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Abraji celebra uma década com muitos planos

 

Publicado em 16 de novembro de 2012, no Portal dos Jornalistas.

 

A Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo prepara um evento internacional para celebrar seus dez anos de fundação. Será no dia 10/12, às 9h30, no auditório Freitas Nobre do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP, mesmo lugar onde tudo começou.

Naquele ano de 2002, no seminário Jornalismo investigativo: ética, técnicas e perigos, 140 jornalistas decidiram criar uma instituição para trocar experiências e buscar melhoria da qualidade do jornalismo.

Este ano, Rosental Calmon Alves, do Centro Knight de Jornalismo nas Américas, da Universidade do Texas, e que organizou aquele encontro, virá ao Brasil especialmente para a data. Lá estarão também todos os ex-presidentes da Associação, Marcelo Beraba, Angelina Nunes, Fernando Rodrigues e o atual, Marcelo Moreira.

Na memória e no arquivo da Abraji está o clipping com as notas do Jornalistas&Cia, o primeiro a noticiar o surgimento da entidade, quando ainda sequer tinha nome. E agora, mais uma vez J&Cia e Abraji se unem, no Projeto 1.000 em 1.

Nele, cem duplas de estudantes de Jornalismo vão entrevistar, durante um ano, autores de mil matérias premiadas sobre o processo de realização de suas reportagens vitoriosas. Os entrevistados estão sendo escolhidos com base no ranking Os mais premiados jornalistas brasileiros de todos os tempos, realizado por Jornalistas&Cia, com apoio metodológico do Instituto Corda.

O resultado do projeto será a produção de mil vídeos de dez minutos cada com o making of das matérias selecionadas. Essa ideia de Angelina Nunes, de O Globo, e Marcelo Soares, da Folha de S.Paulo, com Sérgio Gomes, da Oboré, tem como propósitos gerar um material didático de alta qualidade para uso em universidades de todo o Brasil (mil aulas práticas, às quais estudante algum teria acesso de outro modo) e estabelecer uma ligação entre renomados profissionais do mercado e as universidades.

 

Entrevista com Marcelo Moreira: Da dor do nascimento ao prestígio internacional

Nesses dez anos, a Abraji contabilizou a presença de mais de cinco mil profissionais ou estudantes em 133 eventos: sete congressos, 19 seminários, 55 cursos presenciais, 43 cursos online, e nove palestras.

Em 2012, a 7ª edição do Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo teve mais de 900 participantes, de 25 Estados brasileiros e da Europa, África e América Latina. Marcelo Moreira, o presidente da Abraji, falou a Cristina Carvalho, editora de Jornalistas&Cia no Rio de Janeiro, sobre a trajetória e o futuro da entidade. Acompanhe:

 

Jornalistas&Cia – Parabéns pelo aniversário!

Marcelo Moreira – Estamos muito felizes, temos muito o que comemorar. Vemos a Associação respeitada, produzindo ferramentas importantes para os jornalistas brasileiros, reconhecida por todos: jornalistas, empresas, outras associações.

 

J&Cia – Você fez parte do grupo que, em 2002, criou a Abraji. Pode relembrar para nós como foi?

Marcelo – Nossas conversas começaram naquele período do desaparecimento de Tim Lopes. Eu era o chefe de Reportagem dele na TV Globo, o [Marcelo] Beraba era muito amigo, o Rosental [Calmon Alves] veio do Texas ao Rio para se unir ao nosso desespero. Primeiramente, queríamos encontrá-lo; depois que soubemos da morte, queríamos fazer justiça. Montamos um grupo de discussão no Sindicato (dos Jornalistas do Município do Rio). O Aziz [Filho] estava lá, o Nassif [Elias] era o presidente, muitos outros. Assim nasceu o Núcleo Tim Lopes, que fez manifestações, e foi lançada uma semente. Precisávamos nos reunir em uma associação. A primeira deste tipo no mundo foi a IRE – Investigative Reporters and Editors, criada em situação semelhante. Um repórter do Arizona investigava uma máfia e foi assassinado. Os jornalistas da região se uniram para concluir a matéria em mutirão e provar que, quando se cala um jornalista, não se cala a imprensa. Beraba tinha contatos no México, com o Centro de Periodismo de Investigación. Era um momento favorável. Do encontro em São Paulo foi feita uma ata propondo a fundação de uma associação, considerado o primeiro documento oficial da Abraji, e não tinha nem nome. Beraba foi eleito o primeiro presidente. Apesar de fazer parte das conversas desde o início, não fui a essa reunião, eu estava trabalhando. Depois dele, presidiram Angelina Nunes e Fernando Rodrigues. Dali, a Abraji organizou um seminário maior em Londrina, outro em Fortaleza. A ideia era fazer encontros regionais, levando para todo o Brasil o conceito do jornalismo investigativo. Isso foi antes dos primeiros grandes congressos que a Abraji realizou.

 

J&Cia – Como é hoje a estrutura da entidade?

Marcelo – Temos o escritório de São Paulo, o diretor executivo é Guilherme Alpendre e a gerente executiva Marina Atoji. Tínhamos uma colaboradora, Veridiana Sedeh, mas ela foi estudar na França e de lá nos ajuda. Este ano, por exemplo, representou a Abraji em um congresso da Unesco em Londres. Fora a equipe de São Paulo, as pessoas atuam na Abraji voluntariamente, todos têm seu trabalho nas empresas. A Abraji é fruto do esforço de uma equipe que continua dando sua contribuição. Quem foi diretor ou conselheiro continua sempre em contato.

 

J&Cia – Como a entidade se mantém?

Marcelo – Nosso orçamento se compõe basicamente das anuidades dos sócios. São quatro mil, nem todos ativos pagantes, e a proporção aumenta por ocasião dos congressos. Temos projetos com apoio de fundações como Open Society e Ford. Os congressos, patrocinados, são hoje nossa maior fonte de renda. Dessa receita, 80% vêm das grandes empresas de mídia.

 

J&Cia – A Abraji é uma entidade muito respeitada. A que você atribui essa percepção no meio jornalístico?

Marcelo – Isso se deve muito às pessoas que fazem parte dela. São jornalistas reconhecidamente éticos, com carreiras estabelecidas: Beraba, Fernando Rodrigues, José Roberto de Toledo, Chico Otávio... Nosso estatuto foi formado de maneira a ser o mais ético possível. Não aceitamos dinheiro público, procuramos ter no Conselho representantes do Brasil todo. Do ponto de vista institucional, eu destacaria dois pilares. Um foi o trabalho para aprovação da Lei de Acesso à Informação Pública, que criou instrumentos para os jornalistas praticarem a investigação. O Brasil hoje faz parte do grupo de países que têm essa lei, e por esse trabalho a Abraji ganhou o Prêmio Liberdade de Imprensa da ANJ. Outro é o esforço para dar mais segurança à atividade. Demos um passo à frente para implantar uma cultura sólida de segurança. A Abraji foi criada em um momento de trauma com a morte de Tim Lopes. Sem ignorar o risco inerente ao nosso trabalho, é preciso ter jornalistas preparados para entender e enfrentar esse risco. Um dos nossos maiores orgulhos é a melhoria da qualidade do jornalismo investigativo no Brasil. Fizemos sete congressos, que crescem a cada ano em número de participantes e de palestrantes, trazendo nomes importantes, e são cada vez mais plurais. A questão da nomenclatura do investigativo é muito ampla. Toda reportagem pode ser considerada investigativa – no esporte, na economia, até na cultura, se você se dispõe a levantar dados sobre essa área.

 

J&Cia – O que considera importante na sua gestão?

Marcelo – Foi um ano difícil, mas importante. A Abraji ajudou a formular um documento, a pedido do governo brasileiro, entregue há dois meses, com sugestões para maior segurança dos jornalistas. Uma delas foi a federalização dos crimes contra os jornalistas, em lei semelhante à que já existe no México e na Colômbia, e faz com que esse tipo de crime não seja tratado como uma questão local, mas do Governo Federal, envolvendo a Polícia Federal e outros órgãos. Precisamos valorizar a memória de Tim Lopes. Saber que a morte de um jornalista foi trágica, mas criou uma nova era no Brasil, de mais segurança nesse trabalho. Este ano houve cinco mortes associadas ao jornalismo. O Brasil está encostado no México, que todos consideram um país perigoso, e só perde para a Síria e a Somália. Desde 2011 temos uma parceria com o INSI – International News Safety Institute, que resolveu ampliar sua atuação no Brasil por entender que é um país de risco para os jornalistas.

J&Cia – E o que falta fazer?

Marcelo – Um excelente congresso. No ano que vem, a Abraji vai realizar, de 12 a 15/10, na PUC-RJ, um dos maiores encontros de jornalistas do mundo, a Conferência Global de Jornalismo Investigativo, que reunirá três dos principais eventos da área: o Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, da Abraji; a Conferencia Latinoamericana de Periodismo de Investigación, do Ipys – Instituto Prensa y Sociedad; e a Global Investigative Journalism Conference, sempre realizada na Europa e que pela primeira vez será sediada em outro continente. Também formar treinadores no Brasil inteiro. É um sonho antigo nosso ter brasileiros preparados para disseminar esse conhecimento de trabalhar com mais segurança, porque os estrangeiros são muito qualificados, mas não conhecem a realidade daqui. Nosso projeto tem um cronograma e pretendemos atingir 240 jornais. E, ainda, ampliar a estrutura em São Paulo para desenvolver mais projetos; hoje a equipe é muito enxuta, o escritório precisa de mais pessoas. Reformular o site, para ter não apenas informações sobre a Abraji, mas um banco de reportagens investigativas para que qualquer um, de qualquer ponto do País, possa ver o que já foi feito. Na Abraji, os jornalistas fazem isso por idealismo, porque acreditam, doam seu tempo. Esta é a razão no nosso bom desempenho. Espero que essa garra continue e a Abraji possa comemorar muitos outros dez anos.

 

Por: Eduardo Ribeiro e Cristina Vaz de Carvalho

 

Assinatura Abraji