da ciência de seu conteúdo é impensável em um Estado de Direito que prevê a liberdade de expressão em seu texto constitucional".
Os três casos se somam aos outros 9 registrados em 2019 pelo Ctrl+X em que, além do pedido de retirada de conteúdo, houve decisão judicial estabelecendo censura prévia.
Foto: opensource.com/Flickr