- 31.08
- 2017
- 15:37
- Mariana Gonçalves
Liberdade de expressão
Ameaças e campanhas difamatórias atingem jornalistas em El Salvador
As redes sociais de El Salvador viram circular, na semana passada, mensagens ameaçando jornalistas após a publicação da reportagem "En la intimidad del escuadrón de la muerte de la Policía", pela revista Factum. Tanto os autores do texto quanto jornalistas do diário El Faro foram citados nas postagens. A reportagem aponta a existência de grupos de extermínio na Polícia Nacional, fato noticiado outras vezes no passado, mas nunca antes investigado.
Não é o primeiro registro de ameaças a jornalistas salvadorenhos, e desta vez os ataques motivaram o editorial “Culpar al mensajero”, publicado pelo jornal El Faro na última segunda-feira (28.ago.2017).
O texto denuncia ameaças, intimidações e campanhas de difamação promovidas contra o próprio veículo e outros meios de comunicação em El Salvador. As acusações vêm de todos os lados: da sociedade, de funcionários e de autoridades públicas. “Nos acusam de exagerar, de mentir, de atender a interesses partidários, de pertencer a organizações ideológicas, de proteger delinquentes e até mesmo de sermos aliados das milícias”, diz o editorial.
A reportagem da Factum apresentava evidências da existência de grupos de extermínio formados por membros da Policía Nacional Civil de El Salvador, os quais, amparados na impunidade, promoviam a execução sistemática de suspeitos e cometiam atos de extorsão e abuso sexual. O El Faro já vinha escrevendo sobre o tema, mas após a publicação da Factum quatro agentes da PNC foram detidos, e a instituição deu início a uma investigação interna.
Os jornais salvadorenhos El Mundo e La Prensa Gráfica repercutiram as ameaças. O mais alarmante, diz o El Faro, é que parte das mensagens provinha de contas aparentemente vinculadas a policiais, “usadas habitualmente por esses mesmos grupos de extermínio para exibir fotografias dos corpos de suas vítimas”.
Além disso, o jornal relata que, nos últimos dias, homens que se diziam ligados à polícia e a outros órgãos públicos foram às redações do El Faro e da Factum. Ocorreram quatro episódios do tipo. Em alguns dos casos, as pessoas não se identificaram propriamente, e as redações se recusaram a recebê-los.
As ameaças levaram a Procuradoria de Defesa dos Direitos Humanos de El Salvador a ordenar medidas protetivas para os jornalistas da Factum. No entanto, “apesar das muitas denúncias que fizemos, as autoridades ainda não investigaram nenhuma das ameaças”, diz o jornalista e fundador do El Faro, Carlos Dada, em entrevista à Abraji por e-mail.
Até agora, nenhuma figura do Executivo ou da Policía Nacional Civil tomou posição oficial nem se comunicou com as redações sobre os casos. O vice-presidente da República, Óscar Ortiz, chegou a dizer em público que se deveria “bater na madeira para que algo de ruim não acontecesse com um jornalista”. O presidente da Câmara dos Deputados e uma das principais cabeças do governo, Sigfrido Reyes, por sua vez, endossou a campanha de descrédito contra os jornalistas em sua conta no Twitter. Em outra ocasião, o presidente da República, Salvador Sánchez Céren, acusou as mídias de estarem conduzindo uma campanha de “terror psicológico” contra o governo.
Mas “as ameaças não se iniciaram com este governo”, continua Dada. “As autoridades de segurança pública têm permitido, há muitos anos, que os policiais ajam impunemente. Isso não é novo.”
No editorial, o El Faro aponta que as ameaças e agressões contra os jornalistas se acirraram em 2015, depois de o jornal ter denunciado casos de tortura em uma das unidades da PNC e um massacre em El Salvador de autoria policial. Mas já em 2012 o El Faro recebia ameaças por reportagens que publicava. Até hoje, não foi esclarecida a autoria das hostilidades.
Em resposta aos ataques recentes, o Comitê de Proteção aos Jornalistas e a Sociedade Interamericana de Imprensa manifestaram preocupação com o jornalismo em El Salvador e reivindicaram às autoridades a condução rápida de uma investigação sobre as intimidações e ameaças nas redes sociais, bem como a tomada das medidas necessárias para garantir a segurança dos jornalistas.
“As autoridades devem investigar a origem das ameaças e dar declarações firmes contra os ataques à imprensa”, reforça Dada. “Essas ameaças têm por função nos amedrontar e nos silenciar, mas continuaremos fazendo nosso trabalho.”