- 09.05
- 2022
- 18:07
- Abraji
Liberdade de expressão
Abraji leva caso de Rubens Valente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
*Foto de capa: Arquivo pessoal
A condenação do jornalista Rubens Valente a pagar uma indenização de R$ 310 mil ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), preocupa as entidades de defesa da liberdade de imprensa. A sentença foi confirmada pelo próprio STF, conforme noticiou a agência Pública na sexta-feira (6.mai.2022), e o valor é maior que todo o patrimônio que o jornalista amealhou em 30 anos de profissão.
Diante do encerramento dos recursos no direito brasileiro, a Abraji, em parceria com duas organizações internacionais, Media Defence e Robert F. Kennedy Human Rights, e com o advogado do jornalista, Cesar Klouri, levou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A preocupação é com o descumprimento dos preceitos constitucionais e os riscos que uma medida desse tipo representa ao exercício da profissão no Brasil.
Além de uma decisão que ameaça a liberdade de imprensa, chama a atenção a rapidez com que o jornalista foi executado a pagar a indenização, valor com o qual ele teve de arcar sozinho, uma vez que a editora condenada no caso, a Geração Editorial, não se manifestou. Assim, a pedido de Mendes, Valente foi considerado devedor solidário, sendo responsabilizado pelo pagamento integral da condenação.
O ministro processou o jornalista e a Geração Editorial devido à publicação do livro "Operação Banqueiro". Além de obter no STF a indenização de R$ 310 mil, Gilmar Mendes conseguiu outra vitória: a ordem de, em próximas edições, constar no livro a íntegra da decisão e da petição inicial de seus advogados, como forma de exercício do seu direito de resposta. Na prática, a decisão acarreta um aumento de 30% no total de páginas do livro, o que inviabiliza sua reedição.
Gilmar Mendes alega ter sido moralmente atingido em sua honra no livro que Rubens Valente escreveu em 2014 sobre os bastidores da Operação Satiagraha, que levou à prisão o banqueiro Daniel Dantas, em 2008. Um capítulo de 42 páginas lembra que o ministro, então presidente do STF, concedeu dois habeas corpus a Daniel Dantas em menos de 72 horas, o que foi extensamente noticiado pela imprensa naquele ano. A acusação argumenta que houve descontextualização de fatos e que Valente teria insinuado parcialidade do ministro no julgamento do banqueiro.
Mendes ingressou com a ação em 2014, na 15ª Vara Cível de Brasília. Em 2015, o juiz Valter André de Lima Bueno Araújo decidiu que não procedia o pedido de indenização, uma vez que não encontrou em “Operação Banqueiro” conteúdo difamatório ou inverídico sobre o ministro. Na decisão, o juiz cita artigo de um colega de Mendes, o ministro Luis Roberto Barroso, que trata de liberdade de imprensa e direitos de personalidade. Para o juiz Bueno Araújo, Mendes, à época presidente do STF, é uma personalidade de interesse público que havia praticado atos de igual interesse.
A decisão da 15ª Vara Cível de Brasília foi revertida na segunda instância e nos tribunais superiores. Na execução da decisão, em 10.jan.2022, dentro de um prazo de apenas um dia útil, o juiz João Luis Zorzo, da 15ª Vara Cível de Brasília, concedeu integralmente o pedido dos advogados de Gilmar Mendes para executar a ação. No prazo de cinco dias, Rubens Valente teve de realizar o depósito de R$ 142.965, a parte que lhe cabia da condenação, atualizada monetariamente. Apesar da tentativa de contato com os advogados do ministro, o jornalista não recebeu resposta sobre a possibilidade de parcelamento.
Como a Geração Editorial não realizou o depósito, tampouco se manifestou no processo de execução, a defesa do ministro solicitou que Valente fosse declarado devedor solidário. Sem ouvir a parte contrária, o juiz concedeu o pedido e aplicou uma multa de 10%. A multa é referente ao atraso da editora no pagamento da indenização. No entanto, para o juiz, é o próprio Valente que deve pagá-la com seus recursos. Segundo os cálculos da defesa do jornalista, o novo valor totaliza R$ 176.161, além do que já foi depositado pelo repórter.
Abraji, Media Defence e Robert F. Kennedy Human Rights apresentaram petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 22.dez.2021, destacando as violações do Estado brasileiro em relação aos direitos protegidos pela Convenção Americana de Direitos Humanos, como liberdade de imprensa, liberdade de expressão, garantias e proteção judiciais, entre outros, além de buscar anular a condenação e pedir retratação e indenização a Rubens Valente.
Em mar.2022, o relator especial para Liberdade de Expressão da CIDH, Pedro Vaca, e a presidente da CIDH, Julissa Mantilla Falcón, receberam, em Washington, o jornalista Rubens Valente e as organizações peticionárias, que reforçaram a importância do caso para a liberdade de imprensa no Brasil, além de atualizar os fatos desde a petição.
Nova atualização foi enviada à CIDH nesta segunda-feira, 9.mai.2022, informando que a decisão do juiz de cobrar solidariamente o jornalista sobre a dívida não assumida pela editora não foi revista pelo juiz da 15ª Vara Cível do TJDFT.
No dia 5.mai.2022 foi tornada pública a demissão do jornalista Rubens Valente que trabalhava como repórter especial do portal de notícias UOL. Desde 2020, quando ingressou no veículo, Valente publicou 533 matérias, além de ser ganhador de 20 prêmios nacionais e internacionais e autor de dois livros. O alegado motivo do desligamento foram razões financeiras.
Este novo fato traz ainda mais complicações ao jornalista que deve fazer frente a uma condenação de aproximadamente R$ 310 mil. Com ajuda de amigos e do Sindicato dos Jornalistas do DF foi organizada uma campanha on-line de arrecadação de fundos para colaborar no pagamento da dívida, como divulgado pelo Congresso em Foco.
A campanha recebe doações por meio de PIX com a chave aleatória, segundo informações abaixo:
Chave aleatória: a45ad0a9-22ef-4d20-8bd0-f756f6e7cc76
Histórico do processo
Além da velocidade, há detalhes controversos no julgamento do processo. Rubens Valente afirma não ter sido ouvido e que nem sequer foram aceitas perícias independentes sobre a autenticidade do material publicado.
Em fev.2021, o ministro Alexandre de Moraes julgou em nove dias o caso e negou seguimento a um pedido em que o jornalista questionava a indenização por danos morais, ou seja, o processo não seria mais apreciado pelo colegiado. A defesa de Valente então entrou com o recurso.
Antes mesmo de conversar com os ministros e terem tempo de viajar para Brasília, os advogados foram informados de que a decisão havia sido tomada.
Rubens Valente defende que, em casos delicados envolvendo magistrados como autores de ações, especialmente os que representam a mais alta corte jurídica do país, é preciso um cuidado maior para garantir a lisura e equidade do processo.
Em fev.2019, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça fixou o valor da indenização em R$ 30 mil, que deveriam ser pagos a Gilmar Mendes por Rubens Valente e a Geração Editorial. No acórdão condenatório, o desembargador relator, Hector Valverde, escreveu que o colunista “ultrapassou a informação de cunho objetivo, havendo adjetivação e utilização de frases ofensivas à honra do apelante, mormente em virtude da tentativa de desclassificação de sua atuação no exercício da magistratura”.
A decisão do STJ seguiu o entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que, em set.2016, em decisão da 6ª Turma, condenou, de forma unânime, Rubens Valente a pagar indenização de R$ 30 mil “por distorcer acontecimentos e praticar ofensas contra o magistrado na obra”.
Uso da jurisprudência do caso
Até dez.2021, o STJ já havia julgado quatro processos citando a jurisprudência da condenação de Valente. Além disso, outros 10 julgamentos em diversos tribunais do país adotaram a jurisprudência do caso do jornalista como parâmetro, inclusive para cálculo de reparação de danos morais em outros temas.
Ações movidas por magistrados
A partir do banco de dados do projeto Ctrl+X, da Abraji, foram encontrados 60 processos judiciais de retirada de conteúdo propostos por magistrados, sendo que em 81,6% deles o pedido foi concedido. O ministro Gilmar Mendes moveu ao menos 11 ações judiciais contra jornalistas pedindo indenizações por danos morais.