• 29.04
  • 2005
  • 14:25
  • Thiago

Abraji, um canal de discussão do jornalismo

Vou vender meu peixe. Quer dizer, meu não: nosso, de jornalistas que acham que quanto mais discutirmos a profissão, melhor ela vai se tornando. Errar é humano, mas persistir no erro é insano, desculpem o chavão, mas é isso mesmo. No final desse artigo, há trechos de e-mails de duas jornalistas que também acreditam nisso.

Em outubro, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) faz seu primeiro congresso no Rio. Isso é um convite: vá ao site www.abraji.org.br. Nunca ouviu falar de Abraji? Normal, é no Norte e Nordeste que, infelizmente, ela é menos conhecida. E olha que não foi falta de entusiasmo dos representantes dessas regiões. Eu mesma, no início do ano passado, peregrinei por redações de rádios, televisões e jornais de Manaus com folhetos sobre a Abraji, convidando as pessoas a entrarem no site, no grupo de discussões.

Sabem quantas pessoas são sócias da Abraji aqui em Manaus? Duas, eu e a Wilsa Freire, coordenadora do curso de Jornalismo do Objetivo. Lembro que quando fui entregar os folhetos nos jornais, coleguinhas vieram com piadinhas. "Mas aqui em Manaus não tem jornalismo investigativo, não tem imprensa livre, porque iria pagar uma anualidade de R$ 100 (ó fortuna!) para discutir a profissão se não tenho escolha?".

Será que não se pode ter jornalismo investigativo no Amazonas ou não tentamos fazê-lo? Tenho minhas dúvidas se o "não pode" não passa de uma desculpa, já que nunca fui alvo de censura em nenhum lugar onde trabalhei em Manaus (ou SP ou BSB). Só posso falar de mim, claro. Se me faltaram nas mãos grandes denúncias em Manaus pode ter sido por falta de sorte minha (ainda não apareceu na minha vida um Senhor X ou um Deep Throat), mas não posso acusar editor nenhum de ter me impedido de escrever essa ou aquela matéria.

Jornalismo investigativo não significa denuncismo, publicar ataques sem provas. É todo o jornalismo que se faz no dia a dia buscando algo mais do que a fala da autoridade. É o jornalismo que checa, que vai a fundo sobre o que a fonte disse. No dia 7 de abril, a diretora-executiva da Uga Uga, a coleguinha Eneida Marques, contou, em uma palestra na Nilton Lins, do levantamento que a ong faz anualmente sobre reportagens sobre crianças e adolescentes nos jornais de Manaus. E criticou o "oficialesco" da maioria das matérias: só ouvem a autoridade!

É isso que não é jornalismo investigativo: aquele em que a autoridade diz que isso e aquilo estão sendo feitos em prol das criancinhas pobres e o repórter não vai lá no local, conversar com as crianças, com os pais, investigar se é verdade o que a autoridade disse frente às câmeras. E isso serve para todas as editorias: investigar é checar se o que a autoridade diz que está fazendo ou fez é mesmo verdade. Sim, não é uma tarefa fácil, mas quem quer vida fácil não deve fazer jornalismo. Nem ser modelo, porque precisa passar o dia de biquíni no inverno.

Na semana passada, quando escrevi um artigo em que criticava empresas jornalísticas que usam mão-de-obra barata de focas para cargos de responsabilidade, fiquei muito feliz com o retorno nos vários e-mails de coleguinhas, todos com elogios, querendo discutir a profissão, o baixo piso de jornalismo, as dificuldades de investigação. Pedi para algumas pessoas para reproduzir trechos de suas mensagens. Teria outras para acrescentar, mas o espaço é pequeno e resolvi transcrever trechos de duas significativas: uma repórter iniciante e uma assessora de imprensa.

Aí vai o trecho do e-mail da Taliane Lucena, repórter promissora do Diário, a quem tive a honra de ser editora por um período: "Quando aluna, sempre procurei um trabalho no meio, mas hoje agradeço por não ter encontrado. Pois sei que, se tivesse achado ´aquela agulha no palheiro´, teria me queimado, me queimado mesmo, entende? E é isso que acaba acontecendo com muitos colegas. Óbvio que há exceções, daqueles que realmente são bons, e conseguem estudar e trabalhar nessa vida maluca e adorável de repórter. Mando um recado aos alunos, pois já fui e serei sempre uma: não existe maior aprendizado do que o exercício da profissão, embora seja duro aprender. E por mais que a gente reclame de um professor exigente, como já fiz isso, eles são menos exigentes que o mercado".

Outro trecho de uma coleguinha com um belo texto, que não conheço pessoalmente, Alethéa Morel: "Tem coisas que causam estranheza a quem se acostumou a um mercado competitivo onde só os melhores sobrevivem. Talvez por vir de fora e amar tanto Manaus, tem algumas coisas que ainda me assustam, ou surpreendem de forma negativa. O artigo ´Quem veio primeiro...´ vai direto na questão e talvez essa ânsia em suspender as velas antes de sentir o vento, que é típica de quem é iniciante em jornalismo, seja um pouco conseqüência do nosso mercado que ainda não está estagnado como nas outras regiões do país e precisa tanto de bons jornalistas, nas TVs, rádios e impressos. Acredito que não existem pessoas despreparadas só nas redações: nas assessorias dos órgãos governamentais não é diferente. Tem gente que acredita que ser assessor de imprensa é o mesmo que ´atendente especial para assuntos jornalísticos´, um misto de recepcionista / telefonista / secretária, mas com menos trabalho. Não basta ser simpático, tem de ter conhecimento do que é uma redação, do que é o respeito com a informação dada de forma correta, do que é o compromisso ético com a verdade. Assessor de imprensa não pode ser ´cerca de jurubeba´, tem de ter jogo de cintura e saber administrar os conflitos atendendo aos interesses da empresa, mas não esquecendo do público final. Assessor de imprensa também é jornalista, ele conduz as estratégias, mas tem que ser honesto. Acho que muita gente esquece do compromisso com a profissão, esquece da verdade como premissa básica da informação. Ainda bem que existe ainda muita gente, um grupo competente de profissionais de comunicação nos órgãos governamentais, que está assessor de imprensa, mas que é jornalista antes de tudo".

E vamos continuar no debate! P.S. No final do e-mail, Alethéa faz uma lembrança que serve para tentar explicar aos leigos leitores. Jornalista é a profissão: editor, repórter, assessor de imprensa, pauteiro, chefe de reportagem são cargos, ok?


Liege Albuquerque ([email protected]) é jornalista correspondente de O Estado de S. Paulo no Amazonas e professora da UniNilton Lins.
Assinatura Abraji