- 12.03
- 2019
- 12:12
- Abraji
Liberdade de expressão
Abraji condena tentativa judicial para criminalizar entrevistas e o off the record na Argentina
O juiz federal de Dolores, na província de Buenos Aires, Alejo Ramos Padilla, apontou na primeira semana de mar.2019 os jornalistas argentinos Daniel Santoro, Rodrigo Alegre, Eduardo Feinmman e Rolando Graña como sendo parte de um suposto plano de extorsão ou de supostas manobras de inteligência ilegais, em um caso no qual Marcelo D'Alessio é investigado pelos mesmos delitos.
Os jornalistas realizaram diferentes entrevistas em dezembro de 2018 com o ex-diretor da PDVSA Argentina, Gonzalo Brusa Dovat. O juiz suspeita de que essas entrevistas fizeram parte de uma trama de extorsão, já que o contato entre o entrevistado e os jornalistas foi feito por meio de D'Alessio, acusado por Ramos Padilla do delito de extorsão. Nesse mesmo caso aparece como acusado o fiscal federal de Buenos Aires, Carlos Stornelli, encarregado de importantes investigações sobre corrupção.
O ato do juiz é uma grave tentativa de criminalizar as entrevistas e o sigilo profissional dos jornalistas, garantido pela Constituição argentina. Entre os jornalistas afetados pela resolução judicial, está o prestigiado Daniel Santoro (foto), autor de investigações premiadas na América Latina e no mundo.
É imprescindível dizer que, durante o exercício da profissão, jornalistas realizam entrevistas com várias fontes, mantendo contato permanente com elas, por meio de reuniões, telefonemas, emails e trocas de mensagens. Esse processo não implica delito ou a participação de colegas em um mecanismo de extorsão, como sugere a resolução citada. Ao contrário. Trata-se de prática profissional que o próprio magistrado reconhece e diz respeitar, mas que estaria criminalizando em sua decisão.
Por outro lado, é preciso salientar que os jornalistas não podem nem devem ser confundidos com suas fontes. Da mesma forma, a realização de entrevistas não deve ser entendida como um ato criminoso. Jornalistas estão expostos ao erro durante o exercício profissional e podem inclusive ser enganados por suas fontes, apesar da relação de confiança que possam ter construído com elas, como parece ser o caso em questão. No entanto, os erros que um trabalhador comete nesse sentido não deveriam ser considerados responsabilidade do jornalista, pois isso seria contrário à Doutrina da Verdadeira Malícia, vigente na jurisprudência argentina.
A posição do juiz não tem precedentes na justiça argentina, chocando-se abertamente com o direito dos jornalistas de entrevistar pessoas vinculadas a interesses públicos, colocando em risco o sigilo da fonte garantido pela Constituição argentina, e podendo gerar autocensura, limitar a descoberta de atos de corrupção e, consequentemente, afetar a liberdade de expressão.
Subscrevem esse comunicado:
Organizações
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Brasil)
Foro de Periodismo Argentino (Argentina)
Fundación Andina para la Observación y Estudio de Medios (Equador)
Fundamedios USA
Instituto de Prensa y Libertad de Expresión (Costa Rica)
Instituto Prensa y Sociedad (Peru)
Instituto Prensa y Sociedad Venezuela
Sociedad Interamericana de Prensa
Jornalistas
Ginna Morelo, jornalista e editora colombiana
Rosental C. Alves, diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas