• 31.01
  • 2014
  • 11:16
  • Cleyton Vilarino

Ação judicial expõe embate entre proteção a religiões e liberdade de expressão no Brasil

O Ministério Público de São Paulo encaminhou à Polícia Civil nessa quarta-feira (29.jan.2014) a representação formulada pelo deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) contra o especial de Natal produzido pelo canal virtual “Porta dos Fundos”. Segundo o documento, os vídeos apresentam "conteúdo altamente pejorativo, utilizando-se inclusive de palavras obscenas, e de forma infame atacou os dogmas cristãos e a fé de milhares de brasileiros que comungam deles, ferindo dialeticamente o direito fundamente à liberdade religiosa".

A demanda de Feliciano, atendida pelo MP-SP, é o exemplo brasileiro de um fenômeno global analisado pela ONG Repórteres Sem Fronteiras em relatório publicado em dezembro: a censura religiosa. 

De acordo com o texto, o “perigo está no amparo legislativo – presente em quase metade dos países de todo o mundo – para considerar intocável qualquer tema religioso ou que questione os valores tradicionais”. O relatório menciona o uso de leis que estão acima (ou amparados) do artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que protege a liberdade de expressão, informação e opinião.

Ainda de acordo com o relatório, esse perigo tem aumentado consideravelmente ao longo do século com a presença de uma forte “ofensiva diplomática graças a alianças inesperadas que fazem com que aqueles que defendem a censura em nome de Deus mantenham sua luta até mesmo dentro do Conselho de Direitos Humanos da ONU”.

Para o responsável pelo escritório da Repórteres Sem Fronteiras nas Américas, Benoit Hervieu, o caso do Brasil é peculiar, pois embora seja uma democracia laica, a religião ainda mantém uma forte influência sobre as instituições políticas e grande poder econômico.

“Não é exatamente um poder religioso de forma direta, mas um poder de influência de interesses que são, sobretudo, de cunho econômico”, explica Hervieu.

De acordo com ele, o poder econômico passa pela judicialização dos conflitos, como no caso do Porta dos Fundos. Ele lembra que o peso financeiro de uma ação penal pode tornar impossível que alguém critique abertamente estes grupos religiosos pelo medo de uma resposta jurídica das igrejas com pedidos de reparações muito altas.

A advogada Taís Gasparian, que atua em defesa de empresas de comunicação e de jornalistas, acredita que o ataque a dogmas religiosos, a blasfêmia, não existe como fundamento jurídico no direito brasileiro, que é laico. Segundo ela, a lei dispõe que “eventual ofensa, que extrapole a privacidade ou intimidade ou liberdade de crença de uma pessoa deverá ser apurada posteriormente à expressão do pensamento”, não servindo, portanto, como argumento para censura.

O deputado Marco Feliciano argumenta, em sua representação, que o especial de Natal do canal humorístico viola direitos difusos de cidadãos cristãos. Em agosto do ano passado, o deputado não chegou a fazer representação formal, mas pediu aos seus seguidores no Twitter ajuda para “denunciar e retirar do ar” outro vídeo – em que uma imagem de Jesus era identificada na vagina de uma paciente no consultório ginecológico.


 

Assinatura Abraji