• 30.10
  • 2013
  • 11:03
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"Agredir a imprensa é um fato assustador e fascista", diz Ascânio Seleme

Publicado no Diário Catarinense em 30 de outubro de 2013

A OAB/SC e Associação Catarinense de Imprensa (ACI) realizam nesta quarta-feira e quinta-feira palestras para discutir democracia e liberdade de expressão. Serão debatidos temas do dia a dia das profissões de jornalistas e advogados. Entre os convidados para participar do evento está o diretor do jornal O Globo, Ascânio Seleme, com o tema "Liberdade de Expressão e Responsabilidade Civil (Dano Moral)". O jornalista, natural do município catarinense de Canoinhas, possui três prêmios Esso no currículo. 

Em entrevista ao DC, Seleme critica ação violenta de alguns manifestantes e descarta a ideia de que a mídia passe por um crise de representatividade. 

DC — Cento e dois casos de agressão contra jornalistas foram registrados durante a cobertura de manifestações em todo o país desde junho, de acordo com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Que efeitos isso gera em relação à liberdade de expressão?

Ascânio Seleme — De um modo geral, a agressão de jornalistas é um atentado contra a liberdade de expressão, seja qual for a origem dela. No caso destas agressões, 80% vieram dos policiais e 20% dos manifestantes. Os manifestantes agredirem a imprensa é um fato novo. Aliás, um fato assustador. Isso significa que essas pessoas que atacam jornalistas, da sociedade civil, ao tentarem impedir a presença da imprensa estão agindo de forma absolutamente fascista. Trata-se de uma prática fascista de impedir que uma informação livre circule. Sondando o Facebook, um grupo queria encontrar e expulsar uma repórter da GloboNews em uma das manifestações. Isso é uma prática condenável. Digo categoricamente: uma ação fascista contra imprensa quando parte da sociedade civil. Quando vem do lado policial, é o de sempre. É a estupidez personificada na farda que estamos acostumados a ver.

DC — Quais atitudes da mídia que podem ter causado tanta hostilidade por parte dos manifestantes?

Seleme — Quem ataca jornalistas não são manifestantes, mas grupos infiltrados. Um pesquisa da Folha de S. Paulo aponta que 95% dos paulistanos desaprovam ações de grupos como Black Blocs. São esses 5% que são os que atacam a imprensa. Então, não é uma ação dos leitores, da população contra a imprensa. Não é porque a imprensa fez isso ou deixou de fazer aquilo que está sendo atacada. Quando damos manchetes sobre manifestações, nossas vendas sobem de 2 a 5 pontos percentuais. Logo, não se trata do leitor contra o seu jornal, nem a sociedade contra a imprensa, mas grupos pequenos que são contrários à liberdade de expressão. 

DC — Da mesma forma como os manifestantes colocaram em questão a representatividade dos políticos, por exemplo, esse papel exercido pela imprensa também foi questionado?

Seleme — Claro que as novas mídias, como o Facebook, mídias digitais que utilizamos para difundir nossos conteúdos, elas mudaram a percepção do consumidor de notícia com relação às diversas plataformas de notícias. Nesse aspecto, a coisa mudou. O leitor de hoje não é o mesmo de 10 anos atrás, pois ele tem outras necessidades. Agora o que ele precisa e vai encontrar tanto no O Globo quanto no Diário Catarinense são informações de qualidade, bem apuradas, checadas, recheadas, com todos os contrapontos. Isso o leitor não encontra em qualquer lugar. Você não vai encontrar um jornalismo de qualidade e independente, por exemplo, num panfleto de sindicato ou na Mídia Ninja que não reporta sobre a manifestação, mas que a apoia, publica release a favor. Ela não tem a independência para noticiar um ato público desse. A mudança é mais de natureza tecnológica do que editorial. O jornalismo que a gente faz tem que ser o mesmo, mas agora com mais velocidade.

DC — Houve forte reação dos leitores a uma capa mostrando "vândalos" presos em uma manifestação. O Globo errou ao expor as três pessoas, uma vez que eram suspeitos e não estavam condenados ainda?

Seleme — O Globo acertou. Demos publicidade a um grupo de pessoas que se escondia no manto das máscaras.

DC — O Brasil é um país com problemas nas garantias à liberdade de expressão?

Seleme — Fiz uma palestra esses tempos atrás sobre isso. Repito o que eu disse lá: no governo da presidente Dilma em nenhum momento e em circunstância alguma houve qualquer tipo de pressão contra O Globo. A grande ameaça que sofremos hoje em dia se refere a uma possível lei de regulamentação da mídia, um debate que pode resultar numa lei tão antidemocrática como a equatoriana ou a argentina. Fora esse aspecto, não vejo nenhuma sombra de censura dentro do governo Dilma. Se compararmos nossa situação com a Argentina, Venezuela, Equador e Bolívia, estamos muito bem.

DC — Quarenta jornalistas foram assassinados no mundo em 2013 por causa da profissão, três deles aqui no Brasil. Em 2012 foram quatro, de acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas. Como estamos nesse quesito em relação ao mundo?

Seleme — Esses assassinatos que você cita no Brasil ocorrem sobretudo em pequenas cidades com pequenos jornais. Quando se refere a grandes produtores de conteúdo, a segurança é a mais adequada possível. Agora aqui (no jornal O Globo) estamos discutindo como proteger os nossos jornalistas na cobertura dessas manifestações que descambam sempre para violência. Estamos discutindo o uso de capacete. Nossos fotógrafos já contam com máscaras de gás e capacetes por estarem muito próximos dos confrontos. Em  jornais pequenos, não há recursos disponíveis para a garantia de segurança. Em alguns locais há pistoleiros contratados justamente para essa tarefa. Isso é mais difícil em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo ou Porto Alegre. O último grande caso desse tipo num grande veículo foi com o Tim Lopes, que foi assassinado num morro do Rio de Janeiro.

Assinatura Abraji