Júri absolve dois acusados da morte do radialista Jefferson Pureza
  • 10.12
  • 2019
  • 13:54
  • Angelina Nunes e Natália Silva

Liberdade de expressão

Júri absolve dois acusados da morte do radialista Jefferson Pureza

Foto: O ex-vereador José Eduardo Alves da Silva, acusado de ser o mandante. Angelina Nunes/Abraji

Um ano, dez meses e 22 dias depois do assassinato do radialista Jefferson Pureza, de 39 anos, em Edealina (GO), o júri popular absolveu dois acusados de envolvimento no crime, apesar de reconhecer a participação deles no caso. O ex-vereador José Eduardo Alves da Silva, de 41 anos, acusado de ser o mandante do assassinato, e o caseiro Marcelo Rodrigues dos Santos, de 40 anos, foram condenados somente pela corrupção dos menores que praticaram o assassinato. Santos foi acusado de apresentar os jovens ao então vereador.

O resultado polêmico foi anunciado às 23h50 de ontem (9.dez.2019), depois de um julgamento que durou 15 horas e 20 minutos e contou com acalorada discussão entre a defesa dos réus e a acusação, além do depoimento de testemunhas no Fórum de Edeia, cidade a 31 km de Edealina e 125 km de Goiânia.  

O radialista foi morto na noite de 17 de janeiro de 2018 com três tiros no rosto, ao ser surpreendido enquanto descansava na varanda de sua casa. Segundo as investigações, o crime foi negociado por R$ 5 mil e um revólver. 

Marcelo Rodrigues dos Santos, um dos acusados, olha para a câmera com um sorrisoSilva foi sentenciado a quatro anos de prisão e Santos (foto), a quatro anos e dez meses. Os dois réus comemoraram a decisão ao ouvir a leitura feito pelo juiz. Na prática, eles serão beneficiados por um alvará de soltura e ficarão em liberdade para aguardar os próximos passos do caso.

A decisão de ontem surpreendeu a acusação, já que em 4.out outro envolvido no caso foi condenado a 14 anos de reclusão. Leandro Cintra da Silva, de 25 anos, é o dono do lava-jato onde foi feita a negociação do crime e do celular usado por um dos menores para combinar o assassinato com os outros adolescentes. 

Os três menores envolvidos já cumpriram medidas socioeducativas e ficaram acautelados por seis meses. Um seria o atirador, outro teria pilotado a moto usada no crime e o terceiro teria indicado os dois para o serviço. Apenas o último compareceu ao julgamento e repetiu sua versão dos fatos: que teria recebido do ex-vereador R$ 200 por indicar os executores e que foi ameaçado pelo atirador para assumir o crime.

Antes mesmo de o juiz Aluízio Martins Pereira de Souza anunciar o resultado da votação, amigos e familiares dos acusados - maioria entre os presentes ao julgamento - comemoravam a decisão dos sete jurados do lado de fora do plenário. 

Durante as 15 horas e 20 minutos de julgamento, nem os presentes, nem o júri respeitaram os pedidos do juiz para se manterem calados, sem manifestar reação aos depoimentos ou aos debates entre acusação e defesa. Os sete jurados, três mulheres e quatro homens, também desrespeitaram a instrução de incomunicabilidade entre eles e com os espectadores. Nos intervalos para almoço e lanche, era possível vê-los conversando entre si e também com outras pessoas presentes no Fórum.

O advogado do ex-vereador, Henrique Paixão, considerou o resultado coerente, mas a pena, excessiva:

- Não havia provas de que houve pagamento para a execução do crime, mas ao mesmo tempo havia provas da conversa dele com os menores. Isso [o resultado] aconteceu porque o júri considerou que as provas não eram contundentes, nem fortes o suficiente para a condenação. Entramos com recurso, porque a dosagem da pena de corrupção [de menores] é muito próxima do máximo (quatro anos). Entendemos que deveria estar perto do mínimo, de um ano.

Já o promotor José Eduardo Veiga Braga Filho considerou o resultado “pouco ortodoxo” e informou que vai recorrer pela realização de um novo júri:

- O júri condenou os dois pelo crime de corrupção de menores e, apesar de reconhecer o envolvimento deles no assassinato, os absolveu no caso de homicídio. Eles saem condenados com a pena branda. Vamos recorrer para instância superior e será decidido se haverá um novo julgamento ou não.

Para o assistente de acusação, o advogado Joel Pires, “houve uma confusão” na hora da votação dos quesitos (materialidade, autoria, absolvição e qualificadoras):

- Não gostei. Não consigo entender. Eles reconhecem a autoria dos dois no crime, mas mesmo assim, na votação dos quesitos, os absolveram. Vamos entrar com apelação.

Igor Pureza, filho do radialista, chorou ao saber da decisão.

- Não foi o esperado, mas Deus sabe o que faz. Esperava outro resultado., e o verdadeiro culpado vai aparecer. Estou muito angustiado - disse Igor, que saiu do Fórum ao lado de sua mãe, Ernestina Marins, antes da leitura da decisão do júri.

- Estou confusa. A gente precisa de uma resposta. Se não foram eles, alguém tem culpa. Meus filhos precisam de uma resposta - reclamou.

Julgamento conturbado
Alguns jurados estavam dispersos ao longo do julgamento. Uma delas, por exemplo, lixou as unhas da mão esquerda três vezes com uma lixa que retirou de uma nécessaire preta com motivos florais. A mesma jurada olhou, em um espaço de uma hora, 23 vezes para a audiência e acenou para alguns conhecidos. O comportamento se repetiu ao longo da audiência em outras 103 vezes.

Outro jurado cochilou durante a tréplica feita pelo advogado Henrique Paixão, apesar do tom de voz do defensor - alto o suficiente para irritar outro membro do júri, que se considerou desrespeitado. Uma colega o socorreu com um comprimido para dor de cabeça. A mesma jurada ofereceu analgésico e relaxante muscular, bem recebidos pelos representantes da acusação e por um outro jurado.

A estratégia da defesa do réu Marcelo Rodrigues dos Santos foi tentar provar que ele não negociou o crime com os menores, além de levantar suspeitas sobre o motivo de Jefferson Pureza ter deixado o portão de sua casa aberto, enquanto descansava na varanda. O advogado Oldemar José da Rocha chegou a repetir em sua sustentação a tese de que, se há dúvida, o réu deve ser beneficiado. 

- Antes um culpado na rua do que um inocente na cadeia. 

Já o advogado Henrique Paixão, defensor do ex-vereador José Eduardo Alves da Silva, apresentou seu cliente como um homem simples, que fala demais, faz tratamento com remédio controlado e tem “surtos de vez em quando”. Chegou mesmo a dizer que o apelido de Silva é “sanhaço”, feito o passarinho, e com isso arrancou risos da plateia. Em sua explanação, ele mudava o tom de voz, colocava um sotaque do interior e usava expressões do campo, que eram bem recebidas por alguns jurados e pela audiência.

O ponto alto foi a apresentação de fotos íntimas encontradas no celular do radialista com várias mulheres e de textos de mensagens particulares com declarações que o advogado considerava "picantes" sobre encontros de Pureza com uma delas: “Ele (Pureza) era pegador, tinha várias mulheres. Mas vocês querem ver coisas de sexshop? Acho que não precisa”, perguntava para a audiência.

Na réplica, a acusação lembrou o júri que a sentença dada aos réus serviria como um recado para a sociedade brasileira. A absolvição ou condenação, segundo o promotor e o assistente de acusação, seria um exemplo de como devem ser tratados aqueles que fazem denúncias de desvios de recursos públicos.  

Programa Tim Lopes
O assassinato do radialista foi o primeiro caso tratado pela equipe do Programa Tim Lopes, desenvolvido pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) com apoio da Open Society Foundations para combater a violência contra jornalistas e a impunidade dos responsáveis.
Em caso de crimes ligados ao exercício da profissão, uma rede de veículos da mídia tradicional e independente é acionada para acompanhar as investigações e publicar reportagens sobre as denúncias em que o jornalista trabalhava até ser morto. Integram a rede hoje: Agência Pública, Correio (BA), O Globo, Poder 360, Ponte Jornalismo, Projeto Colabora, TV Aratu, TV Globo e Veja.

O segundo caso é o do radialista Jairo de Sousa, de 43 anos, morto na madrugada de 21 de junho de 2018, com dois tiros no tórax quando chegava para trabalhar na rádio Pérola FM em Bragança, no Pará. O suspeito de ser o mandante é o vereador Cesar Monteiro. Ele teria contratado um grupo de dez pessoas para realizar o crime. Segundo os autos do inquérito, o assassinato teria custado R$ 30 mil. 
Em março deste ano, o vereador Cesar Monteiro teve a prisão preventiva revogada após o Tribunal de Justiça do Pará conceder um habeas corpus. A liberação do vereador aconteceu a 26 dias de o prazo de sua licença da Câmara dos Vereadores de Bragança se esgotar. Na época, um grupo articulava um pedido de cassação de mandato do vereador. A defesa do vereador entrou com recurso para que ele espere, em liberdade, o julgamento do caso. Ainda não há data marcada para o júri popular.  

Entenda o caso de Edealina
Jefferson Pureza em mesa de rádio. Usa fones de ouvido e está sentado de frente para o microfone, que aparece à esquerda da tela.Jefferson Pureza iniciou seu trabalho em Edealina em 2016 e fazia referência e acusações constantes sobre despachos e contratos realizados, no ano anterior, pela administração municipal. O radialista pertencia a um grupo político de oposição ao ex-prefeito João Batista Gomes Rodrigues, o Batista Boiadeiro (PTB), e a José Eduardo Alves da Silva, que foi secretário de Ações Urbanas na gestão de Batista Boiadeiro e depois assumiu o cargo de vereador.

Um ano antes do seu assassinato, no seu programa “A voz do povo” do dia 26 de janeiro de 2017, Pureza usou o microfone da rádio comunitária Beira Rio FM para revelar a existência de um plano para sua morte. Disse ainda que. se algo lhe acontecesse, os responsáveis seriam o vereador e o ex-prefeito.

Outros incidentes ocorreram ao longo do ano de 2017. Em agosto, um transmissor da rádio foi furtado e houve um pequeno incêndio. No mês seguinte, a casa que o radialista mantinha em Pontalina, cidade vizinha a Edealina onde moravam a ex-mulher e os filhos, foi atingida por tiros. Em novembro, um novo incêndio destruiu as instalações da Beira Rio FM, e o receptor foi furtado. O radialista chegou a usar o perfil no Facebook para veicular o programa.

Em 2018, treze dias depois do assassinato de Jefferson Pureza, o vereador José Eduardo Alves da Silva foi à delegacia de Edeia, outra cidade vizinha a Edealina, para prestar esclarecimentos. 

Silva disse que Pureza só se referia a ele como “vereador da transferência de votos”, pois o acusava de ter transferido eleitores de outras cidades para garantir sua eleição em Edealina. O radialista afirmava ainda que o vereador estava se apropriando da terra da roça comunitária.
O político admitiu ter planejado um atentado contra Pureza no início de 2017, conforme o próprio radialista dissera então. Afirmou ter combinado com um rapaz chamado Junio de dar uma surra em Pureza “para ele sumir da cidade” e atear fogo em seu carro. O pagamento de R$ 3 mil pelo serviço seria feito pelo pastor Thiago (Marinho, atual secretário de Administração de Edealina). O plano não foi concretizado porque, segundo o vereador, sua mulher descobriu a respeito. O pastor Thiago negou em depoimento que estivesse envolvido no caso.

Segundo denúncia do Ministério Público apresentada em abril de 2018, Silva planejou outra agressão contra o radialista no final de 2017, por desconfiar que Pureza mantinha uma relação com sua ex-mulher, Marley Alves de Jesus Faleiro - a quem o vereador já havia agredido, ameaçado de morte e planejado assassinar em 2013.

Na ocasião, o caseiro Marcelo Rodrigues dos Santos teria apresentado Silva a um adolescente e a Leandro Cintra da Silva, dono de um lava-jato em Aragoiânia, cidade vizinha a Edealina. No encontro, o vereador ofereceu R$ 4 mil para assassinarem o radialista. O plano novamente foi adiado, devido à prisão de Santos por envolvimento em tráfico de drogas.

O jovem não aceitou a oferta e repassou o serviço a outro, que cobrou R$ 5 mil e um revólver. Mais tarde, foi procurado pelo vereador, que lhe teria pago R$ 200 pela indicação. O caseiro fez contato com outro adolescente para pilotar a moto usada na execução de Pureza.

O vereador José Eduardo Alves da Silva negou que tenha mandado matar o radialista. Segundo ele, foi a Aragoiânia apenas para ajudar Santos a buscar uma carteira de trabalho e conversar sobre a separação da mulher e as desconfianças do envolvimento dela com o radialista. Santos é quem teria lhe sugerido mandar matar Pureza e apresentado os rapazes para a encomenda, mas ele não teria aceitado e teria dito que estava empenhado em “tocar a vida”.

Na versão do caseiro, os fatos se invertem: Silva teria falado em agredir o radialista. Santos nega ter apresentado ao vereador os menores que executaram o crime.

Os adolescentes negaram participação no crime.

As denúncias do radialista
Em seus programas de rádio, Jefferson Pureza mencionava dois processos de 2015 que envolvem o ex-prefeito de Edealina João Batista Boiadeiro. Em um deles, o Ministério Público de Goiás aponta suspeitas de envolvimento do político em fraudes em obras.
Segundo relatório do MP, há indícios de que Batista Boiadeiro teria beneficiado a empresa Leopoldina Construtora em licitações. O representante legal da construtora é José Cassiano da Costa, secretário de Transportes de Edealina na gestão atual de Winicius Miranda (PSB), pertencente ao grupo político de Boiadeiro.

A Leopoldina teria sido contratada para realizar uma obra que já estava quase concluída em um estacionamento. A mesma empresa teve outros contratos com a prefeitura de Edealina em 2015, totalizando R$ 384,8 mil. Depois, alterou sua razão social para Sheknar Construtora e expandiu suas áreas de atuação, passando a ganhar licitações também na área de eventos.

O processo está parado no Fórum de Edeia. O Ministério Público pediu novas diligências e depoimentos para explicar essa relação entre os contratos de empresas e o ex-prefeito.

A segunda ação judicial que Jefferson Pureza citava em seu programa de rádio é de 2017, referente a um caso de 2015. A promotora Maria Cecília de Jesus Ferreira ofereceu denúncia contra os ex-prefeitos Batista Boiadeiro e Divino Célio Neves.
Boiadeiro foi preso em flagrante, acusado de usar maquinário da prefeitura para extração ilegal de areia em um rio que passa pela fazenda de Neves. O caso está parado na Justiça.

Assinatura Abraji