- 19.06
- 2008
- 14:58
- Alunos de jornalismo do UNI-BH
3º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo - eixo cobertura policial
Cobertura das palestras sobre cobertura policial feita por alunos de jornalismo do UNI-BH durante congresso realizado em Belo Horizonte - maio de 2008
Novos desafios para a cobertura policial
Henrique Naves
A palestra ministrada por Sílvia Ramos (Cesec) e por Bernardino Furtado (Estado de Minas) fez a constatação de que a cobertura policial no Brasil, apesar de já ter melhorado, ainda é muito precária se comparada a cobertura econômica, por exemplo.
Em “Novos desafios para a cobertura policial”, Sílvia, que é cientista social, contou como foi desenvolvida a idéia do livro “Mídia e Violência”, que escreveu com Anabela Paiva. Segundo ela, era importante conhecer exatamente como ocorriam as coberturas de criminalidade e segurança pública no Brasil. “Nós sabíamos que a cobertura estava mudando e que precisávamos pesquisar sobre ela, mas ninguém sabia como fazer”, relata Sílvia.
A solução encontrada foi fazer uma espécie de “anatomia” do modo com que ocorriam essas coberturas no Brasil. Para isso, convidaram vários jornalistas renomados, como os diretores da Abraji Fernando Molica e Marcelo Beraba, para ajudá-las a fazer o diagnóstico.
Com o trabalho, levantaram alguns dados importantes. Em uma apresentação de data show, Sílvia mostrou que 50.000 pessoas são assassinadas por ano no Brasil, o topo do mundo em termos de homicídios. Esses assassinatos se concentram enormemente de acordo com faixa etária (maioria na faixa de 15 a 24 anos), classe social e áreas (favelas, por exemplo). E é esse o motivo pelo qual todos acordaram tarde para o problema, já que, estando concentrados entre “pobres, negros e moradores de favela”, poucos dispensam a devida importância.
“A mídia exagera? Não. Os índices é que são exagerados” completou Sílvia Ramos. Ela apresentou, então, o desafio atual dos jornalistas que fazem coberturas policiais: incluir personagens que participam ativamente da realidade. Bernardino Furtado acrescentou, então, que outros grandes desafios são rejeitar a causa mortis “briga de traficantes” e não priorizar os crimes, mas a criminalidade.
Como cobrir política de segurança pública
Bruno de Melo
O primeiro palestrante foi Robson Sávio R. Souza, especialista em segurança pública e membro do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, entidade vinculada à Universidade Federal de Minas Gerais.
Ele falou sobre as razões do aumento da criminalidade a partir dos anos 60 e a sensação de insegurança gerado na população, sobretudo das grandes cidades. Segundo Robson, entender as razões dos crimes é de extrema importância para abordagem precisa dos fatos relacionados. Ele também falou sobre a diferença entre dados oficiais e o que é divulgado. “Existe uma contradição entre aquilo que a mídia enfatiza com os números reais da violência. Devemos tomar cuidado com isso”.
Ex-secretário Adjunto de Segurança Pública de Minas Gerais, Luís Flávio Sapori deu sua interpretação sobre o motivo que leva a imprensa a falar tanto sobre violência. “Mesmo o Brasil não sendo o país mais violento do mundo, os números são alarmantes, e isso justifica a ampla cobertura da mídia à violência.
De acordo com Sapori, segurança pública não pode ser pensada como algo apenas de polícia. Segundo ele, estudar mudanças favoráveis em outros lugares é imprescindível para pensarmos uma política de segurança adequada. “São Paulo vem apresentando uma forte queda no número de homicídios. É uma realidade para ser compreendida”. Ele ainda apontou falhas de gestão pública. “Há preocupação em demasia dos políticos em relação ao prestígio nas urnas. Para a maioria, isso não dá voto. Precisamos de alguém que tome iniciativa e dê certo”.
Como cobrir políticas de segurança pública: rádio, TV e jornal
Henrique Naves
A palestra “Como cobrir políticas de segurança pública: rádio, TV e jornal” aconteceu em tom de conversa. Os jornalistas Eduardo Costa (da Rádio Itatiaia), Tyndaro Menezes (da TV Globo) e Fábio Gusmão (do jornal Extra) concordaram que existe grande dificuldade dos veículos em realizarem matérias factuais e que, se forem falar de coberturas especiais sobre segurança pública, a complexidade acaba sendo multiplicada.
Segundo Eduardo Costa, a imprensa brasileira ainda não está preparada para cobrir as políticas de segurança pública com a responsabilidade que o assunto exige. Tyndaro Menezes pontuou que uma das principais dificuldades do jornalismo investigativo é o alto custo.
Produção e análise de estatísticas de criminalidade
Renata Ferri
A palestra que tratou do assunto produção e análise de estatísticas de criminalidade contou com a presença de Bráulio Silva, representante do CRISP (Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública) e Marcos Drumond Júnior, médico representante da prefeitura de São Paulo.
No Brasil não existe um sistema de documentação de estatísticas de criminalidade. De acordo com Bráulio, isso é essencial para que se possa haver fluxo de informações, e para que, a longo prazo, seja possível estabelecer um padrão para homicídios e outros crimes.
Ao estabelecer um padrão, é mais fácil desenvolver estudos para o combate direto a essa criminalidade. Não há uma base única de ocorrências policiais, cada polícia faz a coleta e a documentação de forma diferente. Porém, através do SENASP (Secretaria Nacional de Segurança Pública), pesquisadores estão tentando criar uma base de estatísticas policiais que possa atender as necessidades da sociedade.
Mas, segundo Bráulio, esse é um projeto que será concluído apenas daqui a dois ou três anos. Quanto ao trabalho dos jornalistas, é necessário que a imprensa tenha acesso a essas informações de forma clara e eficiente, para que dados e estatísticas possam se transformar em conhecimento para a população, checando assim, a eficácia da polícia e dos governos.
Bráulio diz que uma das principais desculpas para não haver um sistema de documentação é que, de acordo com a policia, a urgência dos problemas não gera espaço para estudos e avaliações. Porém é fundamental conhecer a fundo o problema para traçar a melhor estratégia de ação ou de reação. "A polícia vai continuar atendendo aos chamados, mas vai além disso", afirma Bráulio.
Marcos Drumond confirma que o Brasil ainda é deficiente com relação a uma base de dados criminais. Ele diz que, para obter informações sobre homicídios, é preciso recorrer ao site www.datasus.com.br, que disponibiliza todas informações em termos de saúde pública no país.
Por meio da declaração de óbito se é possível chegar a um registro de homicídios. Esses dados fornecidos pelo datasus são interessantes pois podem indicar quantas pessoas foram mortas por armas de fogo nos últimos anos, analisando assim, a eficácia da campanha para o desarmamento, por exemplo.
Novas experiências de cobertura policial
Michelle Leal
A banalização da violência e o que se pode fazer contra isso foi tema principal da palestra “Novas experiências da cobertura policial”, ministrada pelo jornalista Carlos Eduardo Santos. Vencedor dos prêmios Vladimir Herzog de Direitos Humanos, por duas vezes, e Embratel, Carlos Eduardo é um dos idealizadores do blog Pebodycount (www.pebodycount.com.br).
Segundo Carlos Eduardo, o blog surgiu com o intuito de transformar os números da violência em caras e histórias. “O Pebodycount tem como objetivo contextualizar os crimes, as situações e até os ‘porquês’. Ele quer ir além da cobertura policial básica”, diz. “Queremos também contar histórias e ajudar a mudar realidades”, complementa.
O blog é uma organização independente e sem fins lucrativos. Ele disponibiliza para o público análises, críticas, denúncias e sugestões para implementação de políticas de segurança pública. É atualizado diariamente e recebe cerca de 1500 acessos por dia.
O uso do nome em inglês se dá pelo fato de o blog dialogar com os sites Riobodycount e Iraqbodycount, locais onde os mortos pela violência também são contabilizados e divulgados diariamente na Internet. Carlos Eduardo também apresentou na palestra alguns outros sites que, assim como o Pebodycount, fazem a contabilizarão de mortos pela violência e o mapeamento das áreas nas quais há maior incidência desses fatos.
São eles www.comunidadesegura.org e www.gvcrime.org, que disponibiliza a análise diária da violência em Vitória – ES. O PEbodycount é uma ferramenta para somente contar mortos. A equipe do blog realizou em 2006 o projeto “Marcas da Violência”, em que os jornalistas saíram às ruas para pintar no asfalto um corpo vermelho com a palavra "BASTA" em todos os locais de homicídios ocorridos em Recife.
As intervenções foram bem recebidas pela população que também ajudou a equipe do projeto. A iniciativa também rendeu um documentário e um comercial que foi divulgado na TV gratuitamente.
O blog Pebodycount completou em 2008 um ano de existência, e já está com planos de realizar novas ações como as intervenções feitas no projeto “Marcas da Violência” em protesto pelas vítimas mortas em Recife. Segundo Carlos Eduardo, foi lançado recentemente o primeiro contador de homicídio externo no Bairro das Graças, em Recife.
O Pebodycount também tem planos de disponibilizar o mapeamento das áreas com o maior índice de casos de homicídio na capital pernambucana.
Investigando o crime organizado nas grandes cidades
Michelle Leal
A palestra contou com a participação da coronel Luciene Magalhães de Albuquerque, da Polícia Militar-MG e do jornalista da Folha de São Paulo Sergio Torres. O debate foi mediado pelo jornalista e diretor Claudio Tognolli.
A coronel Luciene Magalhães iniciou a discussão falando sobre o papel que os jornalistas representam para a sociedade. “Tanto a polícia quanto os jornalistas são intimados pela sociedade”. Conforme a coronel, a sociedade cobra soluções e atitudes que a mídia pode reivindicar do poder público.
Alguns temas como a segurança do repórter, a relação entre polícia e jornalistas, foram abordados na palestra. O perfil do crime organizado, a banalização e a exploração da violência face à cobrança das redações, a ética no fazer jornalismo policial e a necessidade de busca por alternativas que fujam do básico na cobertura policial geraram boas discussões entre os participantes.
“Leia sempre e desconfie da primeira versão, duvide e vá além”. Esse foi o conselho dado pelo jornalista Sergio Torres para realizar uma boa investigação. Segundo ele, as fontes são fundamentais numa investigação jornalística. Fontes como Policia Militar, Civil e Federal, escrivão da polícia, Ministério Publico e governo devem sempre ser consultadas.
O ir além enfatizado por Torres significa ultrapassar o jornalismo declaratório, que é feito com base em depoimentos de delegados, da polícia, dos laudos, e trazer a reflexão e discussão sobre as causas e conseqüências da violência.
O papel do repórter e a questão da relação com a polícia também foram levantados. Pontos como o que é ou não ético na cobertura, o que vale fazer ou não para se obter informações, e se é necessário colocar a vida do repórter em risco em troca da informação foram postos em debate. Apesar de gostar de fazer reportagens jornalísticas relacionadas à violência, Torres lembra que atualmente a prática está cada vez mais arriscada.
Ao falar sobre o crime organizado nas grandes cidades, Torres afirmou que o crime no Brasil ainda não é tão organizado em relação a outros países. Conforme o jornalista, existem organizações criminosas piores do que as que atuam nos morros do Brasil. Milícias e máfias, por exemplo, podem de fato ser chamadas de crime organizado.
Torres afirmou também que hoje a cobertura do crime organizado ainda é muito mal feita e principalmente depende muito da Polícia Federal.
Acesso a dados do sistema de Justiça criminal
Bruno de Melo
Coordenadora do Núcleo de Informações em Segurança do Instituto Municipal Pereira e Passos – IPP, Ana Paula Miranda explicou o que seria um sistema de dados eficiente e suas vantagens, mas que não existe na prática.
“Há uma dúvida sobre a existência de um Sistema Criminal no país. Sistema quer dizer interligação. E o que observamos, é que isso na verdade não existe”. Segundo ela, no Brasil, ainda não há uma discussão ampla em relação a dados que deveriam ser disponíveis.
Ana Paula ainda falou sobre a manipulação que existe dos dados. Por haver uma enorme quantidade de dados na Justiça, o que é disponibilizado é um recorte desses dados. “Inevitavelmente, mesmo que não seja de forma deliberada, os dados acabam sendo manipulados. Disponibiliza-se o que convém”.
Membro da Fundação João Pinheiro, Eduardo Batitucci, encerrou a palestra apontando alguns problemas do sistema criminal. Segundo ele, hoje há uma crise nesse sistema. Não há interesse em mudanças. “É difícil pensar o sistema de segurança como uma política de segurança. Segurança pública, infelizmente, não é pensada como a educação, saneamento, saúde ou economia”.
Eduardo ainda afirmou que mesmo quando há reuniões de setores do sistema, a deficiência de entendimento dos dados impede o planejamento de ações eficientes. “Os problemas começam, na maioria das vezes, no registro da primeira ocorrência, no Boletim de Ocorrência”.