- 25.01
- 2021
- 17:15
- Abraji
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Abraji registra mais um caso de hostilidade contra checadores de notícias
A repórter Gabi Coelho, do núcleo de checagem de fatos do jornal O Estado de S.Paulo, chegou a fechar suas redes sociais por três dias depois de ter recebido dezenas de mensagens ofensivas no Twitter. A exemplo do que aconteceu em novembro de 2020 com a estudante Andressa Vieira, a conversa da repórter com o entrevistado foi exposta na rede social, dando origem a uma série de hostilidades.
O Estadão integra o consórcio de 36 veículos e coletivos independentes do projeto Comprova, iniciativa sem fins lucrativos para verificar desinformação, coordenada pela Abraji.
Na sexta-feira passada, dia 22.jan.2020, a repórter mostrou que eram “enganosos os posts no Twitter que lançam dúvidas sobre a Coronavac por conta de seus dados de imunogenicidade – a capacidade que uma vacina tem para induzir o sistema imunológico a produzir anticorpos”.
As postagens tiravam de contexto uma declaração do gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes:
“De fato, Gustavo Mendes usou estas palavras durante uma entrevista concedida ao portal UOL em 17 de janeiro, para se referir aos dados apresentados pelo Instituto Butantan em relação à imunogenicidade da CoronaVac. Mas, o gerente-geral também disse que a inadequação estava no fato de os dados serem qualitativos e não quantitativos. Por e-mail, a Anvisa explicou ao Comprova que não há questionamentos em relação à segurança da CoronaVac”.
Antes de escrever o parágrafo acima, Gabi Coelho abordou o autor do post por mensagem direta (DM) no Twitter. Após a abordagem, o homem publicou a conversa e insinuou que a repórter não tinha checado a coletiva do ministério.
“Sem admitir que as declarações foram tiradas do contexto, como nossa checagem mostrou, ele em seguida me bloqueou no Twitter para impedir de acompanhar as mensagens que tentam tirar minha credibilidade”, conta Gabi Coelho.
Alguns posts dos seguidores de “Fiuza Pistola” subiram o tom das hostilidades. Um deles, ao checar o currículo da jornalista, afirmou: “Só pela capivara dela você já vê que é lixo”. Outros usuários a chamaram de “burra”, “safada”, “praga terrorista”, “jornazista” e “besta quadrada”.
“Fechei minhas redes depois que percebi que até minha foto eles vazaram. Para minha própria segurança, fechei as contas com receio de mais exposição. É uma forma de constrangimento à liberdade de imprensa”, diz.
Procedimentos para denúncias
Djefferson Amadeus, advogado criminalista e coordenador do Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), lembra que qualquer pessoa hostilizada nas redes sociais precisa juntar o máximo possível de provas, como print dos posts com a URL, testemunhas e, se for o caso, vídeos.
O segundo passo é procurar um(a) advogado (a). “Além da coleta de provas e evidências para fundamentar a denúncia, já que o agressor pode retirá-las do ar, orientamos que o caso seja registrado em cartório por meio de ata notarial”, complementa Letícia Kleim, assessora jurídica da Abraji.
Para saber mais detalhes sobre como proceder no caso de denúncias, o Observatório de Liberdade de Imprensa do Conselho Federal da OAB, em parceria com a Abraji, criaram, em 2020, a Cartilha Sobre Medidas Legais para a Proteção de Jornalistas contra ameaças e assédio on-line.
Segundo Amadeus, no caso de Gabi Coelho, os posts com as ofensas podem ser enquadrados como prática de injúria.
Em outro post, um usuário deu a entender que a profissional só entrou no time do Estadão por meio de “quotas”. Para o especialista, é uma forma de racismo:
“Com relação aos crimes raciais, entendo que o racismo velado, assim como o racismo recreativo, constituem crime de racismo. O que está em jogo no crime de racismo é a tentativa de hierarquizar pessoas, bem como a manutenção de uma ordem social injusta. Portanto, quaisquer práticas que visem isso, seja qual for a espécie escolhida para a exteriorização do racismo - recreativo, atávico, velado, individual ou institucional”.
Em 2020, a Abraji mostrou casos contra jornalistas mulheres, em que usuários de redes sociais chegaram a fazer doxing (exposição de dados pessoais) de jornalistas, colocando em risco a integridade física de repórteres.
Além de um ano marcado por violência contra a imprensa e seus profissionais, 2020 terminou com sinais claros de mulheres jornalistas no centro desses ataques. Levantamentos de várias organizações sinalizam que mulheres são as vítimas mais recorrentes de perseguições no ambiente digital no Brasil, na América Latina e no mundo.
Só em nov.2020, a Abraji contabilizou 43 alertas específicos enquadrados na categoria “Ataques contra a Liberdade de Expressão”. Cinco desses abusos se deram na internet — e todos contra mulheres. De 72 registros na categoria ao longo do ano, 20 se referiam a profissionais do gênero feminino, 36 a meios de comunicação e 16 a homens.
Nesse mesmo mês, mais de 100 mulheres jornalistas lançaram um manifesto em repúdio aos ataques machistas perpetrados por militantes digitais à diretora do site Aos Fatos, Tai Nalon.
Mulheres que trabalham em agências de checagem se tornam um alvo ainda mais provável. Para Laura Zommer, fundadora da primeira agência de checagem da América Latina, o Chequeado, da Argentina, há de se prestar atenção nas frequentes articulações de desinformadores para deslegitimar o trabalho dos checadores.
“O ambiente digital se tornou um meio de se propagar práticas que reúnem características de assédio, misoginia, perseguição e exposição de dados pessoais”, explica Letícia Kleim.