• 14.07
  • 2005
  • 12:49
  • MarceloSoares

À margem do rio e da sociedade

MARCOS FERREIRA DOS SANTOS e TATIANE CONCEIÇÃO - REPÓRTER DO FUTURO

No mundo conturbado dos correspondentes de guerra, as fronteiras constituem pontos de tensão a ser relatada. Quando pensamos neste trabalho jornalístico, não há como não lembrar dos curdos na região entre o Iraque e a Turquia, dos interesses em jogo na fronteira do Brasil com a Colômbia ou do perigo nuclear entre os vizinhos Índia e Paquistão. As fronteiras, no entanto, também mereceriam destaque na cobertura local de cidades, embora poucas vezes isso acabe acontecendo.

Foi o que percebemos em nossa ida ao Jardim Maria Sampaio, na região da divisa entre São Paulo (distrito do Campo Limpo) e Taboão da Serra. Em nossa cobertura do ponto final da linha municipal 7392 (que sai da Estação da Luz), descobrimos que um dos principais fatores de problema para aquela comunidade é o córrego Pirajussara. Devido à intensa e mal-planejada urbanização da área, as águas, que dividem politicamente os dois municípios, estão poluídas. Por isso representam ameaça à saúde e à moradia da população do entorno.

Durante as intensas chuvas do último dia 24 de maio, o Pirajussara encheu, o piscinão da área não comportou toda a vazão recebida e a água avançou por algumas ruas. Casas de ambos os lados encheram. Numa favela do jardim Maria Sampaio, metade da casa de uma mulher foi tragada pelo rio. Ninguém morreu ou se feriu. Cláudio Amaro, vizinho da casa, disse que sua dona mudara para Taboão, e os restos da casa estavam à venda por 300 reais.

O problema da enchente aumenta com o lixo que entope as bocas de lobo. Lucas de Paula, pai de uma menina de três anos, morador do Jardim Iracema –na parte da divisa que pertence a Taboão -, nos contou que a rua onde mora encheu. Mas sua casa não chegou a ficar alagada, por causa do piscinão. Alívio compartilhado por Cláudio, que no entanto confessou não estar muito certo sobre a segurança de sua residência.

A população do Jardim Iracema, em Taboão, enfrenta precariedades maiores que seus vizinhos do jardim Maria Sampaio. Do lado paulistano da fronteira, existem duas escolas grandes – a EMEF Fagundes Varela, de ensino infantil, e a escola estadual Hugo Lacorte Vitale, que atende 3000 alunos, desde a 1ª série até os cursos supletivos. O Hugo, como o grupo escolar é chamado pelos entrevistados, oferece ainda cursos e espaço para lazer aos finais de semana, dentro do programa Escola da Família.

O atendimento à saúde na região do Campo Limpo conta com o Arrastão. Trata-se de ONG que, em parceria com a prefeitura na área médica, atua há anos num local distante quatro pontos de ônibus do ponto final do jardim Maria Sampaio. Para lá as pessoas se dirigem para consultas e tratamentos preventivos.

No bairro vizinho de Taboão, do outro lado do Pirajussara, faltam creches e postos de saúde. Lucas de Paula disse que os prefeitos de Taboão pouco fazem pelo jardim Iracema, além de jogar para São Paulo a responsabilidade pelo córrego Pirajussara. Segundo ele, muitos moradores dali acabam arrumando endereços emprestados em São Paulo (com conhecidos do bairro vizinho) para poder acessar equipamentos públicos melhores, como as escolas do outro lado da fronteira.
Assinatura Abraji