- 22.04
- 2021
- 17:42
- Mirella Cordeiro
Acesso à Informação
Abraji registra 100 jornalistas bloqueados por autoridades no Twitter
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) mapeou 100 jornalistas bloqueados por autoridades públicas no Twitter desde que passou a monitorar esses casos de forma contínua, em set.2020. São 196 bloqueios aos perfis do presidente da República, de ministros, deputados, governadores e outras autoridades.
Os motivos dos bloqueios recebidos pelo formulário do monitoramento ou feitos diretamente à equipe Abraji são diversos. Alguns profissionais nem sequer atuavam na cobertura direta das autoridades que os bloquearam, outros contestaram tweets com informações falsas ou mencionaram o perfil da autoridade no compartilhamento de uma reportagem.
Mais uma vez, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi quem mais bloqueou jornalistas, com 54 casos. Em seguida, vêm os irmãos Abraham e Arthur Weintraub, que impediram o acesso de 25 e 16 jornalistas, respectivamente, quando ainda faziam parte do governo.
Convidamos seis profissionais para dar seu depoimento sobre como foram bloqueados e as consequências desse limite do acesso à informação.
Rodrigo Carvalho, correspondente da Globo em Londres
Em dez.2020, no contexto da aprovação do uso emergencial de mais uma vacina no Reino Unido, perguntei a Jair Bolsonaro, via Twitter, quando os brasileiros seriam vacinados. Pergunta simples, básica. Àquela altura, mais de 40 países haviam saído na frente. As pessoas estavam morrendo. Fui bloqueado.
Bolsonaro proibiu a participação de alguns jornais em entrevistas coletivas e agora chega a essa marca de 100 jornalistas bloqueados no Twitter. Nada novo no front. Estamos diante de uma figura sem qualquer compromisso com a democracia, que, cinco anos atrás, homenageou um torturador no Congresso Nacional contra a ex-presidente Dilma Rousseff. Bolsonaro é um hiato na história democrática brasileira, alguém que não é capaz de conviver com as muitas cobranças que merece.
Aqui no Reino Unido, diversas críticas podem ser feitas ao primeiro-ministro conservador Boris Johnson, mas ao menos existe a disposição em lidar com elas e em prestar contas. Na pandemia, nos acostumamos com entrevistas coletivas quase diárias do chefe de governo – com jornalistas fazendo perguntas duras e fundamentais. Como não suporta essa ideia básica de democracia, Bolsonaro coleciona gestos de violência contra a liberdade de imprensa e afunda o Brasil num buraco que, sabemos, sempre pode ser mais fundo. É o governo do autoritarismo, do negacionismo e do desprezo pela vida.
Tai Nalon, diretora executiva e cofundadora de Aos Fatos
Bloquear um jornalista é muito mais desrespeitoso do que eficaz. Se eu sair do meu perfil e entrar em outro, ou se eu não fizer login, conseguirei ver os tweets do político em questão. Bloquear conta é um recurso oferecido a usuários comuns que sofrem assédio. Políticos estão nas redes para prestar contas, o que é muito diferente do papel de um usuário comum.
Leandro Gouveia, jornalista na CBN
Em 26.out.2019, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) compartilhou um vídeo falso que relacionava as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) ao ex-presidente Lula. Eu respondi ao tweet dela: “Quem tem integridade não posta uma ilação tão grave sem checar a veracidade. Vindo de qualquer um, seria uma irresponsabilidade. Vindo de uma parlamentar, é motivo para cassação de mandato”. Meu tweet teve mais de 70 mil visualizações, e ela me bloqueou no mesmo dia.
Os bloqueios nas redes sociais não impedem totalmente a apuração, mas vão contra o princípio da transparência. O servidor público que bloqueia um cidadão não está disposto ao contraditório e muito menos ao livre exercício do jornalismo, essencial para a democracia.
Stefano Wrobleski, jornalista da InfoAmazonia
Achei no mínimo curiosa a maneira como o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Og Fernandes, se colocou diante desse caso. Eu o marquei num tweet com link para uma matéria que contava como ele foi beneficiado por uma reinterpretação da lei que permitiu regularizar uma ave de sua esposa, que o Ibama pedia para ser apreendida. Logo em seguida o ministro me bloqueou e, hoje, o perfil parece ter sido excluído.
Autoridades não deveriam bloquear nenhum cidadão de perfis em mídias sociais, porque o conteúdo publicado nelas é, em geral, de interesse público. Quando alguém é bloqueado por uma autoridade, fica impossibilitado de acompanhar uma parte importante de suas ações e de seus posicionamentos pelos meios normais.
Nayara Felizardo, jornalista no The Intercept Brasil
Fui bloqueada pelo perfil do presidente Jair Bolsonaro no Twitter logo no início do seu governo, quando ele fez o mesmo com vários profissionais. Aquilo me pegou de surpresa, porque, embora seja crítica ao governo e não me abstenha de falar o que penso, não faço cobertura que o afete diretamente. Minhas reportagens têm como foco principal as regiões Norte e Nordeste.
O bloqueio a jornalistas deve ser contestado mais por ser uma atitude autoritária do que por atrapalhar nosso trabalho. Não é isso que nos impedirá de investigar o governo federal e o presidente. De todo modo, uma pessoa que ocupa cargo político não deveria bloquear ninguém, principalmente se usa as redes sociais como principal meio de comunicação com os brasileiros. Bolsonaro é presidente de um país e deveria falar para todos, não apenas para quem o apoia.
Yuri Almeida, jornalista no portal maranhense Atual 7
Estou bloqueado pelo governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB-MA), e pelos secretários estaduais Ricardo Cappelli (Comunicação), Rodrigo Lago (Agricultura Familiar) e Carlos Lula (Saúde). Soube que estava bloqueado quando precisei confirmar publicações no perfil de cada um.
Infelizmente, embora eles critiquem o presidente Jair Bolsonaro por agredir e bloquear a imprensa, fazem igual no Maranhão. O governador Flávio Dino, por exemplo, bloqueou não apenas o meu perfil pessoal, mas também o do Atual7, meu blog, comprovando não se tratar de mero equívoco, e sim indisposição com jornalistas investigativos que acompanham o que ele escreve.
Campanha BolosAntiBlock
Aproveitando esse cenário de fechamento do espaço cívico, a Abraji e o site Congresso em Foco lançaram a campanha Bolos AntiBlock no dia 12.abr.2021, inspirada nas receitas de bolo publicadas nos jornais censurados pela ditadura militar.
Ao entrar no site da ação e se conectar no Twitter, a ferramenta rastreia se a pessoa foi bloqueada e por quem. Isso gera um bolo em cryptoarte para ser compartilhado na rede social em forma de protesto.
De todos os bloqueios identificados até o momento, 41% foram de deputados federais, 21% do presidente ou vice-presidente, 21% de ministros, 14% de senadores e 3% de governadores.
Outro dado relevante é que, de todos os bolos gerados – nem todos os usuários concluem a ação –, 16% acreditam ter sido bloqueados por manifestar opinião contrária àquela da autoridade pública, 14% fizeram críticas à conduta ou à administração do bloqueador e 14% levantaram questionamento sobre a veracidade da informação divulgada.
Diferentemente do monitoramento da Abraji, a campanha Bolos AntiBlock é voltada para todos os públicos, não só jornalistas. As profissões mais citadas foram jornalistas (22%), profissionais do direito (12%), da área da educação (7%), publicidade (6%), administração (6%), ciência da computação (5%) e artes (4%).