- 13.08
- 2007
- 13:20
- Katherine Funke
Acesso à informação é tema de seminário
A sociedade civil organizada debateu a importância da pressão política pelo acesso à informação pública durante o seminário "Controle Social das Políticas Públicas e Acesso à Informação: Elementos Inseparáveis". O encontro aconteceu em Brasília na quinta-feira (9/8) para um grupo de 50 convidados, entre eles estudantes da Universidade de Brasília (UnB), jornalistas e servidores públicos federais.
O seminário trouxe à tona contribuições de representantes de diferentes campos do conhecimento, entre jornalistas, acadêmicos, bacharéis em direito e diretores de informação do governo federal. O evento fez parte de uma série de encontros sobre o tema, organizada pelas ongs Agência Nacional dos Direitos da Infância (Andi) e Article XIX.
Pela manhã, o grupo discutiu a situação legal do acesso à informação pública no Brasil e a capacidade do Estado oferecer as informações públicas. À tarde, tratou-se da fiscalização do acesso e do trabalho da imprensa no uso da informação como ferramenta de trabalho. A seguir, destaques do debate.
LEGISLAÇÃO
O presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji),
A possibilidade da abertura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) para suspender a lei 11.111 foi levantada pelo procurador Antonio Carlos Bigonha, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), e apoiada por Marcelo Beraba. "Esta norma é flagrantemente inconstitucional", frisou Bigonha, "porque representa a verdadeira negação do direito de acesso à informação".
Para Beraba, é essencial o aumento da mobilização social para que o Brasil avance na abertura, organização e oferta de dados públicos, a exemplo do que ocorreu no México. O jornalista destacou o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, criado em 2003, e a expectativa em torno da votação do projeto de lei 219/03, de autoria do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG).
O PL 219/03 possui avanços em relação à lei 11.111 por estabelecer que o livre acesso a informações públicas, proibir o sigilo a documentos que tenham relação com crimes contra os direitos humanos, estabelecer a gratuidade do acesso e fixar prazo de 15 dias para a oferta dos dados solicitados pelo cidadão.
O projeto de lei foi aprovado por unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em dezembro de 2004 e tramita em regime de prioridade. "A pressão para a aprovação tem que partir de mobilização de fora para dentro do Congresso para que haja mais força no plenário", afirmou o deputado federal.
Segundo Lopes, entre as resistências ainda encontradas entre os parlamentares está o custo de aplicação do projeto, estimado em um dólar por pessoa ou R$400 milhões. "Este é um gasto fundamental para a democracia. A informação é um instrumento essencial para o combate à corrupção", disse.
O presidente da União Nacional de Analistas e Técnicos de Finanças e Controle (Unacon), Fernando Antunes, lembrou da lei que regulamenta o trabalho do servidor público federal como "exercício da mordaça". A lei, de número 8112, possui no artigo 116 inciso com a regra de que é dever do servidor "guardar sigilo sobre assunto da repartição". Antunes conta que foi processado com base nesse artigo, 15 anos atrás, por ter compartilhado dados "da repartição" sobre a privatização da Vasp para um jornalista.
"Quando se libera uma informação no Brasil, geralmente é em cumprimento a uma ameaça", registrou Belisário Santos, advogado, membro da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, ex-secretário de Justiça
EXPERIÊNCIAS DO ESTADO
O Portal Brasil e o Portal da Transparência, duas experiências de oferta de informações públicas do governo brasileiro, foram apresentados durante o seminário.
O Portal Brasil tem 40 mil visitas por mês e terá incrementadas, nos próximos anos, as ofertas de serviços ao cidadão, segundo Patrícia Pessi, diretora do departamento de governo eletrônico do Ministério do Planejamento.
Já o Portal da Transparência investe na disponibilidade de dados sobre o destino de verbas federais, transferências diretas, gastos diretos e convênios (os firmados desde 1996). O portal informa sobre o uso de R$3,5 trilhões e já teve mais de um milhão de visitas desde novembro de 2004, segundo José Loureiro Rodrigues, diretor de informações da Controladoria Geral da União (CGU).
As consultas e audiências públicas, duas ferramentas de democracia participativa também já usadas pelo Estado, foram avaliadas por Paulo Todescan, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Todescan ressaltou que de nada adianta haver consultas públicas se não há clareza sobre os critérios de acatamento das sugestões da população.
As experiências da aplicação das leis de acesso a informações no México e no Peru foi o destaque da fala de Agnès Callamard, diretora executiva da Article XIX. Segundo ela, no Peru houve falta de treinamento dos servidores públicos, que temem sofrer reprimendas por oferecer informações públicas. Já no México a lei não prevê a abertura de informações do Poder Judiciário nem dos partidos políticos, que não precisam fornecer dados sobre a origem de seus recursos. "Vimos também casos de informação liberada em excesso, com o claro objetivo de afogar a pessoa em toneladas e toneladas de papel", contou Agnès.
FISCALIZAÇÃO
O controle social e a democracia participativa só podem existir se houver acesso a informações públicas, destacou José Antonio Moroni, diretor do Instituto de Estudos Socio-Economicos (Inesc). Concordou com ele Antonio Carlos Bigonha, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que destacou a importância dos órgãos de controle externo do MInistério Público e da Justiça.
"Os conselhos têm provocado debates antes inimagináveis, como a remuneração dos juízes, que era um tabu. Todas as sessões são públicas e acessíves a qualquer cidadão. Os conselhos têm contribuído muito para o aumento da credibilidade e o fortalecimento das instituições, ao contrário do que se dizia antes de sua implantação", destacou Bigonha. Para o procurador, o fato da Justiça não possuir dados integrados e sistematizados no Brasil não é apenas um dano à democracia, mas ao próprio planejamento estratégico dos serviços.
IMPRENSA
Por ter o poder de determinar o agendamento das discussões públicas, os profissionais da imprensa devem preocupar-se com a qualidade da informação que oferecem ao público. Essa foi uma das recomendações que Guilherme Canela, da Andi, apresentou no seminário. "A imprensa divulga caminhões e não conspira nada", disse o palestrante.
Canela trouxe dados da pesquisa de análise de mídia feita em 2000 pela Andi que mostram indícios de baixa qualidade da cobertura: a menção a indicadores esteve presente em apenas 29% das reportagens analisadas, em média; a citação de legislação, em 18,3%; a presença de opiniões divergentes, em apenas 10,1% e apenas 8,5% das matérias analisadas cobram ou responsabilizam o governo.
O jornalista Gustavo Krieger destacou a importância do jornalista tornar-se independente de fontes e buscar montar suas próprias análises a partir de dados públicos. "Atrás do fontismo há interesses políticos e a dependência nos torna muito vulneráveis", afirmou.
Repórter especial do Correio Braziliense, Krieger mostrou exemplos do que recomendava: uma série de reportagens publicadas no jornal com base em informações públicas sobre financiamento de campanhas. A partir dos dados, as matérias analisavam o caminho da aplicação dos interesses dos doadores no Legislativo, como na formação de comissões, liberação de verbas por emendas e criação de bancadas como a do cimento, da qual participam parlamentares que receberam total de R$100 mi de grandes empreiteiras.
A repórter Katherine Funke, do jornal A Tarde, de Salvador, também ressaltou a importância do repórter buscar e utilizar as informações públicas. Como forma de elevar a qualidade das matérias e exercer a pressão social pela ampliação do acesso, Katherine defende que o jornalista interessado busque organizar os dados que necessita nos órgãos onde falta sistematização.
A jornalista apresentou os resultados da primeira etapa da pesquisa Mapa do Acesso, desenvolvida pela Abraji desde o início do ano. A pesquisa consistiu em solicitar dados públicos a cinco órgãos do nível estadual de governo, nos três poderes. Na primeira etapa, os dados foram solicitados por jornalistas voluntários em 24 estados brasileiros. No total, 3,6% dos 125 órgãos consultados forneceu informações completas e 22% forneceu informações incompletas.