- 21.12
- 2021
- 11:50
- Abraji
Liberdade de expressão
Abraji vai ao STF contra assédio judicial a jornalistas
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 17.dez.2021, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) requerendo maior proteção para casos de assédio judicial contra jornalistas, prática coordenada de distribuição pulverizada de processos contra um mesmo alvo, com o intuito de intimidá-los(las). A ação tem como objetivo impedir que os Juizados Especiais Cíveis (JECs) sejam utilizados para perseguir jornalistas e comunicadores.
Usando a técnica da interpretação conforme à Constituição, a Abraji pede para que, sempre que caracterizada uma situação de assédio judicial, os processos em série sejam reunidos e julgados na comarca de residência do réu, isto é, do jornalista ou comunicador. Com isso, será possível evitar que o profissional tenha gastos excessivos com sua defesa para comparecer a JECs situados nos locais mais diversos do país.
"O Brasil lutou muito para que o acesso à justiça fosse democratizado, e a Abraji não pretende de modo algum diminuir esse acesso. O que se pretende é uma ordem para estipular que, em caso de abuso do direito de ação, os processos sejam reunidos e que tenham trâmite perante o foro do domicílio do réu. Dessa forma, já que não se pode evitar o abuso, pelo menos que facilite aos assediados a gestão da sua defesa", afirma a advogada Taís Gasparian, do escritório RBMDFG, que representa a Abraji na causa.
Marcelo Träsel, presidente da Abraji na época em que a ação foi apresentada, espera que a ADI impeça o cerceamento da liberdade de imprensa. “A retaliação contra reportagens investigativas por via judicial vem se tornando cada vez mais frequente no Brasil e, infelizmente, um instrumento de promoção da democracia e do estado de direito, como os JECs, se tornou uma arma para que pessoas envolvidas em algum tipo de infração ou crime procurem esconder suas atividades do público. Muitas organizações e indivíduos, embora tenham condições financeiras de acessar a justiça comum, dão preferência a esse tipo de juizado, porque lhes permite desestabilizar o cotidiano de seus alvos e atingir o verdadeiro objetivo das ações, que não é demonstrar razão ou reparar um dano, mas intimidar jornalistas.”
O uso dos JECs como ferramenta de assédio judicial a jornalistas tem sido cada vez mais frequente no Brasil. Um dos primeiros ocorreu em 2008 e teve como alvo a jornalista Elvira Lobato, à época na Folha de S.Paulo. Lobato respondeu, após publicação de uma reportagem sobre a Igreja Universal, a mais de 100 processos apresentados por pessoas ligadas à igreja quase que simultaneamente, revelando características de um ataque orquestrado.
Em poucas semanas, a jornalista se viu diante de dezenas de convocações para comparecer a audiências de conciliação em cidades muito distantes até das capitais dos estados. No caso dos JECs, o não comparecimento do réu caracteriza sua revelia, isto é, os processos podem ser julgados sem que a versão da defesa seja ouvida.
Em 2020, o escritor João Paulo Cuenca foi alvo de mais de 150 processos, em razão de um tweet que fazia uma paródia de uma frase histórica. Da mesma maneira, foram orquestradas proposituras simultâneas, em diversas cidades do país, com narrativas e argumentos parecidos.
Tais Gasparian, que defendeu Elvira Lobato, busca desde então alternativas para diminuir o impacto de quem procura instrumentalizar o Poder Judiciário contra a liberdade de expressão. "Não há remédio jurídico para enfrentar o assédio judicial. É necessário que o STF se pronuncie sobre essa questão de modo a mitigar os danos dos que são atacados", disse a advogada. Gasparian ressalta ainda que a ADI apresentada pela Abraji não pretende restringir o direito de ação, um dos pilares do Estado Democrático e um direito humano.
A estrutura dos Juizados Especiais Cíveis foi desenhada para facilitar o acesso à justiça e equilibrar desigualdades jurídicas e processuais em causas menos complexas. São muito utilizados para demandas de consumidores contra grandes empresas e corporações, o que justifica diversas facilidades aos autores, como a possibilidade de ingressar com os processos na cidade de sua residência, a não obrigatoriedade de advogado e a gratuidade.
O assédio judicial, ainda que se utilize desses instrumentos legítimos, “inverte de forma selvagem princípios éticos e jurídicos para deliberadamente sabotar a realização da Justiça e obstruir os ideais democráticos” , afirma Eugênio Bucci, jornalista e professor, em parecer anexado à ação movida pela Abraji. Bucci acrescenta que a finalidade dessas ações não é buscar a justiça, e sim “sequestrar as energias do sistema de Justiça para perseguir pessoas que se dedicam a apurar a verdade factual, tão indispensável à política civilizada”.
A ação também conta com um parecer do jurista Cássio Scarpinella Bueno, que afirma ser responsabilidade do STF garantir formas de gerenciar essas situações em que houver abuso no direito de acesso à justiça, e que violam não só a liberdade de expressão do réu, como o exercício da sua ampla defesa.
Além do pedido final para que sejam interpretados os artigos pertinentes do Código de Processo Civil e da Lei dos Juizados Especiais, conforme os direitos constitucionais da liberdade de expressão e de ampla defesa, a Abraji também solicita na ação uma medida liminar cujo objetivo é fazer com que os processos sejam julgados de tal forma, ou ainda, subsidiariamente, que sejam suspensos até o julgamento final da ADI, para evitar qualquer prejuízo na proteção dos direitos e liberdades fundamentais.
Os processos movidos nos Juizados Especiais Cíveis também são mapeados pelo projeto Ctrl+X, que em sua nova fase passou a incluir novos filtros com as principais características de assédio judicial. Até o momento são 148 processos em tramitação nos JECs, do total de 5.526 processos cadastrados no banco de dados do projeto. A classificação como assédio judicial não é feita pelo Ctrl+X, mas pode ser aprofundada pelo estudo dos casos registrados.
Determinação do Supremo
No dia 14.jan.2022, a ministra do STF Rosa Weber determinou que a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e a Presidência da República se manifestem sobre a ADI proposta pela Abraji no prazo de 10 dias. Além disso, Weber abriu vista para a Advocacia-Geral da União (AGU) e para a Procuradoria-Geral da República, que também deverão se manifestar sobre a ação.
No despacho, a ministra afirma reconhecer que o tema da ação possui “relevância e especial significado para a ordem social e a segurança jurídica”, e encaminha para as manifestações das autoridades mencionadas. Na sequência, a matéria será submetida ao Plenário do Supremo, e não há necessidade de analisar o pedido liminar.
Atualizado no dia 18.jan.2022 às 16h10.