- 19.06
- 2017
- 14:39
- Mariana Gonçalves
Formação
Argentino conta no Congresso da Abraji como funciona a redação gerida pelos próprios jornalistas
O jornalista, subeditor do jornal Tiempo Argentino e presidente da cooperativa Por Más Tiempo, Javier Borelli, vem ao 12º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo contar “o que acontece quando a redação toma o controle do jornal”. Seu painel acontece no sábado, 1º de julho, das 14h às 15h30. Borelli será entrevistado por Martín Fernandez, do Globo Esporte.
Na ocasião, o jornalista falará da experiência com a Por Más Tiempo, organização que, desde o início de 2016, gerencia o diário Tiempo Argentino. A cooperativa, formada exclusivamente pelos trabalhadores do jornal, “tomou” o Tiempo quando ele estava para ser fechado. Com um modelo de negócio distinto, o veículo faz uma edição digital de segunda a sábado e põe em circulação uma versão impressa aos domingos. Por acreditarem na independência editorial, os jornalistas o mantêm com parcerias que eles mesmos fazem e a contribuição de leitores “sócios”.
“A cooperativa foi criada logo que os donos do Tiempo Argentino levaram a cabo um processo de esvaziamento da empresa, que se iniciou com a interrupção do pagamento de nossos salários em dezembro de 2015”, diz Borelli. Na época, os jornalistas fizeram reclamações junto aos proprietários, à Justiça e ao Ministério do Trabalho, mas não conseguiam respostas das autoridades. Ao mesmo tempo, permaneciam na redação, a fim de evitar o fechamento definitivo do jornal, e organizavam manifestações nas ruas.
A admiração do público e a conquista de novos leitores, com a visibilidade da causa, fez com que Borelli e os colegas alimentassem a ideia de manter o jornal de modo autogestionado. Nesse contexto, em março de 2016, os jornalistas apostaram numa edição especial do Tiempo sobre o aniversário do golpe militar na Argentina e venderam 35 mil exemplares. “O Tiempo era um jornal comprometido com os direitos humanos; aí estava grande parte de nosso público”, conta Borelli. Com o dinheiro, pagaram os quatro meses de salário atrasados e decidiram financiar a impressão das primeiras edições do novo veículo que surgiria: embora continuasse como o Tiempo Argentino, agora o jornal seria gerido por uma nova organização – justamente a Por Más Tiempo.
Após a mudança, “o diário passou a ser muito observado e ampliou seu público a um setor muito grande, que se identificou com nossa luta por seguir fazendo jornalismo. O contexto que enfrentamos na Argentina, com o crescimento de desemprego, desvalorização da moeda, aumento das tarifas dos serviços públicos, mudanças nas políticas de direitos humanos e acordo do governo com os principais veículos de massa, nos transformou em uma das poucas vozes que denunciavam o que acontecia”, diz Borelli.
Atualmente, 70% do lucro da cooperativa é obtido pelo apoio dos leitores e as tarefas no jornal foram reorganizadas. Além do conteúdo, os jornalistas agora cuidam das áreas empresarial e industrial do veículo. “Passamos a vender publicidade, negociar com a gráfica, falar com os distribuidores, nos encarregar da limpeza e da segurança e criamos um novo sistema de pagamento”, diz Borelli. “Isso nos fez sentir muito mais responsáveis pelo jornalismo que produzimos”.
“A Argentina tem uma tradição de mais de vinte anos na recuperação de empresas pelos seus trabalhadores”, diz o jornalista. “Não havia experiências assim em meios de comunicação, mas nossos principais guias foram outras fábricas recuperadas.” Desde que o Tiempo se tornou uma cooperativa, outros três jornais argentinos – La Mañana de Córdoba, Ciudadano de Rosario e La Portada de Esquel – e dois portais de notícias – Infonews e El Argentino Zona Norte – apostaram no modelo após terem sido fechados.
Para Borelli, depois de mostrar que sustentar um veículo autogestionado é possível, o desafio da cooperativa agora é dar mais um salto. “Queremos nos tornar um veículo multi-plataforma, para que, em alguns anos, fiquemos independentes da edição impressa”, diz. Além disso, a cooperativa quer montar uma “rede de veículos autogestionados ou sem fins lucrativos” que possa pensar propostas em conjunto e se consolidar a níveis regional e intercontinental. “Os casos Odebrecht e Panama Papers nos mostraram que muito da cobertura local ocorre fora de nossas fronteiras; para fazê-la, precisamos de bons veículos de todos os lados. Começamos com pouco, mas temos grandes ideias em mente”, continua.
“Hoje, o Tiempo é impresso em uma gráfica recuperada e tem uma cooperativa que o representa legalmente e controla sua contabilidade. Também melhoramos a qualidade de nosso conteúdo ao sermos realmente independentes do poder político e econômico. Isto é importante: mostrar que se pode fazer jornalismo sério e comprometido antes com os seus valores que com os interesses do patrão. Não estamos ensinando ninguém como fazer, mas acho que nossa experiência pode abrir a cabeça para se pensar outras formas de se trabalhar com jornalismo”, pontua.
O 12º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo acontece de 29 de junho a 1º de julho na Universidade Anhembi Morumbi, unidade Vila Olímpia, em São Paulo. Com mais de 60 painéis e oficinas, o evento dura das 9h às 17h30 nos três dias. As inscrições estão abertas até 26 de junho e podem ser feitas em congresso.abraji.org.br.
Serviço
12º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo
Universidade Anhembi Morumbi
Rua Casa do Ator, 275, Vila Olímpia – São Paulo, SP
29 de junho a 1º de julho de 2017
Inscrições até 26 de junho em congresso.abraji.org.br
(Foto: Sonia Donnarumma/ANCOM)