- 28.03
- 2024
- 14:30
- Laura Toyama
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Abraji lança relatório de Monitoramento de Ataques Gerais e Violência de Gênero
Na última terça-feira (26), a Abraji organizou um encontro on-line que marcou o lançamento do novo relatório do Monitoramento de ataques gerais e violência de gênero. Os números são relativos ao ano de 2023 e acompanham análises sobre o cenário da liberdade de imprensa no Brasil, abordando questões como violência política, on-line e de gênero. No ano passado, foram registrados 330 ataques aos jornalistas, numa redução de 40,7% em relação ao último ano do governo Bolsonaro (557 ataques).
Os dados foram apresentados pela pesquisadora Rafaela Sinderski, responsável pelo monitoramento da Abraji. Sinderski aponta que mudanças na natureza dos ataques e diminuição dos casos não representam, necessariamente, um contexto mais seguro para a imprensa. “É preciso questionar se o cenário está melhorando ou o padrão de violência que está mudando”, comentou. Também participaram da discussão as jornalistas Daniela Lima, âncora da GloboNews, Marina Dias, repórter do Washington Post, e Sarah Teófilo, repórter d’O Globo e diretora da Abraji, mediadora da conversa. O debate está disponível neste link.
Seguindo a tendência estabelecida nos anos anteriores, predominaram, em 2023, os discursos estigmatizantes contra trabalhadores e trabalhadoras da imprensa, representando 47,2% dos ataques registrados. Este tipo de agressão está ligada a estratégias de descredibilização da imprensa, comumente iniciadas, incitadas e propagadas por atores políticos nos últimos anos, sobretudo em ambientes digitais. Cerca de 52,1% dos casos coletados no ano aconteceram on-line, especialmente aqueles direcionados a mulheres, que têm grande repercussão nas redes.
Sarah Teófilo fez questão de pontuar a distinção entre crítica e ataques sistemáticos aos jornalistas. “Existe diferença entre a crítica a um erro por exemplo, ou a um espaço que um jornal não deveria ou deveria ter dado, e à transformação de tudo em um ataque à imprensa com um objetivo final [de minar a credibilidade]“.
A institucionalização da violência contra a imprensa também foi um importante ponto de atenção na interpretação dos dados. Ao longo dos últimos quatro anos, atores estatais foram os autores da maioria dos ataques: em 2023, estiveram envolvidos em 55,7% dos casos. Além disso, a proporção de agressões físicas aumentou, alcançando 38,2%, contra os 31,2% de 2022. Os atos antidemocráticos ocorridos em 8.jan.2023 tiveram reflexo direto nesses resultados, já que muitos jornalistas foram atacados durante a cobertura do episódio, sofrendo violência física, ameaças, intimidações e destruição de seus equipamentos. Como consequência, o Distrito Federal figura como principal palco do total de ataques, em 2023.
“A maioria dos agressores são agentes estatais. Isso é muito grave, principalmente quando são agentes políticos eleitos, que passaram pelo processo democrático, estão inseridos nesse contexto, e ainda assim se dedicam a atacar um pilar da democracia, que é a imprensa livre e independente”, afirma Rafela Sinderski.
Violência de gênero contra jornalistas
O contexto de violência sistemática contra mulheres e pessoas LGBTQIA+ no Brasil faz com que seja fundamental considerar questões de gênero na análise e registro dos ataques. Desde 2021, a Abraji realiza o monitoramento da Violência de gênero contra jornalistas, projeto que começou com o patrocínio do Global Media Defense Fund da UNESCO, mas se tornou uma iniciativa independente a partir de 2022. O projeto identifica quando as agressões a pessoas jornalistas envolvem sexualidade, identidade de gênero e estereótipos opressivos que orbitam esses temas.
Em 2023, foram registrados 82 ataques ligados a gênero (43,4% a menos que no ano anterior, quando se registrou 145 casos). Desses, 32 são ataques explícitos com ofensas e/ou atos claramente machistas, homofóbicos, bifóbicos ou transfóbicos; questionamento de capacidades; atos de violência sexual; e formas diferenciadas de violência laboral e digital. Em 20% dos ataques a mulheres jornalistas, elas foram alvos de atos explicitamente machistas, transfóbicos e/ou misóginos.
Todos os dados foram coletados a partir de uma metodologia transparente e replicável, compartilhada por organizações de 17 países da América Latina e Caribe, que integram a rede Voces del Sur (VdS). Desde 2019, a Abraji faz o levantamento dos casos nesse molde, o que permite comparar, ano após ano, a situação da liberdade de imprensa entre os países integrantes e relacionar os casos com contextos políticos e sociais de cada região. Em 2022, a VdS também incluiu a perspectiva de gênero em seu monitoramento, estendendo essa análise para todos os seus países-membros. A inclusão se deu pela criação do 13º indicador de agressão para violência sexual, além da categoria transversal de ataque motivado pelo gênero.
Depoimentos das jornalistas convidadas
No encontro on-line, transmitido ao vivo pelo canal da Abraji no YouTube, as jornalistas convidadas compartilharam relatos pessoais para ilustrar o cenário da violência – on-line, política e de gênero – no jornalismo. Entre os temas abordados, destacaram-se questões sobre o cenário político e sua grande influência na naturalização desses casos.
Daniela Lima, âncora da GloboNews, comentou sobre a demonização da imprensa como projeto político, sobretudo durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Também falou sobre a forma com que as mulheres jornalistas sofrem as consequências diretas da misoginia intrínseca a esse projeto. “O piso do ataque à imprensa ficou muito alto, está muito perto do limite”, diz ela, ao relatar a normalização deste tipo de violência. Daniela também comentou que, apesar da diminuição dos casos em 2023, após a mudança na liderança do país, “a sensação de segurança é diferente da segurança efetiva”, pois o campo progressista também conta com autores de ataques à imprensa, apesar de não serem mais incitados pela figura do presidente da República, como aconteceu no governo anterior.
Marina Dias também comentou a questão, enfatizando que atores políticos têm o poder de legitimar, ou não, as agressões a jornalistas. Para ela, por mais que a violência ainda exista, a troca de liderança alterou o tratamento à imprensa e os ataques não aparecem mais da mesma forma e intensidade. A jornalista compartilhou as agressões que sofreu enquanto cobria os atos antidemocráticos de janeiro, quando foi encurralada e fisicamente agredida por manifestantes bolsonaristas, além de ouvir ofensas machistas de seus agressores – o que indica clara violência de gênero. “Naquele momento, esses agressores estavam cobertos pela capa da impunidade, muito por se espelharem no líder que esteve sentado na cadeira presidencial”, contou.