- 13.11
- 2020
- 10:52
- Letícia Kleim*
Formação
Liberdade de expressão
Acesso à Informação
Assédio on-line precisa ser documentado
Sabemos que os ataques a jornalistas que ocorrem no ambiente digital são marcados pela impunidade e que, mais do que isso, muitos nem sequer são denunciados ou levados às autoridades. Os processos judiciais e meios de denúncia podem ser demorados e desgastantes, porém são uma via para tentar mudar essa realidade. Mas como buscar proteção e reparação nesses casos?
O primeiro passo é a coleta de provas e evidências para fundamentar a denúncia. Isso deve ser feito capturando telas (printscreens), baixando conteúdos, guardando links de postagens, perfis e outras informações que podem eventualmente ser retiradas do ar pelo agressor. Tudo pode ser registrado em cartório por meio de ata notarial.
Outras medidas de coleta de documentos e provas podem ser feitas com auxílio de advogados, como a investigação defensiva ou medidas judiciais para identificar um usuário anônimo que seja autor de ataques. A cartilha da Abraji e OAB mostra como essa ajuda pode ser concretizada.
Com a documentação em mãos, a vítima pode tomar algumas ações tanto na esfera cível, quanto na esfera penal, visto que muitos ataques digitais podem ser enquadrados em diversos tipos penais. Por isso, conhecê-los pode ser um importante passo para procurar alguma medida judicial.
Os mais recorrentes são os crimes contra a honra relacionados com a desinformação, o discurso de ódio e o ataque massivo, além da ameaça ou intimidação (art. 174 do Código Penal). Pode configurar calúnia (art. 138, Código Penal) a situação de uma falsa afirmação sobre o cometimento de algum crime. Já quando alguém é desacreditado publicamente, pela divulgação de um fato que pode ser verdadeiro ou não, é tratado no direito penal como difamação (art. 139, CP). E o crime de injúria (art. 140, CP) está mais ligado aos discursos de ódio e xingamentos, tendo o caso especial da injúria preconceituosa quando a ofensa está baseada em uma discriminação de raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
Há também os crimes como estelionato (art. 171, CP), que ocorrem se a prática violenta propiciou ao autor algum benefício econômico, ou se este faz uso das redes sociais para induzir outro a erro. O crime de falsa identidade (art. 307, CP) pode ocorrer quando o ataque vier de uma conta falsa ou bot, e também os crimes de incitação (art. 286, CP) e apologia ao crime (art. 287, CP).
Em todos esses casos, as autoridades públicas devem ser comunicadas, o que pode ser feito por registro de Boletim de Ocorrência (BO) com a descrição dos fatos, em delegacias da Polícia Militar ou Civil, ou ainda em delegacias especializadas, se presentes na região de residência da vítima. Em São Paulo, por exemplo, para crimes contra a honra, há um formulário online para registrar um BO.
A notícia-crime é outra forma de comunicação de crimes às autoridades públicas. A grande maioria dos crimes, pela natureza do direito penal ser de interesse público, se encaixam no caso de “ação penal de iniciativa pública”, isto é, aquelas em que o Ministério Público é responsável por dar início à ação penal. A notícia-crime é a provocação para o início de uma investigação e, eventualmente, para que a promotoria ofereça denúncia contra os suspeitos perante a justiça. Como exceção, há alguns tipos penais em que, se o Ministério Público não tomar a iniciativa, o ofendido pode ingressar com a ação penal por meio de seu advogado.
No entanto, a legislação prevê um procedimento diferente em alguns crimes, enxergando que o processo criminal poderia causar ainda mais danos à vítima se fosse movido independentemente pelo Estado. É o caso típico dos crimes contra a honra, em que a vítima dá início à ação penal de maneira privada, com o oferecimento de queixa-crime por meio de seu advogado. Somente casos de injúria com lesão corporal leve ou injúria preconceituosa se encaixam naquela exceção mencionada anteriormente de ações que dependem inicialmente de representação do Ministério Público, mas que subsidiariamente podem ser movidas pelas vítimas.
A vítima também pode procurar o auxílio de um advogado ou da Defensoria Pública (a depender dos critérios para atendimento) e ingressar com uma ação cível. No caso de uma situação urgente, a vítima pode requerer uma determinação judicial para que cessem as violações ainda em curso, se ferirem os direitos da personalidade. A responsabilização do agressor e a condenação à reparação de danos é outro pedido recorrente, motivado pela necessidade de compensação pelo dano moral. Outros pedidos possíveis são a retratação pública e a identificação do usuário.
*Assessora jurídica da Abraji