Jornalismo na fronteira: vídeo detalha os riscos e desafios da profissão nos limites do país
  • 30.04
  • 2020
  • 07:00
  • Angelina Nunes

Liberdade de expressão

Jornalismo na fronteira: vídeo detalha os riscos e desafios da profissão nos limites do país

A casa de esquina não esconde a profissão do morador. Uma bandeira do Paraguai tremula fincada em um mastro em uma das pilastras do lado direito. No centro da fachada, um cartaz amarelo avisa que ali funciona a sucursal do “ABC Color, el diario completo. Redacción regional”. A rua parece tranquila, e a casa está sempre com as janelas e portas fechadas. O portão também. Antes mesmo que a equipe da Abraji estacionasse o carro, dois homens de calça jeans, tênis e camiseta surgiram armados com fuzis M16 nas mãos e pistolas enfiadas nos bolsos das calças. Esse era o armamento visível.

O que estava de óculos escuros abordou a equipe da Abraji ainda no carro. A entrada só foi liberada depois da identificação e quando um senhor apareceu na porta com um largo sorriso: Cándido Figueredo, jornalista paraguaio que mora em Pedro Juan Caballero. Ele vive com escolta armada há 25 anos e é o entrevistado no vídeo “Jornalismo na fronteira”

Todo esse cuidado é necessário para a proteção do jornalista que já teve a casa metralhada duas vezes, recebeu e ainda recebe ameaças por conta do seu trabalho na fronteira do Paraguai com o Brasil. A divisa entre as cidades de Ponta Porã, do lado brasileiro, e de Pedro Juan Caballero, do lado paraguaio, é tênue. Se próximo ao centro, onde há lojas de produtos eletrônicos, a separação é feita por um canteiro com árvores e uma praça que já teve dias melhores, em outros pontos fica difícil saber se o motorista está circulando do lado de lá ou do lado de cá. 

Em uma pista podem ser os motoqueiros que, do lado brasileiro, são obrigados a usar capacete, o que não acontece do outro lado. Essa proximidade facilita a circulação de carros de passeios simples, motos e SUV, o utilitário esportivo com vidros fumê que se multiplica a cada esquina. Outro detalhe é que, do lado de lá, em muitos lugares como farmácias, depósitos de bebidas, hotéis e cassino, é comum ver um homem fazendo a segurança. Com uma escopeta nas mãos. Fotografar a cena com um celular não é uma ideia segura. 

A violência faz parte da rotina. O crescimento do Primeiro Comando da Capital (PCC) na fronteira provocou o aumento dos conflito e das mortes. Nesse cenário, o jornalista brasileiro Léo Veras foi assassinado, em 12.fev.2020, quando jantava com a família em sua casa, em Pedro Juan Caballero. 

"No início dos anos 2000, quando estive pela primeira vez na fronteira do Brasil com o Paraguai, o narcotraficante Fernandinho Beira-Mar travava uma guerra com o clã Morel pelo controle das áreas de plantio de maconha no país vizinho. Hoje, a facção paulista PCC dita  regras na região, que segue como principal porta de entrada de drogas e armas negociadas no Sudeste. Léo Veras relatava essa movimentação e, infelizmente, acabou assassinado", conta o jornalista Sérgio Ramalho.

Ramalho e Angelina Nunes estiveram na fronteira entre os dois países quatro dias após o assassinato de Veras. Ficaram no local por uma semana e fizeram reportagens sobre as investigações do caso, publicadas no site da Abraji e nos veículos parceiros do Programa Tim Lopes. Cándido Figueiredo foi uma das fontes e desse encontro surgiu o vídeo — com legendas em português, espanhol e inglês —, em que ele conta detalhes de como é fazer jornalismo naquele local e os seus riscos. 

Ao ser perguntado quanto vale uma vida na fronteira, ele respondeu de imediato: “Não vale nada”.  

Assista à íntegra do vídeo no canal de YouTube da Abraji:

Programa Tim Lopes

Desenvolvido pela Abraji com o apoio da Open Society Foundations, o Programa Tim Lopes visa para combater a violência contra jornalistas e a impunidade dos responsáveis.

Em caso de crimes ligados ao exercício da profissão, uma rede de veículos da mídia tradicional e independente é acionada para acompanhar as investigações e publicar reportagens sobre as denúncias em que o jornalista trabalhava até ser morto. Integram a rede hoje: Agência Pública, Correio (BA), O Globo, Poder 360, Ponte Jornalismo, Projeto Colabora, TV Aratu, TV Globo e Veja.

Fotos: Angelina Nunes/Abraji.

Assinatura Abraji