- 21.05
- 2019
- 16:00
- Natália Silva
Liberdade de expressão
Após 21 anos, suspeito de matar jornalista na Bahia é julgado pelo crime pela segunda vez
Vinte e um anos se passaram desde que Manoel Leal de Oliveira, jornalista e dono do jornal A Região, foi morto com seis tiros na porta de sua casa em Itabuna (BA) no dia 14.jan.1998. Na próxima quarta-feira (22.mai.2019), Marcone Sarmento, um dos três suspeitos de cometer crime, será julgado novamente após a absolvição dada pelo júri popular em 2005 ter sido anulada a pedido do Ministério Público. Os outros dois suspeitos foram julgados em 2003. Thomás Iracy foi inocentado por falta de provas e o policial civil Monzar Brasil foi condenado a 18 anos de prisão.
À época, o assassinato do jornalista teve repercussão nacional e internacional. Sarmento, que já havia sido preso por homicídio e estava foragido, só se entregou à polícia e foi submetido ao primeiro julgamento após ter a foto de seu rosto divulgada no Jornal Nacional.
Quando foi morto, Oliveira investigava o envolvimento do então prefeito de Itabuna Fernando Gomes de Oliveira com o chefe de polícia Gilson Prata, contratado irregularmente e de quem Monzar Brasil, o único condenado pelo crime até hoje, era assessor direto. Segundo a acusação, Sarmento era “faz tudo” da secretária municipal de Governo Maria Alice Araújo. Há suspeitas de que o mandante do crime tenha sido o prefeito, mas a acusação nunca foi feita por falta de provas.
As investigações do homicídio do jornalista foram reabertas em abril de 2010 após pressão feita por Marcel Leal, filho do jornalista, e pela Unidade de Resposta Rápida (URR) da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). A SIP apresentou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que recomendou ao Estado que pagasse indenização à família do jornalista — o que aconteceu em abr.2010 — e retomasse as investigações.
Leal afirma que a intensa cobertura do caso contribuiu para que nenhum outro jornalista fosse morto na cidade desde então. “Ficou menos perigoso fazer jornalismo em Itabuna”, comenta. Hoje, porém, tanto Leal quanto o promotor de Justiça Cassio Marcelo de Melo — que participou dos julgamentos em 2003 e 2005 — apontam que o novo júri recebeu pouca atenção. “A cobertura do caso seria muito importante para que as pessoas em geral, incluindo os jurados que participarão do julgamento, possam ter uma ideia realista da importância desse crime”, afirma Melo. Desta vez, o júri acontecerá em Salvador (BA), não em Itabuna, onde tanto o assassinato quanto os envolvidos são menos conhecidos pela população.
O filho do jornalista, que seguiu a profissão do pai “por teimosia” e hoje comanda, além do jornal, a rádio Morena FM, considera positivo que o júri de Marcone Sarmento aconteça em Salvador, a 436 km de Itabuna. Segundo ele, muita coisa mudou na cidade nesses anos, com exceção dos grupos políticos que se alternam no poder. Fernando Gomes de Oliveira (DEM) foi eleito prefeito de Itabuna pela quinta vez em 2017 e Maria Alice Araújo, para quem Sarmento trabalhava, voltou ao cargo de secretária municipal. “O primeiro júri foi manipulado, 6 dos 7 jurados eram ligados à prefeitura”, diz Leal.
O promotor Melo concorda e diz que a distância física contribui para que, desta vez, a decisão do júri não sofra influência de “pressões locais”.
Melo diz que a expectativa para o novo julgamento são as “melhores possíveis”, já que a absolvição do réu em 2005 foi considerada equivocada pelo Tribunal de Justiça da Bahia, responsável por determinar a reabertura do caso. Mas segundo o promotor, o julgamento será prejudicado tanto pela ausência do réu que, segundo a defesa, não irá a Salvador, quanto pela ausência das testemunhas que participaram dos julgamentos anteriores, mas não foram encontradas. Leal, que continua a viver em Itabuna, conta que algumas pessoas ligadas ao caso deixaram a cidade por “medo de morrer”.
A ausência das testemunhas poderia ser contornada pela exibição das gravações dos julgamentos anteriores, filmados integralmente pelo Ministério Público Federal, mas mudanças na lei impedem que isso seja feito. Além disso, as cópias das fitas se deterioraram ao longo dos anos. Leal, que sempre acompanhou os julgamentos de perto, não participará desta vez. A distância, que custa caro para ser transposta, é o motivo. Em Itabuna, o filho de Oliveira continua a fazer o que o pai fazia anos atrás: vigia o poder e persiste no jornalismo local, mantendo o jornal e o rádio ativos, apesar de dificuldades financeiras.
Caso Sarmento seja condenado amanhã em Salvador, o processo segue para a Vara do Júri de Itabuna, responsável pelo caso, onde será decidido se o réu será preso preventivamente. Leal acredita que se a prisão for feita na cidade em que ocorreu o crime, será como se Sarmento continuasse solto. O promotor Melo ressalta, no entanto, que é um direito que os presos sejam mantidos próximos de seus familiares que, no caso de Sarmento, continuam a viver em Itabuna.