• 27.08
  • 2010
  • 16:39
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Censura ao humor com políticos pode ser equívoco na interpretação da lei

 

O Supremo Tribunal Federal já concedeu liminar suspendendo o trecho do artigo da lei eleitoral que veta piadas com políticos em programas de televisão durante os três meses que antecedem o pleito. Mas para o professor da USP Virgilio Afonso da Silva, especialista em direito constitucional, não há proibição ao humor em período eleitoral. Segundo ele, essa interpretação da lei 9.504 que vem sendo difundida não faz sentido.

O trecho em questão diz que ficam vedados "trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação". Embora o texto estivesse já na lei sancionada em setembro de 1997, foi só quando o Tribunal Superior Eleitoral expediu a resolução 23.191, confirmando as datas para as eleições deste ano, que o artigo começou a chamar atenção.

Para o professor Virgilio Afonso da Silva, “são as próprias empresas de comunicação que estão com certo medo de ter problemas com o Judiciário e que, por isso, têm recomendado a seus humoristas que não façam nada que se relacione com os candidatos”.

O professor afirma ainda que, ao contrário do que algumas pessoas imaginam, não parece que o TSE tenha alguma ligação com o problema, já que a resolução do tribunal apenas repete o que a lei já prevê desde 1997. “É possível, claro, que partidos e candidatos tenham invocado mais frequentemente o art. 45 para evitar serem alvos de programas humorísticos. E é possível que mais juízes tenham aceitado a tese de que o ‘humor está proibido’”. Para ele, o problema maior não é a lei em si, embora, de fato, ela possa dar margem a algumas interpretações equivocadas.

Na noite dessa quinta-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)  Carlos Ayres Britto concedeu liminar à Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), e suspendeu esse trecho do art. 45 da Lei das Eleições. Para ele, o texto fere o princípio constitucional da liberdade de expressão e cria impedimentos "a priori" aos programas, algo que já foi debatido e vetado pelo próprio tribunal. O ministro deverá levar a decisão para o plenário do STF para ser chancelada ou derrubada pelos colegas. 

A Abert elogiou a posição do ministro. “A decisão em caráter liminar do ministro Carlos Ayres Britto reafirma os princípios constitucionais que garantem o exercício da liberdade de expressão e de imprensa, de manifestação do pensamento, de atividade intelectual e artística”, afirma o presidente da associação, Daniel Pimentel Slaviero, em nota divulgada à imprensa.

A proibição das sátiras foi alvo de críticas de humoristas. No domingo passado, cerca de mil pessoas participaram de passeata no Rio de Janeiro para pedir liberdade para criticar os políticos. A “Humor sem Censura” foi organizada por Fábio Porchat, do “Comédia em Pé”, e contou com a participação de humoristas do “Casseta & Planeta”, “CQC”, “Pânico” e “Legendários”.

Para Porchat, a determinação foi uma vitória, mas todo o cuidado é pouco. “Não imaginei que seria tão rápido”, afirma. “Fizemos barulho no domingo e a Abert entrou com o pedido na terça-feira”, diz.

Ele conta que leu uma reportagem no jornal “O Globo” sobre o artigo 45 e, ao ver a declaração de humoristas lamentando a determinação, teve a ideia de iniciar a mobilização. “Comecei a ligar para profissionais de diversas emissoras e todo mundo aderiu. Deu tão certo porque estávamos todos lá, unidos”.

Ninguém sabe ao certo como a discussão teve início. Mas o fato é que ela foi parar nas páginas de jornais de grande circulação, em editoriais e reportagens, em blogs e foi tema de debates em programas de TV. 

“As pessoas me perguntam por que só fazer a manifestação agora [13 anos depois da aprovação da lei], e eu respondo que em 1997 eu tinha 13 anos, por isso nada foi feito naquela época”, brinca Porchat. Sua teoria na verdade é de que antigamente havia apenas o “Casseta & Planeta” que cobria política, e fazia isso por meio de paródias. “Atualmente, existem mais programas e eles vão até o Congresso, falam com políticos”.

Segundo Marcelo Tas, do “CQC”, a liminar foi recebida com grande alegria e alívio. “Quando há um momento de sensatez como esse no Brasil precisamos comemorar”, afirma. E ele concorda com Portchat: a questão de a mobilização acontecer apenas este ano é o aumento da importância dos programas de humor nos últimos anos. “O CQC, por exemplo, se tornou um canal de informação para jovens eleitores, o que passou a incomodar e fazer com que o programa se tornasse alvo de intimidações”.

Para Tas, o pior não são as consequências que a quebra da regra pode trazer - como a multa de até R$ 106 mil, duplicada em caso de reincidência -, mas o próprio clima de intimidação nas emissoras. “Estávamos passando por um clima de paranoia, de autocensura. Chegamos a ter reuniões para discutir como deveríamos agir”, conta.

O clima de autocensura também é relatado por Porchat, que afirma que as emissoras haviam pedido para que seus funcionários não fizessem humor com candidatos nem por meio da internet.

Além da passeata, houve manifestação por parte de internautas que questionavam o artigo. A repercussão internacional também foi grande. “Até a Al Jazeera cobriu o caso. Quer mico maior para o Brasil?”, brinca Tas.

“A lei foi criada para impedir que políticos ridicularizassem outros candidatos em sua propaganda, mas quando foi expandida para a programação inteira gerou essa censura ao humor”, diz Porchat.

 

Assinatura Abraji