Abraji questiona ação policial contra Repórter Brasil em sede de mineradora na Bahia
  • 04.04
  • 2022
  • 18:20
  • Abraji

Liberdade de expressão

Abraji questiona ação policial contra Repórter Brasil em sede de mineradora na Bahia

Uma equipe da Repórter Brasil foi surpreendida pela polícia da Bahia enquanto aguardava para ouvir o posicionamento da mineradora britânica Brazil Iron sobre a apuração de uma reportagem em Piatã (BA). Os jornalistas Daniel Camargos e Fernando Martinho aguardavam o atendimento da assessoria da empresa, quando foram abordados por dois policiais militares, um deles armado com uma metralhadora. A polícia foi chamada pela empresa, que não os alertou sobre a medida. O episódio aconteceu na segunda-feira (28.mar.2022), mas só foi relatado pela Repórter Brasil na última sexta-feira (1.abr.2022), quando os dois repórteres deixaram a Bahia e já estavam em segurança.

Segundo Camargos informou à Abraji, os executivos da Brazil Iron afirmaram aos policiais que os repórteres haviam invadido uma área da mineradora e, ao serem informados de que a apuração havia sido feita com uso de drone, pediram à polícia que fizesse com que os repórteres mostrassem as imagens. Orientados pela direção da Repórter Brasil, os profissionais se negaram e por isso foram para a delegacia. Com o apoio de um advogado local, os jornalistas deixaram a delegacia algumas horas depois.

Em nota enviada à Abraji, a Brazil Iron negou que tenha denunciado os jornalistas por invasão, mas confirmou que chamou a polícia ao "tomar conhecimento de que a reportagem sobrevoou a área de operação da Mina Mocó com um drone". A empresa se disse "obrigada" a acionar a polícia porque, segundo ela, a Repórter Brasil teria usado o drone em área de risco, comprometendo a segurança. 

Para o diretor da Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto, a medida foi "uma clara tentativa de intimidação ao trabalho jornalístico, de cerceamento da liberdade de imprensa, que não pode ser aceita”. 

Em portaria de mai.2020, o Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), do Ministério da Aeronáutica, aventa a possibilidade de que a polícia seja acionada pela autoridade aeronáutica "para obter a detenção dos presumidos infratores ou da aeronave que ponha em perigo a segurança pública, pessoas ou coisas". No entanto, ainda que a Brazil Iron questione a legitimidade da operação com drone para apoio de uma reportagem, ele não estava em ação no momento da intervenção policial.

A Abraji repudia a decisão da empresa de surpreender os repórteres com a presença policial exatamente quando os jornalistas buscavam ouvir a argumentação da mineradora sobre uma denúncia que estava sob investigação da reportagem. Também causa estranheza trecho da argumentação da Brazil Iron de que a reportagem seria movida por "razões inconfessáveis de cunho político e eleitoreiro" e de que a mineradora seria alvo por não ser uma empresa brasileira. A Repórter Brasil tem uma  vasta produção de reportagens focadas em relações trabalhistas e defesa do meio ambiente.

Ao falar de seu investimento na Bahia (R$ 1,2 bilhão já aportados e R$ 3,2 bilhões anunciados), a empresa deixa clara a importância de sua atuação, assim como a relevância do trabalho jornalístico de fiscalização de seu trabalho no país. Se pairava crítica ou preocupação em relação ao uso do drone, a Brazil Iron teria meios oficiais para se queixar, constatar dados e fatos e, se necessário, buscar reparação. Surpreender os repórteres com a polícia armada não foi um deles.


Diretoria da Abraji, 4 de abril de 2022

 

Segue, abaixo, a nota da empresa enviada à Abraji por sua assessoria de imprensa:

NOTA OFICIAL
 
A respeito da reportagem produzida pelo site de jornalismo independente Repórter Brasil e dos questionamentos enviados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), a Brazil Iron tem os seguintes esclarecimentos a prestar:
 
1)    Não procede a informação de que a Polícia foi acionada por uma suposta invasão dos profissionais de imprensa. A empresa o fez ao tomar conhecimento de que a reportagem sobrevoou a área de operação da Mina Mocó com um drone.
 
2)    A Brazil Iron não poderia ter outra atitude, pois ela é OBRIGADA pelo Ministério da Defesa a reportar fatos desta natureza, uma vez que possui no referido espaço armazenamento de combustíveis e explosivos.
 
3)    Ainda que sem ter o conhecimento da gravidade deste ato, os profissionais de imprensa colocaram em risco suas próprias vidas e a dos colaboradores que trabalhavam no local. Operar aparelhos de radiofrequência em locais como o citado, sem os devidos cuidados, pode gerar acidentes de proporções catastróficas.
 
4)    Além do perigo que correu e infligiu a terceiros, a reportagem não respeitou as determinações do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) e da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Tais entidades oferecem regulamentações claras ao informar que: a) operações de aerolevantamento devem possuir autorização do Ministério da Defesa; b) é proibido sobrevoar áreas de infraestrutura crítica; c) a utilização de drones para recreação devem ser feitas em espaço de aeromodelismo (basta checar no site https://www.decea.mil.br/drone/)
 
5)    Não bastassem as infrações acima citadas, os profissionais do Repórter Brasil realizaram gravações da área sem o consentimento da empresa, desrespeitando o respeito à propriedade privada. A empresa acredita que nenhum desses jornalistas e nem aqueles que estiverem lendo esse comunicado gostariam que alguém fosse filmar dentro de suas casas sem aviso prévio.
 
6)    A Brazil Iron não solicitou a apreensão dos equipamentos, apenas pediu que fossem apresentadas as imagens, a fim de garantir que não mostrassem zonas críticas e de segurança. A região da Mina Mocó é conhecida por furtos de combustíveis e explosivos. Tornar público os locais de armazenamento destes materiais pode gerar prejuízo a companhia e perigo à população da região e a toda sociedade.
 
7)    Em momento algum a empresa ou qualquer de seus colaboradores sequer ensaiou cercear o direito de apuração dos jornalistas. Muito pelo contrário. Em que pese as infrações e a gravação sem aviso prévio, a Brazil Iron deixou claro, por diversas vezes, que estava à disposição da reportagem para ajudá-los em todas as informações de que precisassem. O próprio repórter disse que entraria em contato com o departamento de comunicação da companhia, o que ainda não aconteceu.
 
8)    A Brazil Iron fica agradecida pelo fato de a Abraji ceder espaço para o seu pronunciamento, algo que não foi feito por Repórter Brasil. O site publicou um texto relatando apenas o seu lado da história, cerceando o direito ao “Outro Lado”, como preza o manual do bom jornalismo.
 
9)    A Brazil Iron é entusiasta do trabalho jornalístico e sempre defenderá o direito à livre imprensa. Esperamos apenas que o fato de não sermos uma empresa brasileira ou que razões inconfessáveis de cunho político e eleitoreiro não venham a prejudicar injustamente uma companhia que já investiu mais de R$ 1,2 bi no Estado da Bahia, que é a maior responsável pela vida econômica das cidades do entorno de sua operação e que deve aportar mais de R$ 3,2 bi de investimentos e gerar mais de 25 mil empregos nos próximos anos.

 

Assinatura Abraji