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O quiz diário que ensina jornalistas a geolocalizar imagens
Publicado originalmente em inglês por Gaelle Faure no site do GIJN. Traduzido por Ana Beatriz Assam.
Uma vez por dia, a conta do @Quiztime no Twitter publica uma imagem. Pode mostrar uma rua vazia, colinas ou um avião parado em uma pista. Normalmente é uma fotografia, às vezes um vídeo - mas sempre cheia de mistério. E esse é o ponto: ao vasculhar a imagem à procura de pistas, os jogadores do quiz, muitos dos quais são jornalistas, tentam descobrir exatamente em que lugar do mundo ela foi tirada.
O Quiztime começou em 2017, quando a jornalista alemã Julia Bayer postou uma foto em sua conta no Twitter mostrando um cruzamento chuvoso em Colônia e perguntou: “Onde estou? Encontre a localização exata”. Ela fez isso para seus alunos como parte de um curso que estava preparando, mas, de repente, ela viu suas menções no Twitter dispararem. Seus seguidores estavam tentando resolver o desafio.
Where am I? Find the exact location. #VerificationTraining #FunLearning pic.twitter.com/OvemUeIzFF
— Julia Bayer (@bayer_julia) 6 de março de 2017
“No começo, pensei, ‘Ah não, os estudantes da minha classe podem ver a solução!” lembra Bayer. “Mas foi muito divertido ver as pessoas começando a trabalhar juntas no desafio, e então pensei: porque não continuar?”
Bayer começou a postar um quiz toda segunda-feira e logo convidou alguns dos jogadores para fazerem o mesmo nos outros dias da semana. A atual lista de quizmasters inclui vários jornalistas alemães, um jornalista investigativo do Bellingcat e um expert em Open Source Intelligence (OSINT). Aos domingos, qualquer pessoa do público pode postar seu próprio quiz, e o bot do Quiztime o divulga para a comunidade.
“Eu viajo muito e sempre fico atenta as fotos que posso tirar e guardar para meus futuros quizzes”, conta Bayer. “Eu vejo o sol batendo em um prédio específico e penso: vou perguntar aos jogadores a que horas eu tirei a foto. Também posso deixar vestígios, por exemplo publicando algo na minha conta do Instagram que eles possam relacionar ao quiz”.
Bayer explica que os jogadores são geralmente uma mistura de jornalistas e experts em OSINT buscando aprimorar suas habilidades em geolocalização e verificação, bem como que são apenas curiosas e adoram resolver quebra-cabeças.
Como funciona o Quiztime: O quizmaster tuíta uma imagem, geralmente uma que eles mesmos tiraram, junto com uma ou várias perguntas. Às vezes, apenas perguntando localização, data e hora. Muitas vezes, no entanto, as questões são mais criativas. A equipe principal dos criadores de quiz é sempre taggeada para que possam ajudar os outros.
It’s @quiztime! (A late #ThursdayQuiz) How are the location of this window and a British band connected? pic.twitter.com/QY3vDPHD5t
— Christiaan Triebert (@trbrtc) 22 de fevereiro de 2019
Os jogadores que querem discutir pistas e colaborar no desafio podem “responder a todos”. Podem, por exemplo, rastrear o logo de uma loja, identificar uma torre distante ou examinar o ângulo das sombras. Normalmente, não é apenas uma pista, mas sim uma combinação de pistas que vai guiá-los à resposta correta. Ao longo do caminho, o quizmaster geralmente interage com os jogadores para que eles saibam se estão no caminho certo.
Aqueles que descobrem a resposta respondem diretamente ao quizmaster, para não estragar o jogo para os outros. Isso significa que os jogadores podem começar a trabalhar em um quiz a qualquer momento, mesmo depois de outros o terem resolvido. Enquanto isso, aqueles que não têm tempo para fazer o quiz podem dar uma olhada na conversa para ler as explicações dos jogadores sobre como eles resolveram a questão.
Os testes têm dificuldades variadas. Alguns foram resolvidos em minutos, enquanto outros levaram horas ou dias e alguns poucos nunca foram resolvidos. (Os casos não solucionados estão aqui)
“Algumas imagens, em princípio, parecem que não tem nada nelas”, diz Bayer. “Mas sempre tem alguma coisa, uma pequena pista escondida. É uma questão de treinar os olhos para vê-las”.
Mohamed Kassab, um jornalista egípcio que vem jogando Quiztime desde o começo, diz que ele e outros jogadores usam todo tipo de ferramentas online - como o Google Imagens (ou, cada vez mais, o Yandex) para pesquisas de imagens reversas, Suncalc para calcular a hora do dia, etc. - mas adverte que as ferramentas não farão todo o trabalho.
“A técnica é muito mais importante que as ferramentas”, afirma Kassab. “Muitas pessoas conhecem as ferramentas, mas não são muitas as pessoas que sabem usá-las bem. E quanto uma ferramenta não funciona, de que outra forma você pode chegar à resposta? Através da prática, e reunindo todo o seu conhecimento acumulado, você começa a identificar pistas e caminhos que você não podia ver antes”.
Agora Kassab usa o que aprendeu para treinar outros jornalistas no Egito e no Oriente Médio. Ele diz que essas habilidades são muito necessárias para que os jornalistas da região sejam capazes de verificar vídeos e expor casos em que as imagens estão circulando com informações falsas.
“Há um espírito colaborativo e amigável com o Quiztime”, diz Kassab. “Eu aprendi muito interagindo com os quizmasters e outros jogadores regulares, que são muito generosos com seu conhecimento”.
Outro jogador regular é a jornalista polonesa Beata Biel. Ela percebeu que, com o Quiztime, raramente há apenas um caminho para a resposta.
“Teve um quiz no qual eu fiz uma consulta de pesquisa bastante surpreendente: “rocha que parece uma bunda de elefante”, e consegui um resultado bem melhor do que outros jogadores que estavam fazendo consultas mais elegantes como “pedra com rachadura”, diz Biel. “E em outros casos, eu encontrei a resposta usando consultas de pesquisa descritivas, enquanto outros a encontraram usando pesquisa de imagem inversa. Então, acho que observar qual abordagem os outros adotam pode ser realmente interessante”.
Para Biel, Quiztime é sobre treinar seu cérebro de uma forma útil: “Eu poderia estar jogando Sudoku, mas isso não me traria habilidades adicionais que posso usar no meu trabalho jornalístico”.
Como exemplo, ela aponta uma investigação visual publicada pela BBC Africa Eye que analisou a morte de duas mulheres e duas crianças pequenas por soldados camaroneses. Analisando imagens da cena, que haviam sido descartadas pelo governo de Camarões como "fake news", os jornalistas estabeleceram onde o assassinato ocorreu e quem eram os responsáveis. Eles examinaram pistas como o contorno das montanhas e o ângulo das sombras. Durante a investigação, foram ajudados por inúmeros “detetives” do Twitter, inclusive membros do Bellingcat e jogadores regulares do Quiztime.
“Um amigo me perguntou: ‘Porque você está tentando descobrir onde esse vídeo foi gravado? Você nunca esteve em Camarões”, diz Biel. “E isso era verdade. Mas eu também sabia que é possível descobrir muito apenas por meio de várias pistas visíveis no vídeo, usando até mesmo as mais simples ferramentas digitais gratuitas. Os quizzes fortaleceram minha crença de que você pode fazer muitas coisas boas com esse tipo de habilidade”.
Embora essas habilidades sejam frequentemente usadas para documentar violações dos direitos humanos, o próprio Quiztime nunca envolve investigar imagens violentas ou perturbadoras. Isso, diz Bayer, é inerente ao projeto.
“Alguns de nós estão trabalhando com notícias diárias, o que pode ser exaustivo, então queremos que isso seja para diversão”, diz Bayer. “Acho que também é o que nossos usuários apreciam: eles podem ter certeza de que não cruzarão com nenhuma imagem traumática aqui.”
Quiztime é aberto para qualquer um que queira jogar. Tudo que você precisa é de uma conta no Twitter. Biel tem um conselho final:
“Mesmo que você seja tímido demais para sugerir sua resposta publicamente, tudo bem, você pode guardar para si mesmo e ver como outros tentaram chegar a solução. Você verá que essas habilidades podem ser úteis muito rapidamente, como quando uma fonte te manda uma foto ou quando você vê uma foto online e tem que verificar onde foi tirada”.
Gaelle Faure é editora associada da GIJN. Anteriormente, ela trabalhou para a France 24, onde se especializou em coleta e verificação de notícias. Ela também trabalhou como editora do News Deeply e foi repórter da revista Time.