
- 27.11
- 2025
- 07:57
- Reinaldo Chaves
Formação
Liberdade de expressão
Acesso à Informação
Brasil marca presença no maior encontro mundial de jornalismo investigativo na Malásia
A Abraji participou da 14ª edição do Global Investigative Journalism Conference (GIJC25), realizada de 20 a 24 de novembro em Kuala Lumpur, na Malásia. O evento, que é o maior encontro internacional de jornalistas investigativos do mundo, reuniu pela primeira vez mais de 1.500 profissionais de 135 países na Ásia.
Da Abraji, estiveram presentes o coordenador de projetos Reinaldo Chaves, a secretária executiva Adriana Garcia, a diretora Juliana Dal Piva e Guilherme Amado, ex-vice-presidente da associação e atual membro do board da Global Investigative Journalism Network (GIJN).
Alguns painéis com participação brasileira
Reinaldo Chaves ministrou o workshop "Building an AI Assistant for Investigative Journalists" (Construindo um Assistente de IA para Jornalistas Investigativos). Ele ensinou participantes a criar agentes de pesquisa personalizados com inteligência artificial para apoiar a coleta de informações e investigações jornalísticas, utilizando ferramentas sem necessidade de programação (no-code). No painel "How Digital Tools Help Uncover Environmental Stories" (Como Ferramentas Digitais Ajudam a Descobrir Histórias Ambientais), Chaves apresentou métodos e recursos tecnológicos para investigar histórias sobre meio ambiente e adaptação climática.
Natalia Viana, co-fundadora e diretora-executiva da Agência Pública, participou do painel de abertura sobre a agenda de tecnologia e jornalismo. Durante a sessão, ela destacou que a cobertura de big tech deve ir além dos produtos: "Muitos jornalistas pensam que cobrir big tech é cobrir tecnologia — mas deveria ser investigar as pessoas que tomam as decisões por trás dos algoritmos e das bolhas de mercado. Essas são as empresas mais poderosas da história — e seus produtos afetam todos os aspectos de nossas vidas e democracias."
Tais Seibt integrou o painel "Editorial Systems for Impact", que discutiu estratégias para rastrear resultados de reportagens, construir culturas orientadas ao impacto e medir o valor social para garantir a sustentabilidade e a credibilidade do jornalismo. O painel contou também com Anya Schiffrin e Daisy Okoti, e foi moderado por Miriam Wells.
Luiz Fernando Toledo, repórter da BBC News Brasil em Londres e pesquisador na Universidade de Cambridge, também esteve presente para falar sobre técnicas de investigação usando o NotebookLM. Toledo foi diretor da Abraji e um dos fundadores do projeto DataFixers.org, especializado em investigações ambientais e acesso a registros públicos.
Karla Mendes, da Mongabay, participou do painel sobre mineração ilegal, ao lado de colegas do Zimbábue e da Turquia. Mendes enfatizou a complexidade do tema: "Jornalistas investigativos devem entender que não é apenas uma história de crime, mas uma história de saúde pública, uma história ambiental e uma história sobre direitos indígenas."
Além de integrar o board da GIJN representando a América Latina e Caribe, Guilherme Amado participou como palestrante de dois painéis no GIJC25. No workshop "Tools And Techniques To Investigate Cryptoasset Crimes" (Ferramentas e Técnicas para Investigar Crimes com Criptoativos), Amado compartilhou metodologias para rastrear transações suspeitas de criptomoedas, desmascarar atores maliciosos e identificar as plataformas que facilitam crimes financeiros. A sessão ensinou técnicas práticas para seguir rastros digitais, analisar dados de blockchain e conectar carteiras pseudônimas a identidades reais através de métodos avançados de investigação.
Amado também conduziu o painel "Techniques to Investigate Misinformation and Social Media" (Técnicas para Investigar Desinformação e Redes Sociais), tema de especial relevância considerando sua experiência investigando campanhas de desinformação no Brasil.
Juliana Dal Piva, diretora da Abraji, participou do painel "Digging into Archives - Historical Investigations" (Mergulhando em Arquivos - Investigações Históricas), que explorou como arquivos históricos podem iluminar investigações contemporâneas através de estudos de caso reais. O painel abordou como a tecnologia pode desbloquear registros antes impenetráveis, desde manuscritos digitalizados até análise de documentos com inteligência artificial, além de estratégias práticas para navegar sistemas arquivísticos, conectar eventos passados a histórias atuais e descobrir verdades há muito enterradas que reformulam nossa compreensão dos acontecimentos presentes.
Confira todos os brasileiros presentes neste site.
E, neste site, estão os materiais compartilhados das palestras de todos os presentes.
A Global Investigative Journalism Conference é organizada a cada dois anos pela GIJN, que atua como um hub internacional para jornalistas investigativos, com 250 organizações-membros em 91 países. A edição de 2025 foi a primeira realizada na Ásia, co-organizada pela GIJN e pelo Malaysiakini, veículo de notícias independente da Malásia.
O evento contou com mais de 300 palestrantes e 150 sessões, incluindo painéis especializados e workshops práticos sobre temas como jornalismo de dados, técnicas investigativas, crimes financeiros, investigações climáticas, segurança de jornalistas e uso de IA no jornalismo investigativo.
Principais destaques do GIJC25
Discurso de abertura de Maria Ressa
A abertura oficial do GIJC25 contou com um poderoso discurso de Maria Ressa, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 2021 e co-fundadora do Rappler, nas Filipinas. Ressa fez um chamado para que a comunidade de jornalismo investigativo adote uma "colaboração radical" e use a crise atual como uma oportunidade para impacto e sobrevivência.
Em um momento global de autoritarismo desenfreado, oligarcas de tecnologia encorajados, congelamento de financiamento de mídia e ataques cibernéticos e físicos a jornalistas, Ressa usou seu discurso para alertar que muitas liberdades de imprensa podem ter apenas um ano antes de serem perdidas para sempre.
"Quero dizer por que permaneço otimista, por que acho que podemos fazer isso", disse Ressa. "É porque o homem que tentou me prender e fechar o Rappler foi preso em março deste ano e agora está em Haia por crimes contra a humanidade. Então, vejam: se vocês continuarem fazendo seus trabalhos e colaborarem juntos, a impunidade acaba."
Ressa também alertou sobre as consequências da guerra global contra os fatos perpetrada por algoritmos de tecnologia: "Sem fatos não se pode ter verdade; sem verdade não se pode ter confiança. Sem isso, não se pode resolver problemas existenciais como as mudanças climáticas. Não se pode ter democracia."
Gustavo Gorriti e a investigação sob repressão
Outro destaque foi a palestra do peruano Gustavo Gorriti, diretor do IDL-Reporteros, que compartilhou décadas de experiência investigando corrupção na América Latina. Gorriti, que foi sequestrado por agentes de inteligência militar no início dos anos 1990 por suas investigações sobre o governo de Alberto Fujimori, falou sobre encontrar um equilíbrio entre se manter seguro como jornalista e sempre buscar e publicar informações que os poderosos querem esconder.
Gorriti e sua equipe ajudaram a descobrir o escândalo da Odebrecht, a maior investigação de corrupção da história da América Latina, que levou à acusação de quatro ex-presidentes peruanos. Seu trabalho rendeu à equipe do IDL-Reporteros o Global Shining Light Award da GIJN em 2019.
Apesar de continuar sendo alvo de campanhas de desinformação, investigações judiciais consideradas politicamente motivadas e até ameaças de morte, Gorriti permanece ativo na defesa do jornalismo investigativo. "Como jornalista investigativo, você não precisa apenas pesquisar profundamente suas histórias e fazer verificação de fatos repetidamente, mas também defender suas histórias quando elas estão sendo atacadas por desinformação, e em algum momento isso também significará defender a si mesmo", disse ele durante o evento.
Global Shining Light Awards
O GIJC25 também foi palco da cerimônia do Global Shining Light Award, que homenageia investigações corajosas em países em desenvolvimento ou sob condições de ameaça. A competição atraiu 410 inscrições de 97 países.
Entre os vencedores na categoria de grandes veículos, destacou-se a investigação "Tráileres, Trampa Para Migrantes" (Caminhões de Carga: Armadilha para Migrantes), uma colaboração de sete meses entre Noticias Telemundo, El CLIP, ICIJ, Bellingcat e outros veículos que expôs abusos sistêmicos e letais no uso de caminhões de carga para transportar migrantes através do México.
Também foi premiada a investigação "Los Vuelos de la Muerte" (Voos da Morte), da Mongabay Latam, que descobriu uma rede de 67 pistas de tráfico de drogas em três regiões amazônicas do Peru, bem como as ligações entre essas rotas de exportação e uma campanha de violência e assassinatos contra líderes e comunidades indígenas.
Ameaças ao jornalismo global
O evento ocorreu em um momento crítico para a liberdade de imprensa mundial. Maria Ressa lembrou que "este é o ano mais mortal para jornalistas — mais de 210 mortos apenas em Gaza". A conferência incluiu diversos painéis sobre segurança de jornalistas, proteção de fontes, estratégias para reportar sob regimes autoritários e como lidar com campanhas de desinformação direcionadas a repórteres.
A diretora-executiva da GIJN, Emilia Díaz-Struck, resumiu o espírito do evento: "Apesar de todos esses desafios que enfrentamos — democracia retrocedendo, guerras, mais jornalistas no exílio — estamos vivos; somos resilientes; e estamos fazendo o jornalismo investigativo que é fundamental para a sociedade: responsabilizando os poderosos."