- 10.11
- 2010
- 12:56
- Guilherme Balza - Do UOL Notícias - 8/11/2010
Abraji e Transparência Brasil se retiram de seminário do Arquivo Nacional e acusam órgão de censura
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a organização Transparência Brasil cancelaram a participação no seminário organizado pelo Memórias Reveladas --órgão subordinado ao Arquivo Nacional-- para tratar do direito ao acesso a documentos públicos. As entidades argumentam que o órgão impede ou dificulta o acesso a documentos do período da ditadura militar.
O projeto Memórias Reveladas foi criado em 2009 por Dilma Rousseff, à época ministra-chefe da Casa Civil, para facilitar o acesso a esse tipo de documentação. “A instituição [Arquivo Nacional] tem agido de forma incompatível com a própria motivação do seminário em questão”, afirmou Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da Transparência Brasil, em carta enviada ao diretor-geral do Arquivo Nacional.
O estopim para a retirada das entidades do seminário foram as denúncias feitas pelos historiadores Jessie Jane Vieira e Carlos Fico, que ocupavam, respectivamente, os postos de presidente e vice-presidente do Comissão de Altos Estudos do Memórias Reveladas.
Na semana passada, ambos pediram o desligamento da instituição. De acordo com eles, o Arquivo Nacional estava restringindo o acesso a documentos da ditadura militar sob a alegação de que jornalistas estariam fazendo uso indevido das informações, buscando dados de políticos envolvidos na campanha eleitoral.
Segundo Carlos Fico, o fato foi presenciado por uma orientanda sua na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que não conseguiu obter acesso aos documentos que procurava. Jane Vieira afirma também que o projeto se desvirtuou da sua ideia original e passou a burocratizar o acesso aos documentos.
O coordenador-geral do Memórias Reveladas e presidente do Arquivo Geral, Jaime Antunes da Silva, negou que haja censura ou uma política de restrição ao acesso dos documentos. Segundo ele, o que houve no episódio da orientanda foi uma tentativa de agilizar o acesso aos dados que acabou sendo interpretada como uma restrição.
Para o jornalista Fernando Rodrigues, presidente da Abraji e colunista do UOL e da Folha de S. Paulo, a falta de transparência no acesso a informações públicas é um traço da cultura brasileira e reflete a incipiência da democracia no país.
“Vigora no Brasil a cultura da opacidade. Na dúvida [se pode divulgar um documento], o agente público decide não divulgar”, afirma. “A democracia no Brasil é uma criança ainda. É natural que ocorram esses solavancos. Mas esse e outros defeitos ainda podem ser corrigidos”, diz.
Arquivos de Dilma Rousseff
Além dos questionamentos feitos ao projeto Memórias Reveladas, a Abraji e a Transparência Brasil criticam o bloqueio que Carlos Alberto Marques Soares, presidente do Superior Tribunal Militar (STM), impôs aos documentos dos processos envolvendo a presidente eleita Dilma Rousseff, que ficou presa durante a ditadura militar por cerca de três anos.
Em março, Soares ordenou que os arquivos que envolviam Dilma e outros candidatos fossem ser guardados no cofre do STM. "Não quero uso político [do STM]. Não vou correr risco no período eleitoral", afirmou Soares à Folha de S. Paulo, em agosto deste ano.
O jornal, então, protocolou mandado de segurança para ter acesso aos autos do processo que envolvem Dilma. O julgamento chegou a ser iniciado, mas teve de ser suspenso devido a um pedido de vista da AGU (Advocacia Geral da União). “Não se pode questionar o uso de documentos públicos. Isso é censura”, afirma Weber Abramo.
Na ocasião, a ministra Carmen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), classificou a medida de "censura prévia", mas arquivou o pedido do jornal para que os arquivos fossem liberados, sob o argumento de que o Supremo deveria esperar terminar o julgamento no STM.
Lei para garantir o acesso
A Abraji e a Transparência Brasil defendem a aprovação de uma lei que garanta o acesso a documentos e informações públicas. Atualmente, tramita no Senado o projeto de lei 41/10, que reduz os prazos de sigilo de documentos e informações consideradas reservadas, secretas e ultrassecretas e estabelece procedimentos para acesso a esses dados por qualquer cidadão.
A medida precisa ainda ser analisada em quatro comissões do Senado antes de ser votada em plenário. “A constituição garante o direito de acesso à informação e o dever do Estado de dar publicidade aos seus atos. Ocorre que esses direitos e deveres não são regulamentados. A legislação é importante para regulamentar o acesso e estabelecer mecanismos e punições”, afirma o coordenador da Transparência Brasil.
Para Fernando Rodrigues, a lei também ajudaria a impulsionar uma mobilização na sociedade para exigir o direito às informações públicas. “A sociedade precisa abraçar a causa. A população não tem isso como um valor seu do dia-a-dia. É uma situação mais complexa do que apontar defeitos na administração pública”, diz.