Abraji e Farol lançam especial sobre as apostas para o jornalismo brasileiro em 2021
  • 15.12
  • 2020
  • 13:06
  • Abraji

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Abraji e Farol lançam especial sobre as apostas para o jornalismo brasileiro em 2021

Pressionado pela maior crise sanitária dos últimos cem anos e pelo acirramento dos ataques à liberdade de expressão, o jornalismo conseguiu se fortalecer em 2020. Essa é a análise dos nove jornalistas e pesquisadores brasileiros convidados pela Abraji e Farol Jornalismo sobre o ano que se encerra nas próximas semanas. No anuário “O Jornalismo no Brasil em 2021”, lançado hoje (15.nov.2020), os especialistas apostam na necessidade de uma imprensa mais combativa, plural e antirracista, que reafirme seu papel como pilar da democracia, em um país atravessado pelo racismo estrutural.

Os desafios não cessaram, porém, em relação à crise do modelo de negócios e à desinformação, citadas em edições anteriores. Há de se observar como a contestação às empresas de tecnologia afetará jornais e revistas. Além disso, dificuldades nem tão novas se agravaram com a crise sanitária: a precarização do trabalho e a qualidade da saúde mental dos profissionais de imprensa. De acordo com o texto do jornalista Moreno Osório que abre a edição publicada no Medium, são todos movimentos duros de se reverter.

Ao analisar um dos nichos que mais ganhou espaço em 2020, a Editora de Ciências do Jornal da USP, Luiza Caires, especula que o jornalismo científico brasileiro em 2021 será mais investigativo. Por isso, terá de se familiarizar e recorrer a práticas de outras áreas. Para Caires, um bom jornalista de ciências deve ir além de transformar informações complexas da biologia, ciências exatas e humanas em notícias compreensíveis, em um cenário de avanço do negacionismo científico. “Precisa entender como essas notícias conversam com o ambiente político e social da atualidade”, escreveu.

Na perspectiva de Débora Prado, da entidade em defesa da liberdade de expressão Artigo 19, o jornalismo acaba por tensionar ideias sobre o cunho ético da profissão, ao assumir um lado, ainda que seja o da defesa da ciência e dos direitos humanos. “Em parte, as hostilidades sofridas pela profissão podem ser explicadas por apropriações às vezes simplistas, às vezes desonestas, de valores como neutralidade e imparcialidade. Assim, a escalada de ataques deve continuar no próximo ano”, projeta. A resposta pode estar em um jornalismo mais diverso, segundo ela.

Pedro Borges, fundador do site Alma Preta, sublinha a importância do jornalismo local, periférico e negro na contínua construção da credibilidade do jornalismo junto ao seu público. “Em 2021, a experiência positiva de coletivos de comunicadores negros e das periferias durante a pandemia pode inspirar o surgimento de outros grupos de jornalistas (ou não) nos territórios, que poderiam levar informação de qualidade aos desertos de notícia”.

A professora e pesquisadora Cleidiana Ramos identifica a emergência de discursos antirracistas também nas redes sociais. Ela recorda da pressão que desencadeou a mudança do quadro de apresentadores do programa Em Pauta, da GloboNews. Segundo Ramos, em 2021, essa dinâmica deve se intensificar, “beneficiando-se da intersecção crescente entre o campo jornalístico e outras formas de comunicação nativas do ambiente digital. Em especial, merecerá atenção sua potencialidade para pautar mídias tradicionais.”

Essa discussão é ampliada por Caê Vasconcellos, do site Ponte Jornalismo. De acordo com o jornalista, “vivemos em uma sociedade construída em cima do sexismo, da LGBTfobia e do racismo”. Para a cobertura jornalística ser de fato inclusiva em 2021, “os jornalistas precisam entender que a diversidade só pode ser feita com mulheres e homens trans, travestis, pessoas não-binárias, intersexo e agêneras. O jornalismo em 2021 precisa entender que a diversidade só pode ser feita com pessoas negras e periféricas”.

Como veículos e coletivos independentes podem atingir a sustentabilidade financeira é outra discussão fundamental, em um mercado digital dominado pelas Big Techs. O fundador da Novelo Data, Guilherme Felitti, afirma que cabe ao jornalismo encontrar um equilíbrio capaz de manter a independência necessária para sua afirmação. Para o cientista de dados, “a concentração de poder e dinheiro na mão de poucas empresas de tecnologia atingiu diretamente o jornalismo não apenas por desmontar o modelo de negócio, mas também por introduzir incontáveis armadilhas travestidas de bóias de salvação”.

Após a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) entrar em vigência neste ano, Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da Open Knowledge Brasil, aposta no equilíbrio para atuar na encruzilhada entre a transparência e a proteção de dados. “Com os esforços de cobertura da pandemia de Covid-19, 2020 ensinou que o jornalismo pode ser a força-motriz para reverter retrocessos de transparência e alavancar a abertura de dados”, escreve. Campagnucci salienta que esse processo deve se expandir a outras áreas além da Saúde.

Em decorrência da pandemia, o isolamento também ceifou um dos principais ativos da prática profissional: a observação in loco. Além disso, o longo período de quarentena levou os jornalistas a trabalhar em casa. Segundo a presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, o home office escancarou o conhecido processo de precarização da profissão. “Para que se mantenha e se intensifique a revalorização do jornalismo pelo público, ocorrida durante a pandemia, e para garantir a qualidade do jornalismo em 2021, é preciso valorizar o profissional jornalista”, declarou.

A crise sanitária tornou clara ainda a relação direta entre a qualidade do trabalho nas redações e a saúde mental dos jornalistas. Para Guilherme Valadares, diretor de pesquisa no Instituto de Pesquisa & Desenvolvimento em Florescimento Humano e fundador do site Papo de Homem, o bem-estar psíquico dos profissionais de imprensa deverá estar no centro da pauta. “Jornalistas exaustos, deprimidos, ansiosos, sobrecarregados e insones narram um mundo atravessado por essa paisagem emocional”, avalia.

Assinatura Abraji