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Uma estratégia em níveis para apurar e vender reportagens investigativas como freelancer
Publicado originalmente em inglês por Samantha Sunne no site do GIJN. Traduzido por Breno Costa.
Descobri o jornalismo investigativo quando estava na escola e decidi que essa era minha missão. Mas também queria viajar pelo mundo, conhecer coisas novas e experimentar diferentes mídias - sinais que me inclinaram para a carreira freelancer.
Mas o que significa fazer freelas como repórter investigativa?
Os freelancers são pagos após a publicação, mas certas investigações podem levar um ano ou mais para serem produzidas. Hoje em dia, uma reportagem muitas vezes chega a valer menos de US$ 1 mil para histórias longas de grande repercussão. Por outro lado, um repórter norte-americano assalariado ganha em torno de US$ 50 mil por ano. Aí você pode ver a disparidade.
Além do dinheiro, há a questão do tempo. Vivendo no estado norte-americano da Louisiana, há uma fonte inesgotável de histórias sobre a atuação do governo que eu poderia produzir, se tivesse tempo. A frase "tempo é dinheiro" é ainda mais verdadeira para os freelancers do que para qualquer outra pessoa.
Depois de alguns anos tentando mapear histórias investigativas diante de uma realidade freelance, desenvolvi uma estrutura que batizei de "níveis".
O Nível 1 são apenas ideias vagas de histórias ou coisas que circulam no meu cérebro a partir de notícias locais. O Nível 2 é um pouco mais explorador e o Nível 3 é basicamente a investigação completa. Pense nisso como a preparação de um terreno para a construção de um edifício.
Se uma ideia me chamar a atenção ou se achar que ela tem potencial, sobe para o Nível 2, o de uma investigação básica. Nessa fase, examino uma ou duas fontes que ajudarão a esclarecer o assunto. Por exemplo, pego alguns dados e faço uma análise rápida para ver se surge algo interessante.
Um exemplo: li que, nos Estados Unidos, é possível obter dados de um órgão nacional sobre violações do bem-estar animal. Entrei no site da agência governamental e baixei os dados sobre o meu estado. Classifiquei essas informações em ordem de violações e eis que um dos piores pontos do estado era uma fazenda de animais exóticos na cidade em que cursei a universidade.
Nesse momento, a história está no Nível 2, então eu pauso a apuração. Não vou para o Nível 3 até que tenha um mínimo de interesse por parte de um editor.
A lógica é clara: não quero me aprofundar - entrevistas, documentos públicos, custos de viagem -, se posso terminar sem nada. Se não consigo um contrato assinado, ou ao menos o interesse de um editor, esqueço a matéria.
Isso pode ser mais difícil do que parece. Como repórter, às vezes é mais difícil não fazer a história do que fazer. Mas, quanto menos tempo você gasta em projetos sem consequência, mais você pode gastar em projetos que deem resultado.
As ideias do Nível 1 geralmente começam pela leitura do noticiário local, ouvindo sobre histórias que outros repórteres tenham feito, ou de relações com fontes.
O Nível 2 também pode mostrar que não há muito lá. Peguei uma declaração de impostos de uma organização sem fins lucrativos que avaliei como sendo um pouco superficial. Não tive que pagar pelo documento, nem sequer protocolar um pedido formal - apenas fiz o download de um site. O relatório trazia algumas estatísticas interessantes (eles não pagam muito aos artistas, aparentemente, mesmo que atraiam grandes nomes da música), mas nada foi capaz de me impressionar a ponto de me convencer que havia uma grande história ali. Deixei para lá e segui em frente.
Com a história das violações aos animais, encontrei algo interessante - animais exóticos, maus agentes, um negócio local. Por isso, fui atrás de um antigo editor. Ele se disse interessado.
Com esse projeto em particular, dei um passo a mais e pedi para assinar um acordo de confidencialidade. Nos EUA, esse documento é um acordo formal para preservar as informações compartilhadas entre duas partes. Um acordo bem curto - mesmo que seja uma frase! - pode ser legalmente reconhecido, desde que as partes concordem por escrito.
Isso leva a uma outra armadilha comum em freelas investigativos: como oferecer uma história sem entregar toda a sua apuração? Ouvi histórias horríveis de outros freelancers sobre veículos que recusaram a ideia e depois publicaram a história usando os repórteres da equipe.
Felizmente, os acordos podem ter validade legal, mesmo que não sejam escritos em linguagem técnica. Esse foi o acordo de confidencialidade que pedi ao meu editor para assinar:
(Tradução: (Nome omitido), aceita não publicar as descobertas detalhadas na pauta de Samantha Sunne intitulada "Pitch 07/2015" sem o consentimento dela.)
Ele foi tão receptivo - e nós tínhamos suficiente contato prévio - que imprimiu o parágrafo, assinou, escaneou e me mandou de volta. No futuro, apenas precisaria de uma concordância de ambas as partes via e-mail.
Um acordo de confidencialidade pode soar exagerado, dependendo do projeto. Não recomendo para todas as histórias, porque tentei com um editor com quem nunca havia trabalhado, e ele recusou.
Uma vez que tenha assegurado aquele contrato ou interesse pela pauta, passo para o Nível 3, apurando o resto da história. Dessa forma, se gasto dinheiro para obter cópias de documentos, faço entrevistas pessoalmente ou comprometo um tempo significativo na matéria, pelo menos faço isso com uma forte probabilidade de que a história seja publicada.
Uma peça muito importante nesse quebra-cabeças são as bolsas. Muitas organizações, como o Fundo para o Jornalismo Investigativo ou a International Women’s Media Foundation, estão cientes do dilema dos jornalistas investigativos independentes. Eles programam suas doações para manter os repórteres financiados até o ponto de vender suas reportagens a publicações. Você pode encontrar mais detalhes sobre subsídios e bolsas no Centro de Recursos da GIJN.
É claro que o modelo de financiamento e os níveis para venda de pautas vão variar de acordo com cada projeto e cada repórter. Qual é o seu processo para lidar com histórias sem um dia de pagamento fixo ou garantia de publicação? Conte para mim no [email protected].
Samantha Sunne é repórter freelancer em Nova Orleans, Louisiana, onde escreve reportagens sobre dados e investigações. Também dá aulas de ferramentas digitais para jornalistas em todo o mundo e publica uma newsletter chamada Tools for Reporters.