• 20.06
  • 2011
  • 13:44
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Andrei Netto fala como um treinamento o preparou para as situações de perigo que viveu na Líbia

O jornalista Andrei Netto, de “O Estado de S. Paulo”, já pode dizer que teve um ano repleto de emoções. Foi o enviado especial do jornal para cobrir o conflito no mundo árabe e ficou conhecido como o repórter brasileiro preso na Líbia.

Ele vem ao 6º Congresso Abraji discutir medidas de proteção para jornalistas junto com Marcelo Moreira (TV Globo/Abraji), João Paulo Charleaux (Última Instância), Sandra Lefcovich (Comitê Internacional da Cruz Vermelha), e Rodney Pinder (International News Safety Institute) no curso que acontecerá durante toda quinta-feira, 30 de junho.

Andrei Netto havia participado de um treinamento na Argentina, antes mesmo de trabalhar no Estadão. Essa única experiência, segundo ele, já foi um diferencial quando se deparou com zonas de conflito. “Cobrindo violência urbana ou conflitos agrários no Brasil eu já havia empregado algumas orientações de segurança. Na Líbia, desde minutos antes da prisão, quando estava claro para mim que estávamos em uma armadilha e provavelmente sem saída, essas instruções afloraram, como se fossem parte de um comportamento óbvio”, lembra.

Segundo ele, o curso tem extrema importância no Brasil, um país repleto de conflitos. “A Abraji acerta em cheio ao se preocupar com esse assunto. Não basta apenas estimular o jornalismo investigativo, de campo. É preciso também estimular a segurança”, conclui.

 

Leia abaixo a entrevista em que ele fala mais sobre sua prisão, seu treinamento e a participação no Congresso Abraji:

 

Você já havia recebido treinamento?

Sim. Antes de trabalhar no Estadão eu fui indicado pelo jornal no qual trabalhava para participar de um curso de jornalismo em regiões hostis organizado pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e pelo Centro Argentino de Entrenamiento Conjunto para Operaciones de Paz (CAECOPAZ ) nos arredores de Buenos Aires. O curso simulava com bastante verossimilhança situações de conflitos urbanos e trazia também algumas noções importantes para um jornalista se virar em regiões rurais, desérticas ou de matas. Foi muito útil. Dois exercícios de treinamento foram particularmente úteis: a simulação de cerco militar e o de sequestro.

 

Em sua opinião, esse treinamento faz diferença na hora da cobertura na Líbia?

Sem sombra de dúvida. A Líbia não foi a primeira vez em que usei instruções recebidas nesse curso. Na realidade, cobrindo violência urbana ou conflitos agrários no Brasil eu já havia empregado algumas orientações de segurança. Na Líbia, desde minutos antes da prisão, quando estava claro para mim que estávamos em uma armadilha e provavelmente sem saída, essas instruções afloraram, como se fossem parte de um comportamento óbvio. Não reagir, manter-se calmo, saber encarar com algum sangue frio as ofensas e agressões – que são uma tática de semear o medo e o desespero –, esperar o momento certo para falar, para eventualmente abrir negociações, responder de forma enfática e confiante os interrogatórios... tudo isso vem à tona.

 

Como foi o seu processo de prisão?

Estávamos havia mais de uma semana no interior do país, avançando desde a cidade de Dehiba, na fronteira da Tunísia, em direção a Trípoli, nosso objetivo final. Nenhum jornalista da imprensa internacional havia estado na região Oeste do país até então. Gaddafi assegurava que a insurreição em Benghazi se limitava a uma região minoritária no leste da Líbia, e que todo o oeste do país estava sob seu controle. Nós provamos que não. Estávamos a poucas dezenas de quilômetros da capital, Trípoli, e todas as cidades pelas quais passávamos tinham se levantado contra o poder. Em uma de nossas últimas etapas antes de tentar ingressar em Trípoli – as autoridades não haviam aceitado nossos pedidos de vistos –, passamos uma noite na cidade de Sabratha, a cerca de 60km da Capital. Era enfim uma cidade pró-Gaddafi, o que elevava o risco para o nosso trabalho. Na primeira noite, nos abrigamos em um galpão de uma pequena fazenda e tudo correu bem. Na segunda, após várias tentativas de ultrapassar checkpoints que nos permitiriam entrar na cidade vizinha de Zawya, tivemos de abortar os planos e pernoitar no centro. Lá, fomos traídos, capturados por milicianos pagos pelo regime e entregues ao serviço secreto civil e, finalmente, ao serviço secreto das forças armadas.

 

Sua experiência foi muito diferente de repórteres da BBC e do NYT. Por que acha que isso aconteceu?

Isso é reflexo da instabilidade das instituições do país neste momento, a meu ver. Tudo pode acontecer, porque a Líbia é há 40 anos um país sem lei, e está em especial neste momento. O “julgamento” é feito por quem lhe prende. E pode resultar na prisão incomunicável, como foi meu caso, ou em atos ostensivos de tortura, como a equipe da BBC enfrentou. É muito provável que haja algum tipo de orientação específica do regime em relação ao tratamento a jornalistas, ou a cada jornalista. Mas não tenho como provar.

 

Você consegue pensar em medidas que talvez evitassem a prisão?

Não entrar no país poderia ter evitado a prisão, mas nós não teríamos lançado luzes sobre a gravidade do conflito no oeste do país, onde cidades estão cercadas e populações estão sendo bombardeadas pelas forças de Gaddafi ainda hoje. Eu sou um jornalista preocupado com os riscos, com a segurança, mas, para ser honesto, não mudaria os passos que dei no interior da Líbia. Se soubesse que seríamos presos em Sabratha, é claro que teria tomado outras decisões. Mas essa é uma constatação fácil de fazer hoje, depois que tudo aconteceu. Além disso, não impediria que fôssemos presos em outro local.

 

Você já tinha experiência em zonas de conflito e demais situações de risco?

Sim. O Brasil é farto em zonas de conflitos e situações de risco para jornalistas. Se um repórter acumula alguns anos de reportagem cobrindo violência em favelas brasileiras ou conflitos agrários, por exemplo, ele já atravessou sérias zonas de conflitos e situações de risco. Quem vai a campo no Brasil e faz reportagem sobre os temas mais delicados do país já enfrentou situações de risco. É claro que um conflito armado no Oriente Médio é perigoso. Mas é preciso que olhemos para a realidade brasileira com a gravidade que ela exige. Jon Lee Anderson escreveu recentemente em uma reportagem para a revista The New Yorker que nunca se sentiu mais ameaçado do que nas favelas cariocas. Não preciso dizer mais nada.

 

Quais precauções um jornalista deve tomar diante de situações de risco?

É difícil enumerá-las assim, porque elas são dezenas. Muito já foi escrito sobre o assunto, e o jornalista precisa buscar essas informações antes de se lançar ao campo. Eu diria que a primeira precaução é cercar-se do maior volume de informação possível. Ela é chave de tudo. Além disso, é preciso sempre traçar múltiplos planos e sempre escolher os mais conservadores, os mais seguros. É óbvio que se deve pensar em equipamentos, como capacete, colete à prova de balas etc. Há uma infinidade de coisas. Prometo que falarei mais sobre o assunto no congresso da Abraji.

 

Por que é importante que jornalistas de diversas áreas tenham contatos com informações de prevenções de riscos?

Porque os riscos estão ao redor. Se um jornalista está previamente informado sobre procedimentos de segurança, ele tem reflexos para enfrentar adversidades, mesmo que cada situação seja única. Se um repórter vai ao Pará cobrir conflitos agrários ou disputa por terras, tem de estar ciente de que vai enfrentar riscos concretos. E o mesmo vale para quem vai a Paraisópolis. O Brasil não é um país pacífico, ao contrário do que Lula afirmava. Não vamos à guerra, mas a guerra está no meio de nós. Ou você acha normal que se ande em carros blindados em centros urbanos? É preciso ser realista.

 

O que os participantes podem esperar desse curso?

Diálogo.

 

Qual a importância do congresso abordar esse tema?

Por todas as razões que eu enumerei, pelo Brasil ser o país que é e pela conjuntura internacional estar na situação em que está, em especial no norte da África e no Oriente Médio, a Abraji acerta em cheio ao se preocupar com esse assunto. Não basta apenas estimular o jornalismo investigativo, de campo. É preciso também estimular a segurança.

 

6º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo
Quando: 30 de junho a 2 de julho de 2011
Onde: São Paulo - Universidade Anhembi Morumbi - campus Vila Olímpia - unidade 7 (Rua Casa do Ator, 275)
Inscrições: http://bit.ly/6congresso 

 

Assinatura Abraji