• 08.09
  • 2015
  • 13:24
  • IFEX

Ameaças online de assassinato e estupro: uma realidade diária para jornalistas mulheres

Artigo da representantes de Liberdade de Imprensa da Organização para Segurança e Cooperação na Europa, Dunja Mijatović (tradução: Abraji)

 

Nenhum emprego vem sem sacrifícios, mas quantos comentários degradantes, críticas ou mesmo ameaças uma pessoa pode receber antes que seja tarde demais?

Considere as experiências de uma jornalista mulher que eu conheço:

Ela teve o número de telefone compartilhado em sites de namoro, seu e-mail e outras contas foram hackeadas, ela recebe ameaças de morte no Skype, o site que publica seus artigos foi hackeado e um vídeo pornô sugerindo sua participação numa orgia sexual foi compartilhado. Artigos anônimos com mentiras sobre ela e sua família também foram postados.

Imagine ser forçada a desativar suas contas nas plataformas de mídia social por causa desse ataque massivo, com imagens detalhadas de estupro e outras formas de violência sexual.

Em algum ponto, provavelmente você se sentiria propenso a se perguntar se aquilo realmente valia a pena. É essa carreira que você quer continuar perseguindo?

Nos últimos anos, mais e mais jornalistas e blogueiras mulheres estão sendo forçadas a questionar suas profissões. Jornalistas homens também estão sujeitos aos discursos de ódio e abuso online, mas resultados de pesquisas sugerem que jornalistas mulheres sofrem ameças e assédios desproporcionais e baseados no gênero. Elas estão experimentando o que Irina Bokova, diretora geral da UNESCO, descreveu como um “ataque duplo”: estão sendo alvejadas por serem jornalistas e também mulheres.

Como esses ataques afetam a vida das profissionais, seus trabalhos e a sociedade no geral? Jornalistas costumam estar na fronteira de conflitos e, muitas vezes, lidam com situações difíceis, e até mesmo perigosas. Mas e se você não pudesse se proteger dessas ameaças? E se a fronteira virar sua própria porta de casa, seu escritório, a tela do seu computador? 

Esses ataques provocam não apenas traumas psicológicos severos para as profissionais e suas famílias, como também podem interferir nos assuntos que as jornalistas escolhem cobrir. Nesse ponto, tais ataques atribuem uma ameaça clara e presente para a liberdade de imprensa e a sociedade de modo geral.

Abusos online devem ser tratados dentro do cenário dos direitos humanos atuais, com governantes comprometidos a proteger a segurança de jornalistas, e chamando a atenção para a discriminação de gênero. Governantes devem garantir que os órgãos que aplicam as leis entendam a severidade do assunto e estejam equipados com o aparato necessário para investigar de forma mais eficiente, e para processar ameaças e abusos online.

É preciso reconhecer que ameças on-line são tão reais e inaceitáveis quanto as que acontecem no mundo real. A resolução 20/8 da liberdade na internet adotada pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em 2012, afirmou que “os mesmo direitos que as pessoas têm fora da rede também devem estar projetados de maneira on-line, a liberdade de expressão em particular”, e definiu um caminho claro a esse respeito.

A responsabilidade de combater o abuso on-line de jornalistas mulheres, no entanto, não é apenas das agências de aplicação da lei. A própria imprensa, em sentido mais amplo, tem um papel importante. Um dos desafios para os meios de comunicação é como melhorar a qualidade da moderação de conteúdo sem invocar a censura.

Sarah Jeong, advogada, jornalista e autora de A Internet do Lixo, fornece um contexto adequado: “a moderação, paradoxalmente, aumenta o número de vozes ouvidas, porque alguns tipos de discursos desencorajam outros discursos. A necessidade de moderação soa contrária à liberdade de expressão, mas por vezes a moderação ajuda a gerar mais liberdade.”

Os meios de comunicação precisam encarar as estruturas e estratégias atuais para oferecer ajuda e alívio para jornalistas que encaram abuso online. Uma pesquisa recente com jornalistas mulheres nos países da OSCE (Organização para Segurança e Cooperação na Europa) realizada pelo meu escritório sugeriu que a sensibilização dos empregadores e a participação ativa em lidar com esses problemas é de importância crucial. Infelizmente, a pesquisa também indicou que os meios de comunicação não estão tão envolvidos como deveriam estar.

Organizações internacionais também deveriam dedicar recursos para resolver essa questão, dado seu grande alcance e sua rede de parceiros. O trabalho da UNESCO relacionando aspectos de gênero à segurança no jornalismo serve como um bom exemplo. Em seu relatório recente Construindo Segurança Digital para Jornalistas, abusos online de mulheres jornalistas estavam apontados como um dos maiores desafios em construir segurança digital.

Neste ano eu tentei usar meu mandato e as ferramentas que me foram dadas, como representante de Liberdade na Mídia da OSCE, para conseguir a participação dos países da OSCE. Nós precisamos perceber que diferentes partes interessadas encaram desafios diferentes, mas que cada parte envolvida é um pedaço crucial no quebra-cabeças de identificar soluções.

Para aprofundar a discussão na proteção de jornalistas mulheres na região da OSCE, em 17 de setembro meu escritório vai sediar uma conferência, Novos Desafios para a Liberdade de Expressão: Combatendo o Abuso de Jornalistas Mulheres, para prover um espaço de discussões em melhores práticas e recomendações para combater essa tendência perigosa. O evento vai ser transmitido online em osce.org e contará com apresentação de especialistas de alto nível de todo o mundo.

Assinatura Abraji