- 20.04
- 2010
- 18:14
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Aprovação de projeto de lei de acesso pelo Senado deve ocorrer só depois das eleições de outubro
Com a aprovação do projeto de lei de acesso à informação (PL 5.228/2009) pela Câmara dos Deputados no último dia 13, o Brasil ficou um passo mais próximo de garantir à população mecanismos para exigir dados retidos pelo governo. O projeto ainda precisa ser aprovado pelo Senado. Segundo a liderança do governo no Senado, isso deve ocorrer só depois das eleições de outubro.
“Indo [o projeto de lei] para o Senado, não justifica que eles demorem mais um ano, sendo que a Câmara já fez a maior parte do trabalho. Isso depende de o Executivo fazer com que o projeto ande rápido”, afirma Cláudio Weber Abramo, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil. O documento atual é resultado dos trabalhos de uma Comissão Especial que, por meio de uma série de audiências públicas, reformulou o projeto de autoria do Executivo, enviado ao Congresso em maio de 2009.
Segundo o chefe de gabinete da liderança do governo, Hélio de Sá, embora o Executivo tenha interesse em aprovar o PL, a prioridade deve ser dada aos quatro projetos do Pré-sal. Para Sá, o PL 5.228/2009 não deve ser aprovado antes das eleições. “O tempo será breve, as votações serão rarefeitas e a tramitação será claudicante, pois a matéria suscita muita polêmica”, diz.
Dever de informar
Para o diretor-executivo daTransparência Brasil, o projeto de lei “regula não só o direito de acesso à informação, mas o dever do Estado de informar”. O PL também acaba com o sigilo eterno, e limita a 50 anos o prazo máximo para que um documento não possa ser aberto ao público.
Se aprovada, a lei obrigará ainda órgãos públicos – federais, estaduais e municipais – a fornecerem proativamente informações, preferencialmente por meio de sites na internet. O projeto de lei, mais do que dar acesso à informação já disponível, também faz com que essa informação seja produzida e organizada. “É inútil as pessoas terem acesso à informação se ela não for coletada pelos órgãos públicos”, diz Abramo.
Segundo Mariana Haubert, do Fórum de Direito de Acesso à Informação, o PL também prevê que qualquer pessoa tenha a possibilidade de requisitar informações, não sendo obrigada a fornecer nenhum dado pessoal. O órgão público teria 20 dias para levantar e fornecer a informação desejada, sendo que este e os administradores que falharem em fornecer os dados sofreriam sanções. Para Fernando Rodrigues, presidente da Abraji e também membro do Fórum, ao estipular um prazo concreto para que as informações sejam fornecidas, “a lei representa a consolidação da regra que já existe na Constituição”. O direito ao acesso à Informação pública é tratado nos artigos 5º, 37º e 216º da Constituição Federal.
A quem recorrer
Uma questão em aberto, no entanto, é sobre qual órgão público recairia o dever de fazer com que a lei seja cumprida. “No modelo atual, as pessoas podem recorrer a uma instância superior do próprio órgão [que negou informações]. Isso é um problema, porque cada órgão reporta a si mesmo”, diz Haubert.
Segundo Rodrigues, o projeto de lei sugere que órgãos como a Controladoria-Geral da União e a Comissão de Averiguação e Análise de Documentos cumpram esse papel. “Cabe aos órgãos públicos trabalharem para se adequarem à lei e à população cobrar para que isso aconteça”, diz.
No livro “Liberdade de Informação: um estudo de direito comparado”, que apresenta uma visão geral sobre a área e analisa a legislação em 14 países, o canadense Toby Mendel, da ONG Artigo XIX, afirma que na ausência de um órgão independente aos quais a população possa recorrer, “não se pode de fato dizer que os indivíduos têm direito de acesso à informação mantida por órgãos públicos, mas um mero direito de apreciação de seus pedidos de informação”. A obra foi lançada no Brasil pela Unesco e pode ser baixada aqui.
Abramo destaca, no entanto, que, pelo fato de a lei ser federal, ela não poderia definir como Estados e municípios a aplicam, muito menos criar um órgão responsável por aplicá-la nas três esferas. “No Brasil há autonomia entre as esferas. Na federal, a lei estabelece que é a Controladoria-Geral da União que deve cumprir esse papel [de aplicar a lei], mas cada uma deve estabelecer seu mecanismo”, afirma.
Fim do sigilo eterno
Outra mudança importante que o projeto de lei deve trazer é o fim do sigilo eterno. No momento, os documentos que são classificados como ultra-secretos ficam fora do alcance do cidadão por um prazo indefinido. Com o PL, o prazo máximo para a classificação de documentos ultra-secretos é de 50 anos (25 prorrogáveis por uma única vez). Além disso, os órgãos públicos serão obrigados a fornecerem uma relação constando a data em que cada documento foi classificado.
“Pode parecer algo simples, mas hoje, no Brasil, nós, cidadãos, não sabemos quantos documentos em sigilo existem. Se não sabemos quando o documento foi colocado em sigilo, como cobramos pela sua abertura?”, destaca Rodrigues.
Durante os trabalhos da Comissão Especial, que funcionou de 2 de setembro de 2009 e 24 de fevereiro de 2010, sobre o projeto de lei, houve pressão de setores como o Itamaraty para que o sigilo eterno fosse mantido, ou para que o prazo máximo de sigilo fosse ampliado, sob a alegação de que informações sensíveis como as relativas à Guerra do Paraguai e à demarcação das fronteiras brasileiras seriam expostas.
Abramo é crítico quanto à polêmica que surgiu em torno do tema. “Perto da obrigatoriedade de disponibilização de informações atuais, isso não tem importância. Questões como a Guerra do Paraguai são ínfimas perto do que a lei de acesso à informação proporciona. É possível encontrar exemplos de aplicação em qualquer coisa que o Estado faça”, diz.
Abraji
Rodrigues destaca o papel que a Abraji teve em prol do direito de acesso. “A Abraji foi pioneira nessa discussão no Brasil e defendeu de maneira intransigente todas as mudanças que julgou necessárias. A Abraji vai continuar a cobrar, dentro dos fóruns devidos, o acesso à informação pública e festeja o interesse do Congresso pelo assunto”.