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Pauta e narrativa envolvente são fundamentais para fazer podcasts

Pauta e narrativa envolvente são fundamentais para fazer podcasts

Em 2018, as iniciativas jornalísticas de podcast no Brasil se multiplicaram. Veículos tão distintos como Volt Data Lab, Folha de S. Paulo e piauí lançaram podcasts. Além deles, projetos como o BRIO Hunter e jornalistas independentes como Ednilson Valia mergulharam nesse universo. A Abraji conversou com os responsáveis pelas iniciativas para entender o que é preciso para fazer um bom podcast.

“É necessário saber bem a história que você quer contar, montar um roteiro mental em sua cabeça e conhecer bem o assunto”, afirma Sérgio Spagnuolo, idealizador do podcast Caixa-Preta. “É também necessário fazer boas entrevistas e criar uma narrativa que não seja repetitiva ou entediante. A trilha sonora é bastante importante e deve seguir o humor da coisa toda”, completa.

A “fórmula” apresentada por ele é válida para podcasts de reportagem, como é o caso do Caixa-Preta. Parceria do Volt Data Lab com o InternetLab, a iniciativa foi lançada no final de abril e já teve três episódios, além de um “bônus”. “Ela surgiu a partir de uma ideia que eu tive de tentar explicar o impacto da tecnologia na sociedade. Acredito que podcast seja uma mídia que, embora ainda com lenta adoção no Brasil, retém bastante o interesse e a atenção dos ouvintes, além de gerar engajamento”, opina Spagnuolo, que é editor do Volt.

Júlio Lubianco, que comanda a série Primeiros Passos, do BRIO Hunter, também considera que ter um conteúdo bom e original é a chave. “É preciso um tópico que renda. Uma coisa é você ter uma boa ideia pra um episódio, mas um bom podcast deve ser capaz de ter dezenas, centenas de episódios”, opina o jornalista. “Como regra geral, o conteúdo deve ser bom, informativo e divertido na dose certa”, completa.

O programa foi lançado em maio deste ano e segue a proposta da casa, que é colocar jornalistas experientes em contato com profissionais iniciantes ou que busquem aprimoramento. “O começo na profissão é motivo de grande ansiedade, então a ideia é mostrar os primeiros passos de quem já tem uma carreira consolidada, para acalmar e inspirar quem está começando”, afirma Lubianco, que é mentor do BRIO e tem entre suas especialidades os podcasts.

Paula Scarpin, que dirige os podcasts da revista piauí, tem opinião semelhante. Para ela, os pontos mais importantes para um bom podcast são a pré-produção, incluindo delimitar os assuntos, estudá-los, planejar as entrevistas, o formato e a duração, e a pós-produção, com a edição do material. “Dá pra fazer podcast só usando gravador de celular e editores de áudio gratuitos, banco de músicas com direitos autorais livres etc. Claro que quanto mais recurso se coloca (bons microfones, gravadores, estúdio, finalização com um software bom), a qualidade aumenta. Mas o mais importante é o conteúdo”, afirma.

A piauí tem hoje dois programas: o Foro de Teresina, lançado em maio, fala de política; e o Maria vai com as outras, que estreou pouco depois e tem como enfoque as mulheres e o mercado de trabalho. 

Durante a Copa do Mundo, a rádio piauí fez quatro episódios do podcast Tudo O Que Você Não Quer E Não Precisa Saber Sobre A Copa e segundo Scarpin há projetos de novos programas para o futuro.

A recente iniciativa da piauí é encabeçada pela jornalista, que tem apreço pelo rádio desde antes da faculdade e escolheu o jornalismo por causa do segmento. “Não tinha muita oportunidade de estágio bacana em rádio quando eu estudava e acabei indo para o impresso. Entrei na piauí há 11 anos, adoro ser repórter, mas nunca desisti da ideia de ter um canal de rádio dentro da revista”, conta. Em 2013 e 2014 ela realizou mestrado na área e, após algumas tentativas frustradas, ajudou a colocar a rádio piauí no ar, em 2018.

Outro veículo que resolveu investir nesse nicho é a Folha de S. Paulo. Lançado em abril deste ano, o Presidente da Semana é inspirado na série Presidential, do Washington Post, e conta cronologicamente a história de todos os presidentes do Brasil. Ele é comandado pelo jornalista Rodrigo Vizeu. “Embora o trabalho de pesquisa e roteiro seja meio insano, a periodicidade semanal me permitiu casar o podcast com meu trabalho regular na Folha”, explica. 

Desde ontem (12.set.2018), ele também está à frente do Eleição na Chapa, parceria entre o periódico e o Spotify, que tratará da corrida eleitoral. 

Para Vizeu, é importante ter tempo para se pensar na pauta, no roteiro e realizar a pesquisa, tanto em podcasts de debate quanto de storytelling. “Quando escrevo correndo depois me arrependo de ter deixado coisas legais de fora, então é meu maior ativo”, afirma. 

Segundo o jornalista também é relevante ter bons equipamentos e uma equipe que “diagnostique problemas e dê boas soluções”. “É ótimo ter uma sintonia com o editor de som para que vocês pensem juntos em soluções para contar a história em áudio”, diz.

O idealizador do A Regra do Jogo, Ednilson Valia, aponta que fazer um bom podcast necessita de um conjunto de fatores: “[É preciso] disposição, isenção, ética, bom equipamento, capacidade técnica, diversidade de opiniões, responsabilidade e estudar os assuntos a serem debatidos”, afirma. 

Ele também ressalta os aspectos técnicos: “O equipamento é uma parte importante. Tanto no software de edição, no microfone a ser escolhido na gravação, mas o mais preponderante é a captação de áudio. Isso é 80% do podcast”, opina.

Podcast “sobre jornalismo para jornalistas”, A Regra do Jogo começou em maio e encerrou a primeira temporada na última sexta-feira, com 21 episódios. Segundo Valia, a segunda temporada começará já no início de outubro e incluirá edições em espanhol e inglês. Também há planos de lançar uma radionovela sobre jornalismo.

Produção “solo” do jornalista freelancer, a iniciativa surgiu da percepção de Valia de que falta autocrítica e reflexão entre os jornalistas. “Poucas vozes são ouvidas neste quesito. Ainda ouço de colegas que o jornalismo é uma profissão especial, diferente de outras. Na minha opinião, o jornalista é tão importante quanto qualquer outra atividade profissional e com uma grande responsabilidade de informar com exatidão”, diz Valia.

Tempo ideal
Não há consenso entre os jornalistas sobre qual o tempo ideal de duração de um episódio de podcast.

Para Julio Lubianco, a duração depende do que “o ouvinte está disposto a ouvir” e “o que você é capaz de produzir”. “Há podcasts com duas horas de duração, outros com cinco minutos. Dependendo do formato, cinco minutos de um bom podcast narrativo podem ser mais difíceis de produzir que um talk show de uma hora”, explica.

Segundo Rodrigo Vizeu, a duração do Presidente da Semana — que não costuma exceder 35 minutos — é comumente motivo de elogios, mas há quem critique por ser curto demais. Para ele, é uma questão de gosto. “O The Daily, do NYT, que eu gosto muito, tem 20 minutos. Há podcasts muito elogiados no Brasil com duração de uma hora e meia, duas horas. Particularmente, eu prefiro coisas mais curtas, que durem mais ou menos o meu deslocamento de casa pro trabalho, para eu não precisar lembrar de continuar ouvindo depois”, afirma.

Já Paula Scarpin não tem preferência por uma duração específica. “Escuto podcasts de todos os tamanhos, o bacana do formato é isso. Se for um de duas horas, e estiver bom, eu ouço quando dá, limpando a casa, no ônibus, e pauso quando chego no trabalho, dou play de novo quando posso…”, conta. Segundo ela, porém, há estudos que mostram que o tempo de percurso entre casa e trabalho é o ideal.

Os estudos vão ao encontro do que Sérgio Spagnuolo pensa. Para o produtor do Caixa-Preta, podcasts muito longos — acima de 45 minutos ou uma hora — tendem a ficar exasperantes, “por mais interessantes que sejam”. “Poucas pessoas efetivamente têm tempo para ouvir uma hora e meia de áudio. O ideal, pra mim, é o tempo de trajeto casa-trabalho, que no Brasil circula em torno de meia hora. Obviamente, dependendo do conteúdo, pode ser mais ou menos, mas 30 minutos é OK”, opina.

Para Ednilson Valia, vários dos melhores podcasts são de longa duração. Ele cita o Xadrez Verbal e o Anticast, que têm episódios com mais de três horas, além do Fronteiras Invisíveis do Futebol, que frequentemente passa de uma hora de duração. “[Mas] existem podcasts de curta duração, que não chegam a dez minutos, mas que têm um conteúdo extraordinário, como o Petit Journal e o NBW 5 minutos. Os podcasts oferecem um conteúdo que a imprensa brasileira não oferece, com menos estrutura, dinheiro, mas de uma qualidade espetacular”, aponta.

Outras dicas e recomendações
- O Caixa-Preta utiliza o gravador Zoom H6, o software de edição Audacity, e o agregador do Squarespace e do Buzzsprout.  Para Spagnuolo, “redes sociais são sempre importantes, mas escolher um bom hosting e feed de RSS, e ter bons analytics” são úteis para direcionar o conteúdo para a audiência.

- O podcast A Regra do Jogo está em 14 diferentes plataformas de áudio, e para Ednilson Valia é fundamental a disponibilização vasta. Segundo ele, mais do que um grande público, é importante ter ouvintes fiéis ao fazer podcasts. 

- Julio Lubianco, da série de podcasts Primeiros Passos, também recomenda cadastrar os programas em “tantos diretórios quanto possível”. O podcast do BRIO está em 13 plataformas, incluindo o Apple Podcasts e o Spotify. Ele também ressalta a importância da divulgação nas redes sociais. Em relação a equipamentos, Lubianco indica o headseat Microsoft live chat e o microfone ATR 2100, para quem está começando e tem pouco recurso. Ele também recomenda o software de edição Audacity e as opções de hospedagem CastBox e Anchor.fm.

- A diretora dos podcasts da piauí Paula Scarpin recomenda o difusor de podcasts Libsyn, que coloca o programa na Apple, Stitcher e outros tocadores. Ela também dá como dica disponibilizar o conteúdo no YouTube, porque muitos brasileiros preferem a plataforma.

- Rodrigo Vizeu também enfatiza a importância de incluir os podcasts nas plataformas voltadas ao nicho para conseguir mais alcance. No caso do Presidente da Semana, o programa também é divulgado no site e no jornal, para atrair um público pouco familiarizado com os podcasts.

Além dos já citados, alguns dos podcasts recomendados pelos entrevistados são: Serial, Startup, Radiolab, Planet Money, Radio Ambulante, Revisionist History, ZigZag, More Perfect, Projeto Humanos, Mamilos.

Assinatura Abraji
Notas

Por Rafael Oliveira